22 Setembro 2017
Corrupção, vinganças, escândalos financeiros, abusos sexuais. Parece uma enorme teia em Guam, a maior das ilhas do arquipélago das Marianas, no Oceano Pacífico continental, que chamou a atenção dos meios de comunicação internacional pelas ameaças do líder norte-coreano, Kim Jong-un, em bombardear as bases militares estadunidenses que se encontram na ilha. Uma preocupação a mais para os moradores de Guam, profundamente preocupados com os escândalos na Arquidiocese de Aganha, que provocaram a estagnação de uma Igreja que se distinguia, no panorama do Pacífico, pela vivacidade de seus fiéis (ao redor de 85%, entre os 160.000 habitantes). Um dado relevante em uma região do mundo na qual progressivamente está desaparecendo o rastro do catolicismo.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 20-09-2017. A tradução é do Cepat.
Nestes dias, chegará a sentença do processo canônico contra o arcebispo Anthony Apuron, de 72 anos e da ordem dos frades menores capuchinhos, que pediu o afastamento de qualquer função, após ter sido acusado de ter abusado sexualmente de menores, quando era um sacerdote, há mais de 40 anos. Mas, o que poderia parecer o enésimo e tristíssimo caso de um sacerdote pedófilo, visto de perto assume traços muito mais complexos, pois entram em jogo rivalidades, elucubrações, jogos de poder, verdadeiros ou supostos escândalos de natureza sexual, campanhas midiáticas... E tudo isso em um território de pequenas dimensões, no qual a maior parte da população tem laços de parentesco. Uma terrível história muito mais obscura do que até agora se revelou. Por isso, Vatican Insider buscou reconstruir seus detalhes, mediante as declarações de testemunhas locais, gravações e dados de documentos que foi possível consultar.
Tudo começou em 2002, quando um grupo de empresários chineses se interessou pelo Hotel Accion, em Yona, uma estrutura japonesa construída dois anos antes e que acabou falindo. Conta com 20 hectares de terreno às margens do mar. Quando esta estrutura turística foi inaugurada, ficou estimada no valor de 60 a 80 milhões de dólares. David Lujan, advogado que se encarregou das negociações, ofereceu 5% para comprá-lo. A ideia era transformar o hotel em um grande cassino, projeto que faz parte de uma grande estratégia que pretende tornar a ilha de Guam na “Las Vegas do Pacífico” para todos os jogadores da China, Rússia, Japão e Coreia. Um projeto ambicioso no qual se envolveu, inclusive, Mark Anthony Brown, que foi CEO de Trump Hotels & Casinos Inc, que teria levado milhões de dólares, além de delinquência, prostituição e droga, segundo afirmou o arcebispo Apuron, que sempre se opôs à iniciativa, porque “não traz dinheiro, mas, ao contrário, miséria moral”.
Os donos japoneses do hotel rejeitaram a oferta de Lujan. Dom Apuron, seguindo o conselho de alguns de seus colaboradores, ofereceu 2 milhões de dólares (provenientes de doações) para transformar o hotel falido em um seminário Redemptoris Mater, cujas vocações e formadores viriam do Caminho Neocatecumenal, realidade eclesial muito forte em Guam, desde 1996, e que conta com o apoio do próprio Apuron. A esperança do arcebispo era a de oferecer um ponto de referência para a formação dos futuros jovens sacerdotes para toda a região do Pacífico, diante da crise de ordens religiosas tradicionalmente presentes nas diferentes ilhas e do aumento dos mórmons e Testemunhas de Jeová que investem muitos recursos, inclusive econômicos, para atrair fiéis.
A oferta de dom Apuron foi aceita. Após ter estipulado um contrato que estabelecia a restrição para usar o edifício como um seminário, a nova estrutura do Redemptoris Mater foi inaugurada em 2004. Ali nasceu, um ano mais tarde, o Instituto Teológico Beato Luis de San Vitores SJ, subscrito por 31 bispos do Pacífico e afiliado à ala Pontifícia Lateranense por vontade do então reitor Rino Fisichella e do decano da Faculdade de Teologia, Ignazio Sanna. O nascimento do Instituto, que conta com uma biblioteca de mais de 30.000 volumes, foi recebido com entusiasmo por muitos sacerdotes australianos, filipinos e estadunidenses, que durante os anos seguintes puderam visitá-lo. No Seminário de Guam estudavam 40 seminaristas do mundo todo. Dezessete deles chegaram ao sacerdócio e foram enviados em missão pela ilha à Saipan, China, e aos Estados Unidos. Contudo, agora, tanto o Instituto como o Seminário estão para fechar, segundo a decisão do novo administrador apostólico da diocese, o arcebispo coadjutor Michael Jude Byrnes.
Antes de chegar às decisões destes últimos meses, é preciso retroceder um passo para recordar o nome do influente monsenhor James Benavente, conhecido em Aganha por seu triplo papel como reitor da catedral, administrador do cemitério e diretor da Escola católica Saint Thomas. Benavente, que tem uma sólida amizade com o cardeal filipino Luis Antonio Tagle, foi criticado duramente (e houve contra ele muitos rumores) por certas atitudes que adotou e, principalmente, pelo luxo no qual gosta de viver, entre automóveis, casas (três compradas para si mesmo e todo um complexo para sua família), voos em primeira classe, restaurantes e festas. Entre as atas da arquidiocese que Vatican Insider conseguiu consultar, estão presentes recibos e notas que vão de 9.000 a 17.000 dólares por gastos em hotéis de cinco estrelas, como o Saipan World Centre ou o Makati Shangri-La de Manila.
Benavente também é o encarregado do Conselho financeiro da Arquidiocese de Aganha, que em 2002 foi atingida por um desastroso ciclone que provocou danos em milhões de dólares. O arcebispo Apuron se colocou a trabalhar e, antes, conseguiu sanar ou ao menos reduzir todas as dívidas provocadas pelas calamidades, em 8 anos. Mas, no balancete há algo que não se encaixa. Registram-se, efetivamente, várias lacunas financeiras em três setores da arquidiocese: a catedral, o cemitério e a Escola católica Saint Thomas. Fala-se de números em vermelho ao redor de 7,5 milhões, segundo um relatório do próprio Conselho financeiro da Arquidiocese de Aganha.
Em 2011, o problema chega à Congregação para a Evangelização dos Povos, em cujos territórios de competência está Guam. O cardeal Prefeito, Fernando Filoni, pediu uma auditoria para esclarecer o necessário, mas a iniciativa não chegou a bom termo: há, de fato, “carências contábeis significativas” nas contas das entidades administradas por monsenhor Benavente e fica difícil identificar os gastos e as entradas.
O arcebispo Apuron reuniu, então, os seis membros do Conselho, pedindo explicações e propostas para chegar a uma solução. A proposta de Benavente (“afilhado”, além do mais, do advogado David Lujan) foi a de vender o Redemptoris Mater para arrumar as lacunas econômicas e evitar um escândalo público. “Terão que passar sobre meu cadáver”, respondeu o arcebispo, dando por encerrada a discussão. Mas, apesar das recomendações do encarregado da diocese, os membros do organismo se movimentaram para levar o negócio adiante.
Apuron decidiu reformar ex nuovo o Conselho e retirar membros dele, como Richard Untalan (cuja presença na equipe foi pedida expressamente por Benavente), um advogado expulso da ordem dos advogados, em finais dos anos 1980, por “depravação moral”, após uma condenação da Corte de Apelação de Washington D.C. por “facilitação criminosa de um crime de segundo grau: furto por engano”. Um dos colaboradores de Apuron, presente na época dos fatos e testemunha direto, disse que o arcebispo, seu vigário geral e seu chanceler receberam ameaças por esta decisão por parte de monsenhor Benavente, que recordou, além disso, que tinha importantes relações de amizade com o FBI e personalidades poderosas de Roma.
E chega o ano de 2012, quando se criou um blog chamado Jungle Watch para atacar ao arcebispo Apuron e ao Caminho Neocatecumenal, acusado de ter manipulado o religioso e de ter “colonizado”, inteiramente, a diocese de Aganha. A plataforma na internet é administrada por Tim Rohr, agente imobiliário que trabalha para monsenhor Benavente e envolvido no negócio da venda do Seminário. Com o tempo, as críticas no blog ganham mais agressividade. Apuron pediu, então, ajuda à Congregação Propaganda Fide, que por sua vez encarregou a sociedade de revisão independente Deloitte & Touche que redigisse um relatório sobre as desastrosas finanças da Igreja de Guam. Novamente, foi praticamente impossível concluir a auditoria, segundo aponta um documento da Deloitte & Touche, do dia 8 de janeiro de 2014, no qual se declara a impossibilidade de chegar a “resultados satisfatórios”, segundo os documentos analisados. Alguns deles, inclusive, desapareceram. Segundo os depoimentos que Vatican Insider pôde reunir, a documentação sobre a administração de Benavente teria sido destruída para apagar as rastros.
Contudo, a advogada civil Jacque Terlaje, ex-secretária do Conselho Financeiro dos Cemitérios Católicos de Guam, revelou ao Vatican Insider outros detalhes: “Como membro oficial de uma sociedade sem fins lucrativos, vi muitíssimos abusos de fundos do Cemitério que provocaram graves injustiças entre os defuntos e suas famílias”, explicou. “Por exemplo, nos fundos não existia nenhum perpetual care, responsabilidade em longo prazo para financiar o cuidado dos depósitos vendidos. Durante a mudança de administração, descobriu-se que houve apropriações indevidas e roubos que foram verificados dentro dos Cemitérios Católicos. Por exemplo, a doação não autorizada de 380.000 dólares em terrenos dos cemitérios a famílias e amigos de monsenhor James Benavente. Um deles voltou para reembolsar o importe recebido. Benavente também utilizou 13.000 dólares dos fundos da entidade para pagar as comemorações de seu 20º aniversário de sacerdócio, em julho de 2014”.
E não só: “Na revisão dos financiamentos, em um período que vai de 2009 a 2014 – destacou a advogada –, houve a emissão de um cartão de crédito em nome do Conselho dos Cemitérios, mas para uso exclusivo de monsenhor Benavente, utilizado em alimentos de luxo, voos em primeira classe, estadias em hotéis de cinco estrelas. Outro gasto a mais, de 23.000 dólares, foi rastreado em outro cartão de crédito, utilizando os fundos do Cemitério. Em um período de 5 anos, Benavente depositou para si mesmo somas que chegam a 326.913,61 dólares, misturando e transferindo fundos entre os Cemitérios e a Basílica Doce Nome de Maria (entidades das quais era o administrador, ndr.), sem respeitar as restrições; no sentido de que os fundos dos Cemitérios são utilizados para pagar os salários dos empregados da Catedral ou para pagar empréstimos da Basílica ou, pior, para reembolsar pagamentos pessoais de cartões de crédito. Isto foi o que não permitiu que a Deloitte & Touche concluísse a auditoria”.
As acusações da advogada (expulsa do Conselho financeiro e vítima de ameaças e denúncias) foram publicadas pelo sítio da Arquidiocese www.aganaarch.org (atualmente, a página foi apagada). Em seguida, Benavente foi suspenso de todos os seus cargos e o arcebispo Apuron formou um novo conselho para a gestão dos fundos da Catedral e do Cemitério. A Escola Saint Thomas, enquanto isso, quebrou.
Para evitar que se exacerbassem as tensões, interveio novamente o cardeal Fernando Filoni, em janeiro de 2015, enviando em “visita de informação” o secretário do dicastério, o arcebispo salesiano Savio Hon Tai-Fai, natural de Hong Kong. O religioso permaneceu 15 dias na ilha. Durante essas duas semanas, realizou várias mudanças na Igreja local e, por iniciativa própria, realizou interrogatórios com a colaboração do administrador apostólico do Pacífico, o núncio Martin Krebs, alemão de Essen. Enquanto continuavam as ameaças contra dom Apuron, o diácono Steven Martínez, membro do Conselho financeiro, criou, com outros colegas, o grupo Concerned Catholic of Guam, que, entre outras coisas, se colocou como objetivo “fiscalizar a corrupção” do arcebispo. Para isso, foram organizadas, mediante um sítio atualizado em tempo real, manifestações em frente à Catedral com cartazes para pedir sua renúncia ou a redução ao estado laico. Lideram o grupo: Gregory Perez, presidente, e David Sablan, vice-presidente, conhecido por um caso de corrupção sobre a qual está investigando atualmente o governo federal dos Estados Unidos.
Durante alguns meses houve relativa calma, mas, em maio de 2016, as páginas de todos os jornais da ilha tinham um aviso de Tim Rohr que convidava para que saíssem da obscuridade todos os que teriam sido vítimas ou souberam algo sobre os abusos que Apuron teria cometido, entre 1976 e 1977, na Paróquia Nossa Senhora do Monte Carmelo, onde era pároco. O anúncio permaneceu um mês em todos os jornais. Depois de alguns dias, apresentaram-se quatro pessoas, entre elas Roy Taitague Quintanilla, que afirmou ter sofrido abusos quarenta anos antes, quando aos doze anos era coroinha do padre Apuron, que, indicou, teria o levado à noite a sua casa para violá-lo. No entanto, nas atas do processo em curso há declarações de outros ex-coroinhas que afirmaram nunca ter visto Quintanilla na paróquia e que sempre realizaram as atividades em grupo e nunca sozinhos.
Além de Quintanilla, outras pessoas revelaram diante das câmeras e em lágrimas terem sofrido abusos. Segundo o que resulta das gravações de uma entrevista com Patti Arroyo, na rádio K57 Newstalk, Tim Rohr admitiu publicamente ter demorado “quatro dias para publicar o anúncio e encontrar Roy, pagar a ele o boleto no Havaí e coordenar o grupo de vítimas e parentes, dizendo “o que dizer e quando chorar”, além de estimulá-los a contratar David Lujan como o seu advogado.
Após pouco menos de 5 horas da publicação das acusações, do estrangeiro, o núncio Krebs telefonou a Apuron (e seguiu agindo assim durante toda a semana) para lhe pedir imediatamente sua renúncia “por vontade” do Papa. Mas, precisamente Apuron queria se dirigir ao Papa para discutir sobre sua situação. Pouco tempo depois, voou a Roma para pedir uma audiência com o Pontífice. Reuniu-se com ele ao final da audiência geral do dia 24 de maio de 2016, na Praça São Pedro. Durante o breve encontro, Apuron disse a Francisco: “Santidade, sou inocente. Gostaria de uma audiência particular com você”. Bergoglio chamou um de seus colaboradores para que acertassem uma data, mas nunca se verificou nenhuma audiência.
A Arquidiocese buscou interferir para defender seu bispo e se colocou em contato imediatamente com o escritório de advocacia Lewis Roca, de Denver, importante estabelecimento dos Estados Unidos especializado em casos de abusos sexuais relacionados à Igreja. Muitas vezes, este escritório é consultado pela Conferência Episcopal dos Estados Unidos. O Lewis Roca aceitou defender a Arquidiocese e a Apuron gratuitamente, só recebendo, em caso de vitória, uma porcentagem dos danos. Ao mesmo tempo, o advogado David Lujan começou uma causa por difamação contra o bispo e a Arquidiocese por ter declarado que as acusações dos abusos contra ele eram falsas.
Apuron decidiu, então, solicitar o afastamento de qualquer função e pediu à Santa Sé que nomeasse um administrador apostólico para levar a ordem e a paz à ilha e dar a ele a possibilidade de se defender das acusações. O Vaticano acolheu o pedido e, no dia 6 de junho de 2016, um boletim da Sala de Imprensa anunciou a nomeação do secretário da Propaganda Fide, dom Savio Hon Tai-Fai, como administrador apostólico em Guam. Apuron, então, continuou sendo arcebispo, ainda que sem autoridade. Aos fiéis, enviou um vídeo insistindo em sua inocência e anunciou a iminente mudança de condução, afirmando que acolhia “de braços abertos” o novo administrador apostólico”, sinal do Papa em querer “reestabelecer a verdade” “permitindo-me se defender das falsas elucubrações contra mim”.
Dom Hon chegou às Marianas poucas semanas depois e, como primeira medida, pediu que todos os sacerdotes, em especial os que se formaram no Redemptores Mater, que apresentassem suas renúncias como “prova de lealdade a mim e à Igreja”. Alguns aceitaram, outros, ao contrário, resistiram. Contra estes últimos, surgiram imediatamente acusações, algumas de natureza sexual. Outros foram enviados a seus países de origem. Dois bispos de Samoa foram obrigados a retirar seus seminaristas que tinham ido estudar em Guam. Foi destituído o vigário geral, David Quitugua, nomeado por Apuron como reitor da Catedral no lugar de monsenhor Benavente. O mesmo ocorreu com o chanceler Adrián Cristóbal (natural de Guam) e com Alberto Rodríguez (vice-chanceler). Foram destituídos também os párocos das quatro maiores paróquias da Arquidiocese de Aganha, entre os quais estão monsenhor Brígido Arroyo, ancião e que por motivos de idade deveria se aposentar, muito amado pela comunidade paroquial de Saint Anthony, que o conhece como “padre Bibi”.
Hon também modificou o conselho encarregado de esclarecer o ocorrido com os fundos do Cemitério e, no lugar de Quitugua, encomendou a Catedral ao padre Paul Gofigan, que havia sido destituído dois anos antes.
É preciso recordar que o arcebispo Apuron havia dispensado o padre Gofigan, após ter recebido queixas e pressões porque o sacerdote supostamente convivia com um ex-prisioneiro, Joseph Lastimoza, de 54 anos, condenado à prisão perpétua por ter estuprado e assassinado a uma aeromoça nova-iorquina, de 25 anos, em 1981, e por ter, posteriormente, estuprado outras mulheres. Lastimoza, que saiu da prisão em 2002 em liberdade condicional, possuía uma cópia [da chave] da instituição infantil Santa Barbara Catholic School, onde se ocupava da manutenção. Diferentes pais expressaram a Apuron sua contrariedade diante do fato de que um condenado tivesse tal liberdade de movimento em um lugar frequentado por mulheres e crianças. Além disso, a própria lei de Guam estabelece que qualquer pessoa condenada por crimes graves “não pode ser empregada, direta ou através de um empregador independente”, em um setor como “uma escola ou uma instituição, enquanto houver crianças presentes”.
Em 2014, o nome de Lastimoza foi incluído no registro dos sex ofender do Sistema judiciário de Guam”, após a encolerizada carta da imprensa local de um ex-militar que agora reside em Nova York, David Mills, que se ocupou do caso em seu momento. Então, dom Apuron, após lhe ter dado um aviso dois anos antes, pediu insistentemente que Gofigan distanciasse Lastimoza da escola, porque sua presença violava as leis em vigor. Mas, o religioso não escutou a indicação do bispo, que, ao final, seguindo os conselhos do advogado da Arquidiocese, Joe Terlaje, decidiu destitui-lo. Muitos comentaristas de Jungle Watch comentam a destituição do sacerdote, que também fundou o movimento Rainbow Mercy para jovens homossexuais católicos, como uma das manobras de manipulação do Caminho Neocatecumenal.
Enquanto isso, Hon concede entrevistas e faz declarações em coletivas de imprensa sobre a culpabilidade de Apuron, antes do processo iniciar, acusando a arcebispo de dizer mentiras por ter negado os abusos. Em seguida, anistia publicamente Benavente e torna a admiti-lo como pároco na maior paróquia de Guam, além de voltar a inclui-lo no Conselho financeiro (como ele também retorna Richard Untalan) e na equipe para os fundos do Cemitério. O administrador apostólico, além disso, deu por concluído o contrato com a Lewis Roca e assumiu em seu lugar o escritório Swanson & McNamara, um dos mais caros de San Francisco. Hon também deu andamento a uma série de interrogatórios com sacerdotes e seminaristas do Redemptoris Mater, durante os quais os jovens foram colocados diante de uma encruzilhada: obedecer a Apuron ou “a um arcebispo investido com os poderes de Deus”. O Redemptoris Mater sofreu uma drástica diminuição: de 40 a pouco menos de 15 seminaristas.
Durante os quase cinco meses nos quais Hon esteve em Guam, foram enviadas três cartas ao Papa Francisco para colocá-lo a par da situação. Estas cartas não obtiveram nenhuma resposta direta, mas Bergoglio, no dia 31 de outubro de 2016 (após ter solicitado ao cardeal Filoni que encontrasse depressa um candidato), fez com que Hon retornasse a Roma e nomeou um arcebispo coadjutor, o estadunidense Michael Jude Byrnes, auxiliar em Detroit, para que conduzisse a diocese destroçada.
Antes de ir, Hon concedeu uma longa entrevista ao Pacific Daily News com a qual indicou a seu sucessor o caminho que precisaria seguir. Quatro dias dantes que Byres chegasse à ilha, enviou-lhe um pacote com uma série de documentos sobre as finanças na ilha e uma carta na qual insistia na modificação dos estatutos do Redemptoris Mater e no cancelamento de uma cláusula na restrição de seu uso. Esta decisão, adotada para salvaguardar um bem diocesano, segundo os detratores, teria feito com que Apuron perdesse qualquer direito sobre a propriedade (acusação desmentida pelo fato de que, com uma simples assinatura, Byrnes cancelou a restrição).
Já em Roma, dom Savio Hon foi à Congregação para a Educação Católica (segundo narram os empregados do dicastério) para pedir que se suspendesse a relação do Instituto Teológico com a Pontifícia Universidade Lateranense, que havia sido renovada por outros dez anos. As últimas notícias apontam que, no dia 29 de agosto de 2017, Byrnes anunciou o fechamento tanto do Seminário como do Instituto. E que, nas últimas semanas, destituiu quatro sacerdotes de seus encargos diocesanos por insubordinação e por ter escrito uma carta ao cardeal Filoni para informá-lo sobre as intenções de vender o edifício de Yona, informação que o próprio cardeal havia solicitado. Monsenhor Benavente, ao contrário, foi reintegrado a todos os seus encargos anteriores, aos quais se acrescenta a nomeação como delegado para o patrimônio da Arquidiocese.
Em relação às acusações de abusos sexuais contra Apuron, aguarda-se a sentença do Tribunal de primeira instância, presidido pelo cardeal Raymond Leo Burke, conhecido por suas posturas críticas ao Papa Francisco e um dos autores das dubia sobre a exortação apostólica Amoris Laetitia. Quando, no dia 17 de fevereiro de 2017, Francisco enviou o cardeal ao arquipélago das Marianas para que investigasse sobre o caso de Guam, muitos disseram que se tratava de uma “punição” ou de um “exílio”. À luz dos fatos, parece que a decisão do Pontífice se baseou na notável competência do cardeal, amadurecida durante seus anos na Prefeitura do Tribunal da Assinatura Apostólica. Em duas semanas, o purpurado estadunidense reuniu toda a documentação e os depoimentos que precisaria para enviar à Congregação para a Doutrina da Fé. Visitou pessoalmente Guam, Havaí, San Francisco, Phoenix e a costa leste dos Estados Unidos para escutar as vítimas. Muitas delas, como declararam aos jornais locais, não quiseram se reunir com o cardeal sem a presença de seu advogado David Jujan.
Burke e outros quatro juízes (todos eles bispos) deverão emitir uma sentença sobre a culpa ou a inocência de dom Apuron. Uma decisão que se esperava para o último dia 4 de agosto, mas que sofreu um atraso, talvez devido às pressões externas que o cardeal está recebendo, que disse aos seus mais próximos colaboradores que ficou impressionado pela forte presença de “lobbies” na ilha. Se Apuron for declarado culpado, o dispositivo da sentença terá consequências canônicas e não civis. “O fato do Papa ter concedido o processo a um bispo – explicou um advogado canonista ao Vatican Insider – é sinal de que a Igreja quer restabelecer, seja como for, um procedimento de legalidade”. Caso sua inocência seja declarada, a situação não será nada fácil para ele, em razão do dano que sua imagem sofreu, e seria complicado voltar a conduzir a diocese de Guam. Apesar do próprio arcebispo ter afirmado que está pronto para isso, mas com a ajuda de um bispo auxiliar. De qualquer modo, para esta turbulenta história parece ainda difícil escrever a palavra “fim”.
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Guam, uma diocese devastada por escândalos financeiros e sexuais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU