17 Mai 2017
O Papa decidiu enviar ao México um clérigo com ampla experiência no combate aos abusos sexuais contra menores. Foi o que revelou o próprio Francisco, durante a coletiva de imprensa que ofereceu aos jornalistas que o acompanharam em sua visita apostólica a Portugal, no último final de semana. Contudo, a notícia passou despercebida para a maioria dos meios de comunicação. Talvez porque o Pontífice não aprofundou o trabalho que este sacerdote realizará com o episcopado de seu país. Aqui, a história completa.
A reportagem é de Andrés Beltramo Álvarez, publicada por Vatican Insider, 15-05-2017. A tradução é do Cepat.
Entre as perguntas que os comunicadores lhe apresentaram, no voo de Fátima a Roma, no sábado, 13 de maio, uma tratou sobre a luta contra os abusos e as acusações de pouca colaboração por parte da Cúria Romana, neste tema, lançadas pela vítima Marie Collins, ao renunciar a fazer parte da Comissão para a Proteção de Menores do Vaticano, algumas semanas atrás. O Pontífice quis dar uma explicação ampla, disse ter conversado com ela, reconheceu que se trata de uma “boa mulher” e que tem “um pouco de razão” em algumas de suas queixas.
Ao mesmo tempo, afirmou: “nós estávamos no bom caminho” e indicou algumas decisões tomadas a esse respeito. Entre outras, a redação das linhas orientadoras contra os abusos de todas as conferências episcopais do mundo, solicitadas inicialmente no pontificado de Bento XVI e que foram aperfeiçoadas nos últimos anos.
Além disso, antecipou que se está trabalhando na formação de “tribunais” ou “pré-tribunais” continentais, organismos que realizem “in loco” a primeira parte das investigações para os processos canônicos, quando existirem denúncias por graviora delicta, os crimes graves dos sacerdotes, especificamente por abusos contra menores. Inclusive, chegou a prever que poderia se formar mais de um destes organismos por região, colocando o exemplo da América Latina, onde haveria “um na Colômbia, outro no Brasil”.
Em seguida, ao lamentar a falta de pessoal suficiente para atender os processos eclesiásticos por abusos, revelou que há poucas semanas se somaram duas novas pessoas a este trabalho e que tanto o secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, como o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, estão em busca de “mais gente capaz”.
Então, afirmou, falando em italiano: “Mudou-se de diretor no escritório disciplinar, era bom, era muito bom (quem estava), mas estava um pouco cansado e agora voltou a sua pátria para fazer o mesmo com o seu episcopado. O novo é um irlandês, monsenhor (John) Kennedy, que é uma pessoa muito boa, muito eficiente, rápida, e isto ajudará bastante”.
Ainda que não tenha mencionado abertamente o nome, a pessoa a qual se referia Francisco é o mexicano Pedro Miguel Funes Díaz, presbítero da Sociedade de Vida Apostólica Cruzados de Cristo Rei, que até poucas semanas atrás atuava como chefe da seção de disciplina da Congregação para a Doutrina da Fé.
Segundo o que Vatican Insider conseguiu constatar, com fontes credenciadas, ainda não existem precisões sobre como desempenhará seu trabalho no México este sacerdote, especialista em direito canônico e, certamente, um dos peritos de maior credibilidade no difícil combate aos abusos sexuais contra menores, aspecto pelo qual o pontificado de Francisco foi especialmente atacado. Também ainda não se sabe quais serão seus poderes e suas competências.
Desde que chegou ao Vaticano, em 2001, Funes Díaz prestou serviço na Doutrina da Fé. Colaborou com três cardeais prefeitos: Joseph Ratzinger, William Joseph Levada e, atualmente, Gerhard Müller. Apesar de seu perfil sóbrio, na Cúria Romana é reconhecido como um dos protagonistas da política de atenção aos casos de abusos sexuais contra menores que se consolidou no pontificado de Bento XVI e que a imprensa batizou como “tolerância zero”.
Durante seu serviço, coube-lhe ver, pessoalmente, crises emblemáticas como o escândalo dos abusos nos Estados Unidos, que explodiu durante 2002, em Boston, graças a uma investigação do jornal Boston Globe, transformada depois no filme Spotlight.
Também teve um papel chave na investigação que levou o Papa Bento XVI, em 2006, a aplicar uma sanção emblemática contra o sacerdote mexicano Marcial Maciel Degollado, imoral fundador dos Legionários de Cristo e culpado de múltiplos crimes, entre outros vários abusos. E mais, nesse processo canônico, Funes Díaz serviu de escrivão e, como tal, registrou por escrito os depoimentos das vítimas de abuso, não só no México, como também em outros lugares.
Ao longo de todo este período, colaborou muito de perto com Charles Scicluna, que então servia como “promotor de justiça, o representante da Doutrina da Fé que persegue os graviora delicta. Atual arcebispo em Malta, foi elogiado por Francisco no avião papal, quando o qualificou como “uma pessoa indiscutível” e “um dos mais fortes” contra os abusos.
Com efeito, durante o pontificado de Bento, o promotor de justiça era a cara visível da “tolerância zero”, mas seu trabalho não teria sido possível sem o metódico trabalho realizado pela seção de disciplina, responsável por conduzir as investigações e confeccionar detalhadamente os expedientes. Nos últimos 16 anos, esse grupo de trabalho (composto por apenas uma dezena de oficiais) processou milhares de casos nos cinco continentes. Mais de 5.000, certamente. Em 2010, em uma entrevista, Scicluna informou que, desde 2001, os casos atendidos haviam sido 3.000, incluídas uma avalanche de denúncias procedentes dos Estados Unidos, que chegaram a Roma entre 2003 e 2004.
A partir de 2011, os casos continuaram chegando ao Vaticano a um ritmo de centenas por ano. Todos foram processados cuidadosamente, apesar da falta de pessoal. Já desde então, a seção de disciplina da Doutrina da Fé era acusada de trabalhar com lentidão. “É uma observação injusta”, falou incisivamente Scicluna que, na mencionada entrevista, destacou o trabalho de Funes Díaz e de sua equipe, que então nem sequer passava de 10 pessoas. Nestes anos, eles foram responsáveis pela justa expulsão de milhares de clérigos do sacerdócio, mas arranjando não poucos inimigos.
A falta de pessoal não é nova. Está na origem dos atrasos no processo de diversos expedientes. O Papa fez referência, sempre no avião papal, a 2.000 casos atrasados e que “estão aí empilhados”. É verdade que existem 2.000 casos pendentes de uma sentença, mas todos estão em diferentes fases do processo e nenhum foi abandonado, segundo é possível observar nos relatórios da Acta Apostolicae Sedis.
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Papa envia ao México especialista em combate a abusos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU