14 Fevereiro 2018
O quarto volume das “Obras” do cardeal Carlo Maria Martini é dedicado à “Escola da Palavra”. Suas obras estão sendo publicadas pela editora Bompiani (editadas por Giampiero Forcesi e Maurizio Teani, 1.024 páginas), por iniciativa da fundação intitulada ao próprio Martini.
Como escreve Dom Franco Agnesi na introdução, a experiência da Escola da Palavra nasce de uma intuição de Martini logo após sua nomeação como arcebispo de Milão: presente em filigrana já na sua primeira carta pastoral, “A dimensão contemplativa da vida”, o projeto foi realizado ainda em novembro de 1980, através de uma série de encontros na catedral, dirigidos principalmente aos jovens, durante os quais Martini pôs sua sabedoria de biblista a serviço de uma meditação e interiorização da Escritura, em uma revisitação original da clássica “Lectio divina”.
O resultado, como observa o cardeal Gianfranco Ravasi no prefácio, é que, “mais do que falar ‘da’ Bíblia, Martini fala ‘a’ Bíblia”.
O jornal Avvenire, 11-02-2018, reproduziu o texto da “lectio” de Martini sobre o milagre do cego de nascença (Jo 9, 1-41), proferida na prisão de Opera no dia 5 de janeiro de 1993. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Relendo o trecho evangélico de João, que narra a cura, por parte de Jesus, de um cego de nascença, queremos entender o que Deus quer dizer para cada um de nós.
Podemos facilmente imaginar o que significa ser cego. Há pessoas que estão se aproximando da cegueira e sofrem, têm medo de chegar à cegueira total. Lembro-me, a esse respeito, da carta de um de vocês (talvez ele não se encontre mais aqui) que me explicava precisamente a sua preocupação, porque via muito pouco e temia o pior.
Quem é cego é facilmente tomado por suspeitas: “O que está acontecendo ao meu redor, quem está aí, estou prestes a me ferir em um obstáculo, vou me machucar?”. Estando desprovida de todas as perspectivas, a pessoa afetada pela cegueira é como que prisioneira na própria cabeça.
A página do Evangelho nos fala, portanto, de um cego, de um cego que, porém, recupera a visão; e, para entendê-la em toda sua profundidade, começamos nos perguntando quem são os personagens do relato.
Os personagens principais são Jesus e o homem cego desde o nascimento. Mas, ao redor, há outros: os apóstolos, que interrogam Jesus; os pais do cego; pessoas que o conhecem e que, como veremos, têm medo de se declarar por ele; alguns fariseus que, em vez disso, pressionam o cego na tentativa de fazê-lo negar a verdade e, portanto, são seus inimigos, adversários.
A cena descrita remete àquilo que acontece conosco na vida. Em muitas circunstâncias, alegres ou dolorosas, devemos fazer as contas com alguém que encontramos, enquanto estão perto de nós, pelo menos idealmente, os nossos pais, os amigos, pessoas que nos compreendem e também pessoas que estão contra nós, que se opõem a nós.
O relato evangélico, portanto, representa um dos muitos episódios da nossa vida. [...]
Agora, gostaria de propor uma pergunta a vocês, que eu fiz acima de tudo a mim, ao me preparar sobre o texto: qual é a palavra mais importante desse trecho, aquela que pode ser colocada no centro de tudo? Deixando à reflexão de vocês que responda pessoalmente à interrogação, vou listar algumas possíveis respostas.
A palavra central poderia ser o versículo 7: foi, lavou-se, voltou enxergando. Mas o fato é que, na realidade, o relato não acaba, mas começa justamente a partir da cura do cego. Então, a palavra central talvez seja a profissão de fé no versículo 38: “Eu acredito, Senhor!”. Temos aqui um homem, fisicamente cego, que, depois de ter recuperado a visão, chega a ver com os olhos da fé e chega a acreditar. Portanto, não se trata apenas da cura física, mas da iluminação da mente, pela qual mudou também a vida moral, espiritual, humana do ex-cego. Ele se tornou outro homem, porque, agora que acredita, sabe aonde vai, sabe em quem confiar, sabe qual é seu destino.
O fato de ter se tornado vidente não lhe trouxera grandes vantagens: de fato, enquanto, como cego, podia pedir esmola, como vidente, não pode mais fazer isso, deve começar a trabalhar fora da sua comunidade e, portanto, perdeu algumas vantagens materiais. Por sua vez, o fato de ter adquirido a fé lhe abriu a vida, permitiu-lhe encontrar uma referência, descobrir o significado da existência e, assim, retomar coragem, vontade, gosto de agir, de operar.
Por outro lado, se considerarmos que a palavra central do trecho é a afirmação de fé do homem, negligenciamos todos os outros personagens do relato: os pais, os vizinhos, os inimigos.
Relendo atentamente o relato, percebemos, então, que há uma palavra ainda mais decisiva do que a proclamação de fé por parte do cego curado. É a palavra de Jesus no versículo 39, aliás, muito misteriosa: “Eu vim a este mundo para um julgamento, a fim de que os que não veem vejam, e os que veem se tornem cegos”.
Todo o episódio alcança a dramaticidade: na vida, isto é, na história, há um duplo caminho. Um caminho que leva da cegueira à fé, e um caminho contrário, que leva da pretensão de ver à cegueira, a negar a verdade e, assim, a negar o mundo, as realidades, os afetos, a existência, a se fechar voluntariamente no escuro. É o destino daqueles que não querem ver e entender.
Exorto-os a meditar novamente o relato de acordo com essas duas linhas. Por um lado, a linha ascendente: da escuridão a uma luz cada vez mais ampla (a história do cego). Por outro lado, a linha descendente: da luz – pessoas normais, inteligentes, que, como os fariseus, acreditavam ser sabe-se lá o quê – à cegueira, ao endurecimento do coração, até negar, por raiva ou vingança, a evidência, até a violência (expulsam o cego curado).
É provavelmente esse o significado mais profundo do trecho, que, não por acaso, descreve aquilo que acontece todos os dias: todos os dias, há pessoas que passam do não ver, de uma certa pobreza espiritual, humana, talvez de uma falha humana, de um erro, a ver; e há pessoas que, em vez disso, passam da presunção de ter tudo, de saber tudo à cegueira da violência.
Resumindo, a página evangélica contém uma dupla mensagem, um duplo ensinamento para nós: há para nós o caminho da cegueira à luz, que pode ser feito com a graça de Jesus; mas há também um caminho da luz à cegueira, que poderíamos fazer pela nossa negligência e maldade.
Queremos considerar mais atentamente o trecho de São João tentando responder à pergunta: por quais etapas passa o caminho da cegueira à luz? Expresso algumas delas, mas seria bom encontrá-las juntos.
A primeira etapa se chama obediência. Jesus toma o cego, coloca lama em seus olhos (uma coisa bastante estranha) e lhe diz: vá lavar-se. O homem, que poderia protestar (mas quem é você? Quem você acha que é? O que você tem a ver comigo?), tem confiança e obedece. Então, parte-se de um ato de confiança para com alguém que se considera capaz de fazer algo de bom, de um ato de confiança em uma pessoa boa. Esse ato de fé, de obediência, é o ponto de partida.
A segunda etapa se chama honestidade, sinceridade. De fato, quando o homem ouve dizerem que Jesus não era de Deus, mas um pecador, ele poderia responder por oportunismo: “Eu não sei quem ele é, não me interessa, basta-me ter recuperado a vista”. Ele poderia dizer, por indiferença ou por medo: “Talvez ele seja mau, não quero contradizer vocês”. Na realidade, ele faz um ato de grande coragem e proclama: “Para mim, ele é um profeta, e vocês podem dizer o que quiserem”. É um ato de honestidade intelectual, de sinceridade, muito importante.
A terceira etapa se chama vencer o medo do julgamento alheio. Lemos no versículo 28 que o homem foi insultado e depois lhe disseram: “Você é que é discípulo dele. Nós, porém, somos discípulos de Moisés”, e o expulsaram. Ele, portanto, tem a coragem de suportar alguns danos, algumas formas de perseguição pela própria fé.
A quarta etapa é a proclamação verdadeira e profunda da fé: “Eu acredito, Senhor!”.
Aquele que era cego chegou à plenitude da luz passando por quatro momentos: ter confiança em outro; ser honesto, coerente; não temer o julgamento negativo das pessoas, mas agir de acordo com as próprias convicções; por fim, a fé.
Pode ser útil ver brevemente os diversos momentos do caminho contrário, o descendente. No episódio evangélico, descobrimos uma categoria interessante de pessoas, os vizinhos: “Os vizinhos e os que costumavam ver o cego, pois ele era mendigo, perguntavam: ‘Não é ele que ficava sentado, pedindo esmola?’ Uns diziam: ‘É ele mesmo’. Outros, porém, diziam: ‘Não é ele não, mas parece com ele’. Ele, no entanto, dizia: ‘Sou eu mesmo’”.
Os vizinhos representam aqueles que veem, mas não querem ter problemas. Há muitas pessoas que se comportam assim: eu sei muito bem como estão as coisas, mas prefiro ficar de fora.
Depois, há a categoria dos parentes, que realmente não dão uma boa impressão, porque dizem: “Sim, ele estava cego e agora nos vê, e vocês constatam isso por si mesmos. Nós, no entanto, não temos nada a ver, não temos culpa disso”.
Os parentes são pessoas que veem e não veem, que estão sempre um pouco na névoa, não tendo a coragem de expressar uma opinião, querendo ficar tranquilos. Portanto, deixam estar, sem nunca se envolver, porque têm medo das consequências dos seus gestos.
Uma terceira categoria é a dos inimigos, dos adversários, que, desde o início, negam a evidência: “Não pode ser como você diz, porque o homem que teria curado você é um pecador. Ao contrário, você deve confirmar que nós temos razão”. E, como ele não cede, é expulsado.
Os inimigos são pessoas que nunca são demovidas por qualquer argumento e que, quando não têm mais argumentos, recorrem aos socos, à violência. É uma maneira de se tornar cego, rejeitando os fatos, recusando a fé a todo o custo. [...]
Guardei para o encerramento da nossa reflexão os cinco primeiros versículos do trecho, lá onde os apóstolos perguntam a Jesus: “Rabi, este homem é cego. Quem pecou, ele ou seus parentes?”. Supõe-se, portanto, que, se alguém tem uma desgraça, uma doença, significa que tem culpa e, por isso, é problema seu, deve se virar. Assim também se a culpa for dos pais. Hoje, nós diríamos: “É culpa da sociedade!”.
Mas Jesus responde: “Não tem importância saber quem pecou; mesmo que ninguém tivesse pecado, o que importa é a cura deste homem”. Muitas vezes, somos levados a ser sociólogos, ou seja, a encontrar todas as causas das coisas erradas do mundo, para concluir: “O erro não é meu, mas de outros, da sociedade”. Pode ser verdade, mas o importante é que se cumpram as obras de Deus, como diz Jesus, isto é, que os doentes se curem, que os cegos vejam, que os perdidos acreditem, que os desencorajados retomem a coragem, que os desesperados sejam consolados. O importante, em suma, é que nasça algum bem.
Como eu posso fazer nascer o bem mesmo a partir de situações erradas? Que bem eu posso semear em uma terra árida como a do nosso mundo? Porque, mesmo na terra mais árida, no deserto, pode-se semear flores. Peçamos, então, ao Senhor, uns pelos outros, que nos ajude a semear flores na nossa terra.
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As palavras de luz do cardeal Martini na escuridão da prisão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU