26 Janeiro 2018
Menos idealização significa mais reconhecimento da necessidade de perdoar e mais disposição para ver que Francisco, assim como eu, é uma obra em formação.
O comentário é de William Grimm, padre, radicado em ´Tóquio, editor de https://www.ucanews.com/ em artigo publicado por La Croix International, 25-01-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Um dos meus professores do seminário uma vez comentou que todo rapaz fica chocado quando percebe que sua mãe precisa usar desodorante. O argumento do professor era que todos temos ídolos, que são, apesar de nossa idealização, falíveis, e que é sempre um choque perceber isso.
Choques como esse chegaram àqueles de nós que tendem a idolatrar o Papa Francisco.
Em várias declarações e ações, o Papa demonstrou que simpatiza muito com os que foram abusados sexualmente por sacerdotes na infância. No entanto, também tem ficado cada vez mais claro há um bom tempo que ele se recusa a admitir ou agir a respeito do fato de que os verdadeiros vilões foram superiores religiosos e bispos que encobriram as ações de homens doentes. Eles não apenas protegeram predadores por diversas vezes, como transferiram-nos para novos campos de ação, onde poderiam ferir ainda mais jovens.
Por que Francisco, que luta contra o clericalismo que subjaz tantos pecados da comissão e da omissão dos líderes eclesiásticos, não foi mais sincero em sua resposta?
Uma razão pode ser porque na época em que ele próprio era bispo, na Argentina, ele foi culpado do mesmo tipo de encobrimento e permissividade.
Veio à tona recentemente o fato de que desde 1974 bispos estiveram ligados por um "segredo pontifício" que os obriga a manter casos de abuso em segredo. Apenas em 2010 é surgiram resoluções permitindo que bispos relatassem casos de abuso quando fosse exigido pela lei civil.
Em outras palavras, a fim de se protegerem de penalidades civis, em vez de protegerem as crianças, os bispos poderiam denunciar abuso. Aparentemente, na ausência de tais requisitos da lei civil, a regra de sigilo ainda se aplica. Isso vai além de ser uma licença para encobrir abuso e chega a constituir quase um mandato de que seja encoberto, fomentar, assim, ainda mais abusos.
Aprendi, com as irmãs que me ensinaram o catecismo quando eu era criança, que não se deve obedecer a um comando mau, não importa quem o emita. Parece que muitos bispos aprenderam um catecismo diferente. Talvez tenha sido uma das qualificações para se tornarem bispos.
Jorge Bergoglio tornou-se bispo em 1992 e arcebispo de Buenos Aires em 1998 e, possivelmente, cumpriu seus deveres episcopais regidos pelas restrições desse segredo. Como sacerdotes argentinos têm menos propensão a cometer abusos do que padres de outros países, provavelmente o Arcebispo Bergoglio sabia de tais casos e os manteve em segredo. Talvez tenha até mesmo acobertado os casos de abuso de forma ativa, transferindo clérigos abusadores.
Se for o caso, o fato de os bispos que, independentemente de seus sentimentos pessoais fizeram qualquer mal que tiveram que cometer, terem sua simpatia é compreensível, embora não justificável, por mais errada que possa ser essa avaliação.
De qualquer forma, em sua recente viagem ao Chile e ao Peru, o Papa foi além do que parecia pedir a simpatia equivocada aos colegas bispos.
Embora várias pessoas abusadas por um notório padre pedófilo chileno tenham acusado o bispo Juan Barros Madrid de encobrir as ações do padre, o Papa diz que ainda não viu "provas" que o convençam a agir. Ao menosprezar o testemunho das vítimas sem realmente conhecê-las e ouvi-las, Francisco deu um golpe em todas as vítimas de abuso que enfrentaram anos de descrença.
Isto não significa que o bispo Barros é culpado. Como qualquer outra pessoa, ele tem o direito de ser absolvido ou condenado com base em provas. Mas a recusa do Papa de considerar o testemunho das vítimas sem afirmar claramente o que ele consideraria provas dificulta qualquer possibilidade de resolver a situação.
O que faremos com isso, principalmente os que são fãs de Francisco?
Pessoas como o cardeal Sean O'Malley, que manifestou sua preocupação, têm mais acesso e influência do que nós com o Papa Francisco e podem negociar diretamente com ele.
Para o resto de nós, duas coisas são possíveis e necessárias.
A primeira é reconhecer que até o Papa precisa usar desodorante. Talvez nós idealizamos demais o homem, esquecendo que ele também é humano, assim como todos nós. Menos idealização significa mais reconhecimento da necessidade de perdoar e mais disposição para ver que Francisco, assim como eu, é uma obra em formação Ele precisa crescer, assim como eu, e quando oramos por ele na oração eucarística, devemos orar por seu crescimento.
A próxima coisa a fazer é romper com o hábito de idealizar as pessoas a quem admiramos. Para ser justo, devemos isso a eles, para que possamos lidar com eles como seres humanos falíveis. Eles sabem que são apenas pessoas.
Assim como as nossas mães.
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O Papa Francisco precisa de desodorante - Instituto Humanitas Unisinos - IHU