29 Junho 2017
“O espartilho, dentro do qual (nós, teólogos) continuamos a constranger e pressionar o conhecimento da fé, não só se desgastou, mas não funciona mais. Se formos honestos conosco mesmos, e não vivermos no mundo sideral, isso não só diz respeito aos nossos jovens, mas também ao teólogo e à teologia em si mesmos”, escreve Marcello Neri, professor de Teologia Sistemática em Flensburg, Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 11-05-2017. A tradução é de Ramiro Mincato.
Segundo ele, “nunca como hoje a teologia teve necessidade de uma aposta experimental, criativa e capaz de anunciar uma reconfiguração do seu próprio currículo, na academia dos saberes e na experiência da vida humana concreta. Uma tarefa sapiencial, de alguma maneira voltada a re-tecer o elo perdido entre a brilhante inteligência do passado e a indecifrável experiência do viver de hoje”.
A teologia encontra-se em uma situação paradoxal, assim como todas aquelas disciplinas acadêmicas que não podem prescindir dos acontecimentos da história para afirmar-se, em um contexto histórico tal em que, não só está distante, mas estranha. É o mundo concreto da vida, e a forma das experiências dos rapazes e moças que encontro todos os dias na Universidade. Seus olhares ficam atônitos quando tento mostrar-lhes a o quanto possa ser importante terem ao menos uma pálida ideia de Calcedônia para poderem rearticular nos dias de hoje uma palavra de Jesus capaz de iluminar um pouco a aventura humana de viver.
Nada. Tens que ceder diante da evidência do fracasso e tomar consciência dele. Até mesmo as tentativas mais engenhosas de atualização do discurso cristológico os tira da indiferença, como se se falasse de um mundo paralelo, de tal modo virtual e rarefeito, que nem mesmo suas habilidades com a virtualização do real consegue absorvê-los de alguma maneira.
Mesmo assim, sei que não se pode jogar fora, para agradar o ouvinte, um patrimônio de inteligência e, às vezes, de genialidade, que o cristianismo traz consigo debaixo de camadas de poeira milenar. Por outro lado, não é culpa deles, dos jovens. Hoje em dia, desde o jardim de infância os criamos como frangos de bateria, embotando, logo ao nascer, as asas de qualquer inteligência crítica ou curiosidade de pensamento. Exército de consumidores passivos de devoções instantâneas, que o senhorio do mercado inventa continuamente para mantê-los encantados em um nada sem espessura e sem destinação.
O potência desta deterioração do humano parece ser invencível e sem alternativa. Mas se há algo que, diante disso, não pode e não deve render-se: exatamente o cristianismo e a fé, que com ingente esforço procuramos deixar brotar das experiências deles. Mas, também essa revela-se empresa titânica, colocada em cheque, desde o início, pelas lógicas das potências a quem vendemos barato a incomensurável beleza do ser humano - ternamente amado por Deus.
Diante deste revés, uma coisa aparece logo evidente: o espartilho, dentro do qual continuamos a constranger e pressionar o conhecimento da fé, não só se desgastou, mas não funciona mais. Se formos honestos conosco mesmos, e não vivermos no mundo sideral, isso não só diz respeito aos nossos jovens, mas também ao teólogo e à teologia em si mesmos.
Mas, eis-nos todos, a cada dia, fazendo nossa devida homenagem à forma da inteligência da fé cristã instituída. Há toda uma superestrutura, eclesial e estatal, que nos impõe este enquadramento que já esgotou todas as razões de ser – a não ser aquela de corresponder fielmente aos formulários dos acordos entre Igreja e Estado.
Nunca como hoje a teologia teve necessidade de uma aposta experimental, criativa e capaz de anunciar uma reconfiguração do seu próprio currículo, na academia dos saberes e na experiência da vida humana concreta. Uma tarefa sapiencial, de alguma maneira voltada a re-tecer o elo perdido entre a brilhante inteligência do passado e a indecifrável experiência do viver de hoje. Para reacender a centelha de um desejo que não se desgasta e não se troca por qualquer outra coisa mesmo que boa, para reintroduzir o gosto de cuidar das coisas e da vida como algo que não pode ser comercializado.
Libertar o próprio saber da prisão do lucro imediato, planejado desde o início à obtenção de competências despendidas em forma monetária. A aplicação instrumental de qualquer educação do pensamento corrói na raiz a própria razão, a qual todos apelamos. Não devemos nos surpreender se os fake-news levantam impedimentos à evidência dos fatos, visto que há muito tempo trabalhamos para a corrupção comercial e idolátrica da razão.
Se a teologia tivesse a coragem da aventura de se reescrever completamente, poderia resgatar, da escravidão a que nós a obrigamos, a razão civil de todos. Dar de novo leveza ao pensamento humano comum, ressuscitar potências submersas e esquecidas, atualmente boas somente para o aviltamento de todo o entusiasmo, é alguma coisa que a teologia pode ter em suas cordas - se souber compreender a urgência do momento.
Algo semelhante aconteceu em Calcedônia quando, uma boa disputa interna no cristianismo, soube dar novamente vida a um pensamento, que já não era outra coisa senão uma pálida sombra de si mesmo.
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Teologia Hoje: paradoxo e reconsideração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU