26 Mai 2017
“Os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado” (Mt 28,16).
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho da Festa da Ascensão de Jesus (28/05/2017) que corresponde a Mateus 28,16-20.
Hoje culmina o tempo de páscoa com a celebração da festa da Ascensão de Jesus. “Ressurreição”, “Ascensão”, “sentar-se à direita de Deus”, “envio do Espírito Santo”, são todas realidades pascais; constituem um só “mistério” que está fora do alcance dos sentidos e do nosso conhecimento.
O mistério pascal é tão rico que não podemos abarcá-lo com uma única imagem; por isso temos que des-dobrá-lo para ir aprofundando calmamente e expressá-lo no nosso modo de viver o seguimento de Jesus.
Os três dias para a Ressurreição, os quarenta dias para a Ascensão, os cinquenta dias para a vinda do Espírito Santo, não são tempos cronológicos, mas teológicos. Eles nos revelam a maneira de ser de Deus, não o tempo em que Ele atua.
A Ascensão nos faz refletir sobre um aspecto do mistério pascal. Trata-se de descobrir que a posse da Vida por parte de Jesus é total. Participa da mesma Vida de Deus e, portanto, está no mais alto do “céu”.
Segundo o relato de Mateus, indicado para a festa deste ano, não há ascensão propriamente dita, mas revelação e presença do Senhor Jesus na Montanha da Galileia, com sua palavra, sua presença e seu envio missionário.
Esta eleição da Galileia é muito provocativa. Galileia remete à vida histórica de Jesus . No centro da Galileia se eleva a montanha da nova e definitiva revelação de Deus em Jesus Cristo; essa montanha é coração e centro permanente da terra.
O evangelista Mateus quer ressaltar que a Judeia (Jerusalém) havia rejeitado Jesus e já não era o lugar onde alguém devia encontrar-se com o Ressuscitado.
Jesus não ressuscita nem triunfa em Jerusalém, mas na “montanha da Galileia”, ou seja, naqueles que foram os lugares e paisagens de sua vida. Jesus foi a Jerusalém para dar testemunho e manter seu projeto, sendo ali assassinado. Por isso, o evangelho não pode começar em Jerusalém, com seu templo, sacerdotes, soldados, mas na Galileia, o lugar das pessoas que sofrem e que são excluídas, que buscam e escutam a Palavra.
Galileia significa a terra da história de Jesus: ali sua palavra é escutada, ali sua mensagem é vivida.
Mas, ao mesmo tempo, Galileia aparece nesta passagem como ponto de partida de um caminho que deve dirigir-se ao conjunto dos povos. Assim, desde a obscura província de Jesus, se expandirá um caminho salvador universal que está fundado na experiência de sua Páscoa.
"Aquele que desceu é o mesmo que subiu acima dos céus para plenificar o universo com sua presença". (Ef 4, 10)
A citação de São Paulo vem desfazer uma certa tendência a considerar Jesus na Ascensão como alguém que partiu, que nos deixou, que está mais acima, “no céu”, enquanto que nós ficamos aqui “gemendo e chorando neste vale de lágrimas”. Não é assim. Não podemos continuar pensando em um Jesus subindo fisicamente para além das nuvens.
Para poder entender a festa da Ascensão, devemos voltar ao tema central da Páscoa. Estamos celebrando a Vida, essa Vida que não está sujeita ao tempo e ao espaço, que é plenitude, eterna e imutável.
Jesus não vai a nenhum lugar, senão que permanece com os seus (“estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”). Isso significa que Ele ressuscita e atua em seus amigos e amigas, naqueles que vivem e espalham, com suas vidas, a Grande Mensagem de vida.
Na Ascensão, Jesus nem partiu nem se ausentou; não nos deixou órfãos nem solitários. Ele permanece para sempre entre nós pelo seu Espírito Santo: no céu, na terra e em todo lugar. E principalmente conosco e em cada um de nós; não só está ao nosso lado, mas também dentro de nós, “fazendo morada em nós”.
Recordemos as experiências das Aparições do Ressuscitado, onde Jesus foi nos ensinando como nos encontrar com Ele e a estar com Ele: na “Palavra”, na “fração do pão”, na “Eucaristia”, compartilhando nossa vida, como pão de vida para os outros, no “perdão salvador”, no “serviço”, nos “sacramentos”, no “próximo”, na “missão evangelizadora e apostólica”, na “construção do Reino”, no mundo e na realidade social na qual vivemos, praticando a fraternidade e justiça social, segundo “os sinais dos tempos”, etc.
Na Ascensão, não se trata tanto de “vir e regressar”. Os espaços não existem para Deus. Trata-se de diferentes modos de presença. Mais que “subida” e afastamento, a Ascensão de Jesus é “descida e presença”. Sua presença expansiva alcança uma profundidade e uma longitude que sua presença física não pudera alcançar. Assim podemos encontrá-Lo em todos os lugares e em todas as pessoas.
Jesus desce com os seus da montanha do evangelho para estender entre todos os povos sua presença. Está com os seus, neles, com eles... Esta é sua Ascensão, sua grande “descida”.
Ele não permanece na Montanha para construir ali uma pirâmide ou templo, uma grande corte pascal, mas para reunir os seus e enviá-los, e descer/estar com eles em todo o mundo.
Estes “onze” da Ascensão são (somos) todos, homens e mulheres na Montanha do Evangelho, para começar de novo, desde a periferia do mundo, como humanidade nova, como grupo, unidos no amor, todos e todas formando a grande comunidade da nova montanha da vida.
A tarefa fundamental que Ele nos confia é clara: “fazer discípulos” seus todos os povos. Não se trata de ensinar doutrinas, nem ritos, nem normas morais, mas de ativar em todos uma maneira alternativa de viver, centrada no modo de proceder do próprio Jesus, ou seja, trabalhar para que no mundo haja homens e mulheres que vivam como discípulos e discípulas d’Ele, seguidores(as) que aprendam a viver como Ele; que o acolham como Mestre e não deixem nunca de aprender a ser livres, justos, solidários, construtores de um mundo mais humano.
“Homens da Galileia, porque ficais aqui parados, olhando para o céu” (At 1,11)
É como se dissesse: “olhem a terra e todas as pessoas, vejam suas lágrimas e angústias”, assumam tudo como algo próprio dos discípulos e discípulas de Jesus; ocupem-se em transformar toda a realidade com os valores do Reino, inspirem homens e mulheres a serem presença do amor e da justiça junto àqueles que mais sofrem, despertem a vida atrofiada e escondida naqueles que perderam o sentido de sua existência, prolonguem em suas vidas aquela presença original de Jesus...
De fato, Ascensão significa o início da missão da nova comunidade ressuscitada.
Na Ascensão, enquanto Jesus “sobe” ao Pai, nós “descemos” à realidade para transformá-la, tornando presente o Reino. Quando amamos, cuidamos, servimos... também nos elevamos. E o que nos eleva está em nosso interior: nós nos elevamos à medida que descemos em direção à humanidade.
Como Jesus, a única maneira de alcançar a meta é descendo até o mais fundo. Aquele que mais “desceu”, é também Aquele que mais alto “subiu”.
Muitas vezes preferimos seguir um Jesus no “céu”, distante, glorificado, a quem rendemos honras. Descobri-Lo dentro de nós mesmos, nos outros e no mundo é demasiado exigente e comprometedor. Muito mais cômodo é continuar “olhando para o céu...” e não nos sentir implicados naquilo que está acontecendo ao nosso redor.
No seguimento de Jesus vivemos em estado de constante ascensão. Ascendemos na medida em que “descemos” e nos fazemos presentes na realidade cotidiana, através do serviço, do compromisso.
O Ressuscitado nos espera na vida cotidiana (nossa Galileia) quando vivemos a partir do amor e da doação.
Faça “memória” dos lugares e situações em que você vive experiências de ascensão.
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Ascensão: subir à Galileia, descer em direção ao vasto mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU