23 Janeiro 2018
“Caros bispos... é a nossa vez”. Temos de aprender a falar a linguagem dos outros. Assim como São Toríbio de Mogrovejo, arcebispo de Lima montado a cavalo entre os séculos XVI e XVII, exemplo de pastor andarilho. E entre essas linguagens que temos que aprender está essa “totalmente nova que é a digital, só para dar um exemplo”. É necessário “conhecer a linguagem atual dos nossos jovens, das nossas famílias, das crianças...” O Papa Francisco, falando aos bispos do Peru reunidos na capela do arcebispado de Lima, indica Toríbio como modelo, representado nas pinturas como um “novo Moisés”. “Esta bela imagem me dá margem para centrar nela a minha reflexão com vocês. São Toríbio, o homem que queria chegar à outra margem”.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 21-01-2018. A tradução é de André Langer.
“Ele queria chegar à outra margem – disse Bergoglio – em busca das pessoas que estão distantes e dispersas. Para isso, teve que deixar o conforto do paço episcopal e percorrer o território a ele confiado, em contínuas visitas pastorais, tentando chegar e estar onde necessitavam dele, e quanto necessitavam! Ele ia ao encontro de todos por caminhos que, nas palavras de seu secretário, eram mais para as cabras do que para pessoas. Ele teve que enfrentar os mais diversos climas e geografias; ‘de 22 anos de episcopado, passou 18 fora de sua cidade percorrendo três vezes o seu território’”.
“Ele sabia – prosseguiu o Papa – que esta era a única maneira de pastorear: estar perto, proporcionando ajuda divina, exortação que ele fazia continuamente aos seus sacerdotes. Mas ele não fez isso em palavras, mas com seu testemunho, estando ele mesmo na linha de frente da evangelização”.
“Hoje, nós o chamaríamos de bispo andarilho. Um bispo com as solas desgastadas de tanto andar, percorrer, sair para ‘anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, sem asco e sem medo’”.
Bergoglio explicou que Toríbio “queria alcançar a outra margem não só geográfica, mas cultural. Foi assim que ele promoveu a evangelização na língua nativa através de muitos meios”, fazendo traduzir catecismos para o quechua e o aimara e encorajando “o clero a estudar e conhecer o idioma dos seus para poder administrar-lhes os sacramentos de forma compreensível. Visitando e vivendo com o seu povo, ele percebeu que não bastava chegar apenas fisicamente, mas que era necessário aprender a falar a linguagem dos outros. Só assim, o Evangelho seria compreendido e poderia entrar no coração”.
“Como é urgente essa visão para nós, pastores do século XXI, que precisamos aprender uma linguagem totalmente nova, como é a digital, só para dar um exemplo! Conhecer a linguagem atual da nossa juventude, das nossas famílias, dos filhos... Além disso, como bem soube vê-lo São Toríbio, não basta chegar a um lugar e ocupar um território; é necessário poder despertar processos na vida das pessoas para que a fé crie raízes e seja significativa. E para isso temos que falar sua linguagem. É necessário chegar ali onde se gestam os novos relatos e paradigmas, atingir com a Palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma de nossas cidades e de nossos povos”.
Francisco enfatizou que para Toríbio “a evangelização não poderia dar-se sem a caridade”. Porque ele sabia que a forma mais sublime de evangelização era plasmar na própria vida a entrega de Jesus Cristo por amor a cada um dos homens. Os filhos de Deus e os filhos do demônio manifestam-se nisso: aquele que não pratica a justiça não é de Deus, nem tampouco aquele que não ama o seu irmão. Em suas visitas, ele pôde constatar os abusos e os excessos sofridos pelas populações originárias, e assim seu pulso não tremeu, em 1585, quando excomungou o corregedor de Cajatambo, enfrentando todo um sistema de corrupção e perpassado de interesses que “arrastavam a inimizade de muitos”, incluindo o vice-rei.
Um exemplo que nos mostra o pastor “que sabe que o bem espiritual nunca pode estar separado do justo bem material e, ainda mais, quando a integridade e a dignidade das pessoas são postas em risco. Profecia episcopal que não tem medo de denunciar os abusos e os excessos cometidos ao seu povo. E, deste modo, ele consegue recordar ao interno da sociedade e de suas comunidades que a caridade sempre deve estar acompanhada da justiça e não há uma evangelização autêntica que não anuncie e denuncie toda a falta contra a vida dos nossos irmãos, especialmente os mais vulneráveis”.
Toríbio defendeu a ordenação de sacerdotes nativos e estava muito próximo dos seus padres. Recordou aos seus sacerdotes que “eles eram pastores e não comerciantes e, portanto, teriam que cuidar e defender os índios como filhos. Mas não faz isso do ‘escritório’, e assim pode conhecer suas ovelhas e elas reconhecem em sua voz, a voz do Bom Pastor”. Finalmente, o santo arcebispo de Lima “promoveu de maneira admirável e profética a formação e integração de espaços de comunhão e participação entre os diferentes membros do Povo de Deus”.
“Não podemos negar as tensões, as diferenças – conclui o Papa referindo-se à realidade da Igreja peruana –, é impossível uma vida sem conflitos. Isso exige de nós, se somos homens e cristãos, enfrentá-los e assumi-los. Mas para assumi-los na unidade, no diálogo honesto e sincero, olhando-nos no rosto e cuidando para não cair em tentação ou de ignorar o que passou ou ficar prisioneiros e sem horizontes que ajudem a encontrar caminhos que sejam de unidade e de vida”. O convite é trabalhar “pela unidade” sem permanecer presos a divisões: “Não se esqueçam de que o que atraía na Igreja primitiva era como se amavam. Essa era, é e será a melhor evangelização”.
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Papa no Peru. “Queridos bispos, temos que aprender a linguagem digital” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU