13 Outubro 2017
O caminho do ensino da justiça social da Igreja Católica normalmente atravessa lugares como instituições de caridade e centros de refugiados e frequentemente se estabelece entre os pobres e marginalizados da sociedade, longe dos centros de comércio e poder. Mas uma versão de luxo desse ensino começou a ser construída recentemente, durante uma conferência de três dias na Universidade Católica da América.
A reportagem é de Tom Roberts, publicada por National Catholic Reporter, 11-10-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A palestra tratou de dinheiro - bom dinheiro - por meio de "Good Profit", o tema do encontro que aconteceu de 4 a 6 de outubro e foi co-patrocinado pela Busch School of Business and Economics (Faculdade de Economia e Administração) da universidade e pelo Instituto Napa, cujo presidente e co-fundador, Timothy Busch, dá nome à faculdade. Mais de 500 pessoas participaram do evento.
Seu ponto alto ocorreu no segundo dia, com a rara aparição pública de Charles Koch, importante patrocinador da faculdade e libertário aberto, que desenvolveu uma filosofia de negócios com marca registrada chamada Gerenciamento Baseado no Mercado. Ele também escreveu dois livros, um dos quais, Good Profit: How Creating Value for Others Built One of the World's Most Successful Companies, gerou o tema e o foco do encontro.
A universidade recebeu várias críticas por aceitar o dinheiro da Fundação Charles Koch. Nos últimos anos, a faculdade recebeu um total de US$ 47 milhões em doações, incluindo US$ 15 milhões da família Busch e US$ 10 milhões da Fundação Charles Koch. O restante veio de outros quatro doadores.
Os irmãos Koch, que doaram grandes somas às artes e aos museus, também financiam maciçamente causas políticas conservadoras, candidatos do movimento Tea Party e organizações que promovem a ideologia libertária. Embora seja difícil posicioná-los ideologicamente em relação a uma série de questões, eles são extremamente conservadores em questões de economia e mercado. O irmão de Charles, David, confirmou, em uma entrevista de 2014 a Barbara Walters, que apoia os direitos dos homossexuais e o direito de escolha da mulher, opiniões das quais seu irmão Charles "aparentemente compartilha", segundo o autor Daniel Schulman, que escreveu uma biografia dos Koch.
Mas o público predominantemente conservador que participou da conferência Good Profit não parecia preocupado com política e questões polêmicas. A discussão centrou-se principalmente na nobreza de criar lucro para beneficiar os indivíduos e a sociedade, proporcionando aos trabalhadores um propósito e um "empreendedorismo de princípios". Questões como a pobreza, a desigualdade econômica, a proteção ao consumidor e os direitos dos trabalhadores ou o que pode ser feito a respeito do empreendedorismo sem princípios dificilmente ocupam as discussões focadas em manter as prerrogativas empresariais livres do controle estatal.
Mas a questão do porquê a Universidade Católica organizaria uma conferência como esta foi a primeira a surgir na apresentação de abertura de Andreas Widmer, personalidade conhecida no meio administrativo da direita católica e co-fundador e diretor do Art & Carlyse Ciocca Center for Principled Entrepreneurship na faculdade Busch.
"E aí você se pergunta: 'o que uma boa universidade católica como a nossa está fazendo discutindo o lucro? Será que nós acabamos passando do caminho estreito do discipulado para o amplo caminho do evangelho da prosperidade?'", disse Andreas Widmer.
"Nós, cristãos, sofremos suspeitas de lucro ao natural", afirmou. "Talvez por uma associação com o interesse próprio. Os discípulos são chamados a seguir o Mestre no caminho da doação e do sacrifício para os outros. E sabemos que não podemos servir a Deus e a Mamon ao mesmo tempo. "E aí você se pergunta: 'o que uma boa universidade católica como a nossa está fazendo discutindo lucro? Será que nós acabamos passando do caminho estreito do discipulado para o amplo caminho do evangelho da prosperidade?' "
Sua breve resposta foi: "Não, não passamos", mas o que se seguiu não foi uma explicação dessa resposta, mas um pouco de antropologia com um quê filosófico e uma exegese que vê Deus, por virtude do ato de criação, como um trabalhador. "O domínio [dos seres humanos] sobre a natureza e o poder de prosperar e se multiplicar precedeu A Queda do Homem", disse," o trabalho não é um castigo, mas um chamado à perfeição e uma oportunidade de participar da criatividade do próprio Deus".
A administração, observou, é uma forma de trabalho. "Somos chamados a criar algo do nada, digamos, para criar bens e serviços de valor com base em uma ideia que surge na mente e realiza-se na imaginação" e em colaboração com os outros. O lucro não é apenas o acúmulo de riqueza, mas "inclui muitas dimensões do florescimento humano".
Em seu otimismo em relação ao livre mercado, supunha-se, na conferência em geral, que haveria mais riqueza e mais coisas boas para a maioria das pessoas apenas se as empresas fossem livres de qualquer regulamentação e interferência do governo nacional e internacional.
Shanker Singham, que vive no Reino Unido e é líder da Comissão de Comércio Especial do Instituto Legatum e do trabalho do instituto sobre a "economia da prosperidade", disse que os sucessos do sistema de mercado eram equivalentes a quanto promoveu o livre comércio e a proteção do direito à propriedade privada. Seu fracasso foi visto em qualquer aceitação de "troca de favores" através do recebimento de subsídios governamentais ou de "sistemas regulatórios governamentais".
Ainda declarou que não gosta do termo "capitalismo", que "não é ao que nos referimos. Referimo-nos ao intercâmbio voluntário, sem distorção", uma palavra que usou para descrever quaisquer interferências estatais.
No segundo dia, a participação do cardeal Peter Turkson, nomeado primeiro prefeito do novo Dicastério do Vaticano para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, apontou para o outro lado dessa visão idealista de um mercado livre e desenfreado. Sua apresentação, que precedeu a de Koch, ligava-se fortemente a preocupações com os trabalhadores e advertências sobre os excessos e perigos do mercado.
O cardeal começou com um "preâmbulo" que partiu do ensino papal sobre temas de justiça social a partir da encíclica seminal de 1891 do Papa Leão XIII, Rerum Novarum, que avaliou as condições de trabalhadores pobres em países cada vez mais industrializados. Segundo ele, uma importante medida para o lucro, de acordo com para o Papa Leão XIII "não era sua quantidade, mas a qualidade".
Pio XI, cujo papado foi da década de 30 ao período da Grande Depressão, "advertiu contra os males da ditadura econômica e de uma economia de mercado totalmente desregulada", afirmou. O Papa Pio também "atentou ao que mais tarde seria conhecido como o conceito de salário justo".
O Papa Paulo VI, em sua encíclica Populorum Progressio, de 1967, escreveu que "é lamentável que, nas novas condições da sociedade, tenha sido construído um sistema que considere o lucro o principal motivo de progresso econômico, a concorrência como a lei suprema da economia e a propriedade privada dos meios de produção como um direito absoluto sem limites e sem qualquer obrigação social correspondente". As novas condições, segundo ele, produziram "o imperialismo internacional do dinheiro".
Vinte anos depois, em sua encíclica Sollicitudo Rei Socialis, o Papa João Paulo II levantou a questão de "o desejo por lucro e a sede de poder" terem impedido o desenvolvimento social, disse Turkson. "O Papa João Paulo II acreditava que, num mundo diferente, governado pela preocupação com o bem comum de toda a humanidade ou com a preocupação com o desenvolvimento espiritual e humano de todos, em vez da busca por lucro individual, a paz seria possível, resultando da justiça mais perfeita entre as pessoas", declarou.
O Papa Bento XVI, segundo ele, "sugere a necessidade de criar espaço no mercado para a atividade econômica realizada por sujeitos que optam por agir integralmente de acordo com outros princípios que não os do lucro puro, sem sacrificar a produção de valor econômico no processo".
Por fim, observou que o Papa Francisco adverte contra a idolatria do dinheiro e do sistema econômico existente, "dizendo que tal sistema tende a devorar tudo o que se interpõe à busca por mais lucro". No seu caminho, tudo o que "é frágil - como o meio ambiente ou os pobres, torna-se indefeso diante dos interesses de um mercado deificado, que se torna a única regra".
O bom lucro, acrescentou Turkson, soma-se a pessoas boas em boas empresas produzindo bens de qualidade e serviços para o bem comum. Segundo ele, encontrou empresários que "sabem muito bem que, como bons guardiões do mundo, devem fazer um esforço a mais para reverter erros do passado, apoiando empresas sustentáveis que possam restaurar o equilíbrio da natureza e deixar o mundo em melhores condições do que encontraram".
"Temos que discernir e reconciliar", disse Busch, cujas observações conectaram a participação de Turkson, sua quarta nas reuniões do Instituto Napa, e a de Koch. "Temos que ouvir ambos os lados", disse Busch, reconhecendo a tensão entre a apresentação de Turkson e muitas das demais.
Koch, de 81 anos, lidera a Koch Industries, com sede em Wichita, desde 1967 até agora, quando é a segunda maior empresa privada dos Estados Unidos.
Seu valor pessoal é contabilizado em mais de US$ 47 bilhões. Entrevistado por Widmer no palco, ele disse que se inspirou "na filosofia de que a quem muito foi dado, muito se exige". Ele afirma ter crescido "com todas as vantagens. Quando criança, nem sempre tive esse posicionamento."
Mas, quando abriu seus negócios, esse sentido de privilégio tornou-se um profundo sentimento de obrigação. "Recebi tudo isso e as pessoas aguentaram muito lidando comigo quando estava crescendo, porque desafiava tudo. Queria fazer as coisas diferente.
Queria ser diferente. Então, senti uma verdadeira obrigação de contribuir, de fazer a diferença, e sabia que não era inteligente o bastante para descobrir como fazer isso sozinho."
Criar valor para ajudar os outros é o princípio central do programa de Koch, mas não advém de mero altruísmo, mas da falta de interesse próprio.
Ele foi inteligente o suficiente para conseguir uma graduação e dois títulos de engenharia pelo MIT antes de assumir os negócios da família. Ele diz ter internalizado "a ideia de Newton: 'Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes'", e fui procurar os gigantes nas áreas de progresso científico e social. Começou a estudar tudo o que considerava relevante, em várias disciplinas. Segundo ele, descobriu princípios e começou a aplicá-los em todas as áreas de sua vida - negócios, família, comunidade e atividades de caridade.
Percebeu que as pessoas comuns, que haviam conseguido algum progresso ao longo de milênios, começaram a encontrar novas oportunidades em diferentes partes do mundo, começando em meados do século XVIII à medida que "o cidadão comum passou a ter igualdade nos termos da lei e da dignidade social".
As ideias do economista Joseph Alois Schumpeter sobre a "destruição criativa" ensinaram-lhe que um negócio não podia permanecer estático, que um concorrente sempre estaria descobrindo inovações para melhorar produtos e processos. E concluiu: "Quando continuamos fazendo tudo do mesmo jeito, não importa o quão bem as estejamos fazendo, ficamos obsoletos em poucos anos".
As convicções que Koch estava reunindo e sua consideração pela pesquisa científica o levaram a instituir, dentre os passos em seu programa de gestão, um "processo de desafio" no qual os funcionários deveriam falar se achassem que tinham uma ideia melhor ou vissem falhas na forma como as coisas eram feitas. Em suas empresas, dizia, em todos os níveis de liderança, "se as pessoas não o desafiam, você não é um bom líder, e se você é funcionário, tem uma ideia melhor ou vê uma falha no que é feito e não desafia, você não está fazendo seu trabalho".
A respeito de que conselho daria aos alunos da faculdade de administração que participaram das palestras, afirmou: "Descubram quais são suas habilidades inatas que lhe permitirão criar mais valor e tornem-as habilidades que os outros valorizarão; depois, usem para ajudar a melhorar a vida de outras pessoas".
Criar valor para ajudar os outros é o princípio central do programa de Koch, mas não advém de mero altruísmo, mas da falta de interesse próprio. Como observa em seu livro: "Adam Smith foi quem melhor explicou isso: "Ao perseguir seu próprio interesse (o indivíduo) frequentemente promove o da sociedade de forma mais eficaz do que quando ele realmente pretende promovê-lo". "Mesmo quando Koch fala sobre criar valor para os outros, ele coloca que não é por autossacrifício, mas pelos benefícios que lhe serão atribuídos ao ajudar o outro.
Ele acredita, no entanto, que, se um número suficiente de empresas incorporasse o interesse próprio que procura criar valor para os outros, o resultado poderia ser uma transformação da sociedade.
O Padre Jesuíta Robert Spitzer, co-fundador e agora presidente do Instituto Napa, acrescentando à palestra de Koch, elogiou a humildade do titã do mundo dos negócios e concordou com Busch: "É um católico que não saiu do armário".
Turkson e Koch foram muito aplaudidos e receberam uma placa: Turkson recebeu o prêmio anual Tomás de Aquino do Instituto Napa, e Koch recebeu o primeiro prêmio Virtue in the Marketplace (Virtude no Mercado) do instituto, que, segundo Busch, a partir de agora será um prêmio anual em homenagem a Koch. Eles também receberam uma garrafa de vinho da Trinitas Cellars, a luxuosa vinícola de Busch. O prêmio foi concedido a Koch "em reconhecimento ao exemplo de virtude no trabalho e pela promoção da dignidade do trabalhador em palavras e ações, incorporando os ensinamentos da encíclica Laborum Exercens, de São João Paulo II".
Em suas afirmações inicias e ao apresentar Koch, Busch deixou claro que suas ambições pessoais e as ambições do Instituto Napa iam muito além de patrocinar seminários e conferências. Não se trata apenas de envolvimento católico de ponta (o valor da conferência era US$ 2.500, com desconto para padres e freiras), mas também é um catolicismo de alto risco. E Busch não se esquiva de afirmações abrangentes.
"Estamos em um ambiente muito hostil, como sabemos, enquanto fé, e infelizmente tudo começa a cerca de 10 minutos deste edifício, na capital dos EUA", disse, logo no início. "Nós temos um governo que é muito hostil ao ensino católico, principalmente em questões sociais", declarou, "e não podemos permitir que isso mude a nossa vida nem o nosso estilo de vida, e acabe modificando o país inteiro; precisamos voltar aos princípios sobre os quais foi fundado, os princípios cristãos." Ele classificou a Universidade Católica como "parceiro permanente" na causa.
Ao apresentar Koch, a quem descreveu como uma inspiração, Busch disse que a doação de "quase US$ 50 milhões" que ele e Koch ajudaram a conseguir "deu nova energia à Universidade Católica da América". Tornamos a universidade grande de novo.
Somos a Universidade Católica da América e demos educação a metade dos bispos do país.
"Podemos ser o púlpito do ensino para a Igreja estadunidense, mas também o púlpito do ensino para o Vaticano e para a Igreja global", disse, sem distinguir se estava se referindo ao Instituto Napa, à universidade ou a ambos. "Podemos ser isso. E seremos avançando, principalmente nas questões e nos temas sobre negócios."
Para além da universidade e do instituto, declarou que "[Koch] está aqui hoje porque ele fala sobre retornar aos princípios fundamentais, aos princípios dos fundadores. Ele sente que saímos dos trilhos e eu meio que passei a chamá-lo de refundador dos Estados Unidos."
"Dificilmente uma república duraria mais de 200 anos... e não seria reconstituída", disse Busch. "Ainda estamos aqui, mas estamos em um ponto de virada. Acho que seus princípios, muito além do que imagina, nos guiarão para refundar nosso país e transformá-lo no que nos tornou a maior nação da história do mundo", afirmou, referindo-se a Koch. "Continuaremos sendo a maior nação da história do mundo."
Declarou, ainda, que Koch apresentou um desafio ao público com a ideia de que "devemos fazer o bem", nos afastando da "troca de favores, da alta regulação, da escravização. Devemos fazer o bem para toda a humanidade", concluiu, "senão, a misericórdia de Deus não se derramará sobre nós. A misericórdia de Deus não derrama sobre nós."
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Koch e Turkson falam na conferência "Good Profit" da Universidade Católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU