16 Outubro 2017
Na época em que Ed Miliband era criticado por arrastar o Partido Trabalhista demasiadamente à esquerda, marginais políticos à procura de um guia para os novos tempos eram muitas vezes encaminhados para um volume intitulado Variedades do Capitalismo.
A reportagem é de Toby Helm, publicada por The Observer e reproduzida por CartaCapital, 16-10-2017.
Muito manuseado pelo ex-líder trabalhista, essa inovadora coletânea de textos defende a tese de que o capitalismo anglo-americano, com sua ênfase para um Estado reduzido, impostos baixos e um mercado desregulamentado, não era a única maneira de conduzir uma sociedade capitalista. Na Alemanha, por exemplo, eles fizeram as coisas de modo diferente.
Foi apenas alguns anos atrás, mas parece muito mais. Enquanto os rugidos de uma tumultuosa e repleta conferência do Partido Trabalhista continuam soando nos ouvidos, os conservadores hoje se reúnem em Manchester em estado de alto nervosismo. Pois a pergunta “Que tipo de capitalismo?” parece ter sido substituída por uma opção muito mais rígida a ser dirigida aos eleitores: “Capitalismo ou socialismo?”.
Na conferência trabalhista, Jeremy Corbyn declarou que o capitalismo hoje enfrenta uma “crise de legitimidade”. Foi algo que os políticos vergonhosamente deixaram de enfrentar, mesmo depois que as falhas do sistema foram expostas tão claramente pela crise financeira global de 2008.
Em vez de criar mais prosperidade para todos, o compromisso com mercados absolutamente livres, a desregulamentação e o recuo do Estado haviam deixado uma enorme massa da população em empregos inseguros, com salários reais em declínio e sem moradias decentes, enquanto forrava os bolsos de uma elite pequena e cada vez mais rica.
“Está na hora de o governo assumir um papel mais ativo na reestruturação de nossa economia”, declarou Corbyn. “Está na hora de os conselhos administrativos se responsabilizarem por seus atos. E é hora de desenvolvermos um novo modelo de gestão econômica para substituir os dogmas fracassados do neoliberalismo. É por isso que os trabalhistas hoje procuram não apenas reparar os danos causados pela austeridade, mas transformar nossa economia com um papel novo e dinâmico do setor público, especialmente onde o setor privado evidentemente falhou.”
A indústria da água privatizada foi um exemplo em que os mercados livres falharam com os consumidores, segundo Corbyn.
“Das nove companhias de água da Inglaterra, seis hoje são propriedade de fundos de investimentos privados ou estrangeiros. Seus lucros são distribuídos em dividendos aos acionistas, enquanto a infraestrutura desmorona, as companhias pagam pouco ou nada em impostos e o pagamento aos executivos disparou enquanto o serviço se deteriora. É por isso que estamos comprometidos a restituir nossas empresas de serviços públicos ao setor público, para colocá-las a serviço de nossa população e nossa economia e impedir que o público seja lesado.”
O debate sobre se o capitalismo de livre-mercado é de modo geral para o bem de todos é algo que a maioria do establishment político acreditava ter resolvido além de qualquer dúvida, até muito recentemente.
Desde Margaret Thatcher e durante os mandatos de John Major, Tony Blair, Gordon Brown e David Cameron, a tese a favor do livre-mercado, a ideia de ampliar a concorrência nos serviços públicos, a desregulamentação e a redução dos impostos das empresas eram amplamente incontestes até alguns anos atrás.
Desde então, porém, Corbyn não foi o único a levantar dúvidas. Seu antecessor, Miliband, quis intervir no mercado para conter os preços da energia porque acreditava que os consumidores estavam sendo enganados. Ele estava preparado para contra-atacar e contestar o pensamento aceito.
No referendo sobre a União Europeia em junho passado, um eleitorado que muitos políticos sentiam estar nervoso, parecendo desiludido, usou o voto sobre a participação na UE para pedir mudanças.
Quando entrou em Downing Street em julho, Theresa May parecia sensível à mudança de clima e prometeu governar para os que se sentiam ignorados e esquecidos – uma aceitação tácita de que elementos do sistema estavam abandonando os mais pobres da sociedade.
O manifesto conservador na eleição geral em junho deste ano dizia que “nós (os Tories) não acreditamos nos mercados livres desenfreados” e declarava que a regulamentação era “necessária para a organização adequada de qualquer economia”.
Depois do discurso de Corbyn na quarta-feira 27, Theresa May, claramente em pânico com o apelo do líder trabalhista entre os jovens eleitores e evidências de que muitas políticas dele – incluindo a renacionalização das ferrovias e outros serviços – têm amplo apoio, fez um discurso próprio. Embora ela tivesse levantado algumas dúvidas anteriormente, achou necessário reafirmar o compromisso de seu partido com o livre-mercado.
Em uma conferência para comemorar o 20º aniversário da independência do Banco da Inglaterra, May disse que o capitalismo “é inquestionavelmente o melhor e de fato o único meio sustentável de aumentar os padrões de vida de todos em um país. E nunca devemos esquecer que aumentar os padrões de vida e proteger os empregos dos trabalhadores comuns é o objetivo central de toda política econômica”.
O fato de um primeiro-ministro conservador ter achado necessário fazer tal declaração mostrou uma coisa acima de tudo: que os conservadores agora se sentem em grande perigo diante de um líder trabalhista que afirma que sua rejeição ao capitalismo contemporâneo não é antiquada, mas moderna e a nova corrente dominante.
Segundo Marc Stears, diretor da New Economics Foundation, sistema capitalista que conhecemos é dominado por enormes e inimputáveis bancos e corporações globais. Há séculos, o apelo do capitalismo repousou em sua promessa de controle.
Diferentemente das sociedades do passado, diz, no capitalismo ninguém está preso a uma categoria ao nascer. Ao contrário, fazemos nossas próprias opções – o quanto trabalhar, em que trabalhar, como equilibrar nossa vida profissional com a vida privada – e moldamos nosso futuro.
O problema do capitalismo é que ele não se parece mais com isso. O sistema capitalista que conhecemos é dominado por enormes, inimputáveis bancos e corporações globais. Acrescente-se uma desigualdade de riqueza cada vez maior, e a sugestão de que o capitalismo nos empodera, em vez de nos escravizar, torna-se uma piada sem graça.
Portanto, o capitalismo está, sim, em uma encruzilhada, destaca Stears. Seus defensores devem encontrar um argumento totalmente novo para defendê-lo ou elucidar o que há no sistema que precisa mudar para que a promessa de controle real seja cumprida.
“Quando alguém refletir adequadamente sobre essa opção, acredito que perceberá que uma economia que dê às pessoas a sensação de que elas realmente importam no mundo ainda é a ambição correta. Mas ela também perceberá que construir essa economia exige uma ação radical e abrangente. Tal ação deveria começar pela limitação do poder de inúmeros interesses escusos, de bancos a companhias tecnológicas, reforçando a posição dos que trabalham para criar a riqueza, e a proteção de nosso meio ambiente cada vez mais frágil. Isso pode ser feito – o capitalismo já se adaptou antes –, mas o tempo está se esgotando”, adverte Stears.
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O capitalismo no limite? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU