29 Novembro 2017
Human Flow, o documentário do artista chinês Ai Weiwei que abriu a 41ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, começou a ser idealizado em 2015 – pouco antes da detenção de Weiwei na China.
A crítica é de Bruno Carmelo, publicada por Crítica Cineweb, 07-11-2017.
De várias maneiras, o tema dos refugiados, que percorre a obra, é próximo do artista chinês – ele mesmo obrigado a emigrar para a Alemanha, depois que sua prisão na China o deixou temeroso de um desaparecimento forçado, privando seu filho Lao, de 8 anos, de sua presença. A preocupação desta possível orfandade, no caso, não é nada teórica, já que o próprio Weiwei teve de crescer sem o pai, o poeta Ai Qing (1910-1966), afastado da família por cerca de 20 anos, num campo de trabalhos forçados, por ser considerado dissidente e contrarrevolucionário, o que contribuiu para sua morte precoce.
A própria chegada de Weiwei em outubro ao Brasil sofreu atraso, já que funcionários da companhia norte-americana United Airlines, consideraram erroneamente que seu visto brasileiro não estava mais válido.
Nada disso parece abalar a tranquilidade do artista, de 60 anos, que visitou cerca de 40 campos, em 23 países, reunindo cerca de 900 horas de material cuja edição ainda não foi completada – apenas parte dele pode ser visto em Human Flow, que alinha situações recentes, como o deslocamento de sírios e africanos que desembarcam diariamente na Europa, como a situação crônica de exílio de outros sírios na Jordânia e de palestinos no Líbano, passando pelo Iraque, Afeganistão e até a fronteira entre o México e os EUA.
Numa concorrida coletiva de imprensa em São Paulo, em outubro, Weiwei destacou que sua razão para querer tratar deste tema foi sua “curiosidade de saber o que acontece no mundo, onde 65 milhões de pessoas estão deslocadas de suas casas”. Nesse processo, muito do que viu o chocou – especialmente o tratamento dispensado aos refugiados na Europa. “Não há muita ajuda para eles por lá”.
Situações como essa, além de uma onda conservadora que varre o mundo, o levam a ser cético, mas não totalmente desesperançoso. “Há pouca esperança para esses refugiados e as coisas vêm piorando em Mianmar e na África. Os políticos trabalham na direção oposta a uma solução, ainda mais neste momento de ascensão de uma extrema-direita. Por outro lado, se não tivermos tolerância e compaixão, não há futuro. Mesmo que eu não tenha muita esperança, acho que devo acreditar na humanidade. Os indivíduos precisam agir, porque políticos e instituições não se importam”.
Fiel a esse entendimento, o artista defende: “Como não se envolver? Você não pode ajudar a resolver a situação deles, mas às vezes pode cooperar de um ponto de vista individual, dando um sapato, proporcionando um banho de chuveiro. Um destes refugiados, que fala sete línguas, vem trabalhando há sete meses conosco, como tradutor. Mas o nosso principal trabalho é dar voz a quem não tem. Ao fazer isto, você já está envolvido”.
Falando de alguns refugiados que optaram por não mostrar seus rostos, o artista explicou que vários deles temem por suas famílias, que ficaram para trás em situações de risco em seus locais de origem. Mas, em geral, destacou, “eles estão acostumados a serem filmados”. Isso acontece porque, a seu ver, “eles não têm privacidade, ou mesmo identidade. Muitos nem mesmo se reconhecem como refugiados. Eles são como ‘ninguém’ e querem comunicar-se”.
Sempre muito ativo nas redes sociais, Weiwei entende que a indignação pelos problemas que afetam o mundo deve encontrar formas de sair delas para a realidade. “É preciso achar uma nova linguagem para produzir mudança social e é um duro caminho encontrá-la. As vozes que se expressam nas mídias sociais não passam de palavras. A mudança tem que ser feita através de ações”.
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Human flow - Não existe lar se não há para onde ir - Instituto Humanitas Unisinos - IHU