Beatificar Pascal? Quando um papa jesuíta reabilita o advogado do jansenismo

Blaise Pascal | Cópia da pintura de François II Quesnel, que foi feita para Gérard Edelinck em 1691, autor desconhecido | Fonte: Wikimedia

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

17 Julho 2017

Numa entrevista ao jornal italiano La Repubblica, o papa Francisco expressou sua “convicção pessoal positiva” a favor de uma beatificação do filósofo e matemático Blaise Pascal. Para Xavier Patier, autor de Blaise Pascal, la nuit de l’extase (Cerf), esse posicionamento é fundamental.

A entrevista é de Éléonore de Vulpillières, publicada por La Vie, 11-07-2017. A tradução é de Vanise Dresch.

Eis a entrevista.

O papa Francisco expressou a Eugenio Scalfari, o fundador de La Repubblica, seu desejo de que Pascal fosse beatificado. O que a senhora pensa dessa ideia?

É uma declaração fundamental e uma notícia formidável. Uma grande alegria! Blaise Pascal é um santo para a era digital. Ele inventou a máquina de calcular e criou a primeira start-up (nos serviços de transporte urbano); estava adiante de seu tempo. Ao mesmo tempo, viveu uma relação profunda com Cristo, descrevendo-a com palavras inéditas que converteram gerações de cristãos – neste aspecto também esteve à frente. Renunciou a tudo e não renunciou a nada: provou que a conversão era tudo, exceto uma emasculação intelectual. As Provinciais [obra de 1657 que denunciava a casuística jesuíta acusada de autorizar o laxismo em matéria de moral e que foi banida pelo Papa] foram escritas após a noite do êxtase que marcou sua conversão.

Os jansenistas contra os jesuítas eram, de certa maneira, o partido da France insoumise (indignada, insubmissa) contra o da République en Marche (de Macron)

Esse posicionamento marca o fim da querela entre jansenistas e jesuítas? Quatros séculos mais tarde, as divergências entre eles não teriam mais sentido?

A querela entre os jansenistas e os jesuítas – ou melhor, entre Port-Royal [a abadia de Port-Royal des Champs era o centro do jansenismo no século XVIII, ndlr] e a Sorbonne –, mesmo tendo fundamentos teológicos sérios, foi, acima de tudo, um conflito político, ou até mesmo uma querela de egos que acabou mal. Esses senhores não gostavam do poder e desafiavam o Estado. Isso era insuportável para Luis XIV. Os jansenistas contra os jesuítas eram, de certa maneira, o partido da France insoumise contra o da République en Marche, os grandes transgressores contra os grandes obedientes, os inadaptados contra os superadaptados. Pascal atacou a Companhia, mas nunca disse uma palavra contra Inácio de Loyola. Hoje, a querela teológica foi esquecida, restando o radicalismo para o qual fomos chamados, o « Seigneur, je vous donne tout » (Senhor, eu tudo vos dou, em tradução livre) de Pascal. Todo mundo se atreve.

Deveríamos ver nisso uma reabilitação do jansenismo ou, pelo menos, a minimização de uma influência depreciada pela Igreja da época?

Em se tratando do jansenismo, a querela teve o fato particular de que seus adeptos não cessaram de repetir que não divergiam da doutrina da Igreja. Segundo eles, Jansênio não dissera nada de novo em relação a Santo Agostinho, e, se Port-Royal era herege, Santo Agostinho também o era. Quando seus adeptos foram convidados a assinar um texto refutando as “cinco propostas”, aqueles que o fizeram acrescentaram que, de toda maneira, tais propostas não constavam na doutrina de Jansênio, o que gerou uma nova polêmica. Já no século XVII, foram publicados Os Pensamentos católicos de Pascal, supostamente expurgados de frases consideradas jansenistas, mas o exercício não é convincente. Pascal é um cristão absoluto, intransigente, mas que não entra em desacordo teológico com o ensinamento da Igreja e que reivindica sua fidelidade doutrinal.

Pascal não amou somente a pobreza: amou também os pobres!

Em que sentido o ideal cristão de Pascal merece ser mostrado como exemplo?

O ideal cristão de Pascal é um exemplo para os nossos tempos por mostrar que um ser ávido, superdotado, suscetível, ambicioso pode descobrir um dia que a fé é uma questão de amor. A partir do dia em que Blaise Pascal aceitou deixar-se amar, precisamente na noite de 23 de novembro de 1654, “desde por volta das dez e meia da noite até em torno da meia-noite”, tornou-se um santo.

O que dizer da evolução da relação de Pascal com a pobreza? Esse elemento teria tido um sentido especial para o Papa?

Blaise Pascal apreciou o luxo e a vida mundana. Entregou-se à pobreza depois de 1654, explicando simplesmente que passou a amar a pobreza “porque Jesus a amara”. Não deu outra explicação. O fenômeno dos salões virou o Padre do Deserto. Mas ele não amou somente a pobreza: amou também os pobres! Ele, que afirmou que Deus é um círculo cujo centro está em todo lugar, acabou sua vida nas periferias. E foi provavelmente nas periferias que o papa Francisco o encontrou.

Leia mais