É a irrupção do Outro que desmente a Totalidade

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12 Janeiro 2018

A ideia de infinito no passado era atribuída ao conjunto de atributos que as modernas teodiceias atribuíam a Deus como expressão de sua natureza. Emmanuel Levinas rompeu com essa visão em seu livro Totalidade e infinito (Edições 70-Brasil, 1980), atribuindo a essa ideia o significado de instrumento mediante o qual se submete ao escrutínio crítico a concepção ontológica do pensamento ocidental, e, portanto, as teodiceias que se referiam a ela. Opondo-a ao conceito de Totalidade, que coincide com a pretensão do ser de incluir em si toda a realidade e de exercer sobre ela o domínio absoluto - a tal pretensão devem ser ligados os totalitarismos ideológicos e os regimes totalitários - Lévinas considera o Infinito como um categoria a que corresponde uma ideia que está em nós, mas que não podemos totalmente conter; em outras palavras, aquilo que está na raiz e anima o desejo humano, que é o desejo pelo inesgotável; é apelo a uma absoluta transcendência.

O comentário é de de Giannino Piana, teólogo italiano, publicado por Corriere della Sera, 31-12-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

O Infinito constitui, portanto, um fator importante de relativização (que não significa necessariamente relativismo) de cada doutrina, mesmo teológica, em nome da crença de que a verdade nunca pode ser totalmente expressa por alguma formulação, a qual pode ter apenas o caráter de fonte para outras. Mas o aspecto mais significativo da concepção do Infinito presente na filosofia de Lévinas reside em ter evidenciado que a ruptura da Totalidade ocorre por força da irrupção do outro, cujo rosto, que é "revelação" original da alteridade dos Outros, destaca-se como uma exigência absoluta, como a instância de cuidar dele.

Esses traços de identidade do Infinito estão em perfeita harmonia com o rosto do Deus bíblico. Em um mundo povoado por ídolos, projeção exclusiva das necessidades humanas, Israel cultiva uma concepção diferente de Deus, cuja santidade é sinônimo de alteridade e misericórdia. Os conceitos hebraicos de criação e de aliança explicam claramente tal especificidade. Se o primeiro marca justamente a distinção entre o Criador e a realidade criada, o segundo evidencia a relação radical de proximidade e infinita distância que se instaura entre Javé e seu povo. O Deus do qual o homem tinha se afastado como resultado do pecado, volta a se aproximar; mas o Deus próximo não cessa de proclamar-se um Deus distante, outro, inacessível; um Deus que não deve ser representado nem chamado pelo nome (Êxodo 20: 4-7).

Em Jesus de Nazaré essa revelação de Deus, próximo e distante, presente e ausente, torna-se plenamente manifesta. O rebaixamento de Deus, que inicia no seu fazer-se "carne", assumindo a condição humana, culmina no mistério da cruz, em que ocorre uma inversão radical da imagem divina. O Filho de Deus - como lemos no hino da Carta aos Filipenses de São Paulo - "sendo ele de condição divina ... aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo ... e tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz"(2: 6-8). A kénosis (esvaziamento), a que é feita alusão nesta passagem, que é a manifestação da aniquilação e total impotência, paradoxalmente se torna a "figura" de como a ideia de Infinito pode tornar-se radicalmente encarnada; aqui de fato ocorre o pleno reconhecimento da alteridade e a plena adesão a ela. O Deus que morre na cruz é - como recordava Dietrich Bonhoeffer - o ser-totalmente-para-os-outros: em última análise é o Deus Amor.

Aplicada à realidade do mistério de Deus a categoria de Infinito constitui, assim, o antídoto contra as tentações do dogmatismo e do fundamentalismo. Ela, enquanto libera a imagem de Deus de qualquer forma de idolatria, solicita a fazer do encontro com o outro e da sua aceitação incondicional um imperativo moral absoluto e inevitável.

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