05 Mai 2017
E se parte do seu trabalho fosse dedicada a ensinar a um robô como realizar a tarefa de uma pessoa – talvez a sua própria? Antes de as máquinas se tornarem inteligentes o bastante para substituir os humanos, como muita gente teme, elas precisarão de professores. E agora algumas empresas começam a dar os primeiros passos nessa direção, trazendo a inteligência artificial para o ambiente de trabalho e encarregando pessoas do treinamento dessa inteligência artificial para se tornar mais humana.
A reportagem é de Daisuke Wakabayashi, publicada por The New York Times e reproduzida por O Estado de S. Paulo, 05-05-2017.
Conversamos com três pessoas que se colocaram nesta peculiar posição. Mais do que muita gente, elas conhecem as forças (e fraquezas) da inteligência artificial e também como a tecnologia vem mudando a natureza do trabalho. Eis as histórias delas.
Rachel Neasham, agente de viagem
Rachel integra um grupo de 20 agentes que trabalha para o serviço de reservas de viagens Lola, com sede em Boston, e sabia que o sistema de computação de inteligência artificial da companhia – seu nome é Harrison – acabaria assumindo parte do seu trabalho. Mas surgiram dúvidas quando ficou decidido que Harrison começaria a recomendar e reservar hotéis.
Num encontro de funcionários no final do ano passado, os agentes debateram o que isso significaria para os agentes de carne e osso, e o que eles poderiam fazer que a máquina não conseguiria. Embora Harrison conseguisse esquadrinhar dezenas de opções de hotéis num piscar de olhos, não superaria a experiência de um agente humano com anos de experiência reservando férias de família para a Disney World. O humano é mais sagaz, sabe como orientar uma família que sonha em tirar uma foto sem turistas à sua volta, diante do castelo da Cinderela, a reservar um café da manhã no parque antes de os portões abrirem.
Rachel, 30 anos, encarou a situação como uma disputa: conseguiriam os agentes humanos encontrar novas maneiras de se tornar peça importante e valiosa tão rápido quanto os robôs se aperfeiçoam na realização de parte do seu trabalho? “Eu me tornei mais competitiva, tive de recuperar o ritmo e me manter à frente da máquina”, disse ela. Por outro lado, usar Harrison para fazer algumas coisas “me deixaria tempo livre para fazer alguma coisa criativa”, acrescentou.
No início, Harrison recomendaria hotéis com base nas preferências óbvias do cliente, como marcas associadas a programas de fidelidade. Mas depois começaria a encontrar preferências que nem mesmo os clientes sabiam que tinham. Algumas pessoas, por exemplo, preferiam um hotel na esquina de uma rua e não no meio dela.
Numa próxima mudança de software, Lola fará perguntas ligadas a estilo de vida como: “Você usa o Snapchat?”, para obter algumas pistas sobre preferências de hotel. Os usuários do Snapchat em geral são mais jovens e preferem hotéis modernos, mas baratos, em vez de marcas estabelecidas como o Ritz-Carlton.
Embora Harrison faça reservas, o fato é que o agente humano auxilia seu cliente também durante a viagem. Quando o quarto é reservado, ele telefona para o hotel tentando um upgrade do quarto ou recomendando como aproveitar o máximo das férias.
“Isto é algo que uma Inteligência Artificial não consegue fazer”, disse Rachel.
Diane Kim, especialista em design interativo digital
Diane é categórica: seu assistente não usa gíria nem emojis
O assistente, Andrew Ingram, também evita fofocas e não perde tempo com outros assuntos além de marcar as reuniões dela.
Diane não é tirânica. Apenas conhece seu assistente melhor do que muitos chefes, porque ela o programou.
Diane, 22 anos, trabalha como designer de interatividade na área de Inteligência Artificial na X.ai, startup com sede em Nova York, que oferece assistentes de Inteligência Artificial para auxiliar as pessoas na marcação de reuniões. A X.ai atrai os clientes com a ideia de que, por meio da AI, eles têm os benefícios de um assistente humano, sem perder tempo e sem a amolação de marcar suas reuniões – e isto a uma fração do custo.
O trabalho de Diane é criar respostas para os assistentes da companhia, cujos nomes são Andrew e Amy Ingram, robôs que parecem tão naturais que a troca de e-mails com eles não é nada diferente das trocas de e-mails com um assistente humano.
O trabalho de Diane, que em parte é de roteirista, programadora e linguista – não existia antes de Alexa, Siri e outros assistentes digitais. Ela tem de ajudar os humanos a acessarem as capacidades super-humanas dos sistemas de IA disponíveis 24 horas por dia e sete dias da semana, e com uma memória infalível, sem se equivocarem por causa da linguagem complicada ou robótica.
Mesmo dentro dos estreitos parâmetros de uma marcação de reuniões, demora para um robô aprender a dissecar os e-mails. Por exemplo marcar um encontro para “quarta-feira” é diferente de marcar uma reunião para “uma quarta-feira” A X.ai disseca os e-mails em suas partes componentes para perfeita compreensão da ideia.
A resposta automática é o ponto em que Diane interfere. Sua tarefa é imaginar como um assistente humano organizaria uma reunião para o chefe. Para uma tarefa específica, ela imagina situações diferentes – por exemplo, se a reunião terá cinco participantes versus dois – para então criar um fluxograma de como a troca de e-mails se encaminhará.
O objetivo é marcar uma reunião com o mínimo de e-mails possível. Com isto em mente a X.ai estabeleceu alguns traços de personalidade para seus assistentes: polidos, profissionais, simpáticos e claros.
A X.ai não pretende que os assistentes sejam como os humanos. Mas Diane ainda desfruta de satisfação quando as pessoas não percebem que os seus assistentes são robôs. As pessoas os convidam para sair. Eles recebem e-mails de agradecimento de clientes satisfeitos mesmo que, como robôs, não necessitem disto.
“Elas ficam chocadas e surpresas quando sabem que estão falando com uma Inteligência Artificial”, disse ela.
Dan Rubins, diretor executivo
Suas queixas contra advogados são muitas. Ele lembra quando, no seu emprego anterior, seis advogados da empresa, cada um faturando centenas de dólares por hora, analisaram um contrato procurando erros de capitalização. Isto levou-o a criar a Legal Robot, startup que utiliza inteligência artificial para traduzir o jargão legal em linguagem comum.
Tendo revisado quase um milhão de documentos legais, a startup também assinala as anomalias (linguagem ou cláusulas estranhas) em contratos. “Os advogados tiveram 400 anos para inovar e mudar a profissão e não o fizeram. Está na hora de uma ajuda de fora”, disse ele.
Segundo Dan, documentos legais são bem adequados ao aprendizado de máquina porque são muito estruturados e repetitivos. O robô da Legal Robot acessa um enorme tesouro de contratos preparados por advogados humanos em processos junto à Comissão de Valores Mobiliárias (uma cloaca de linguagem legal, diz ele) como também documentos passados de escritórios de advocacia que contribuem para o treinamento do robô.
Depois de examinar um grande número de documentos, os sistemas de aprendizado de máquina da empresa começam a reconhecer os padrões indicando as palavras que tendem a estar sempre juntas e aquelas que não. Mas Dan se preocupa quando a máquina confia demais nos seus resultados. O que costuma ser uma consequência de treinar o computador num conjunto muito reduzido de contratos.
Dan não acha que o sistema de IA deixará os advogados para trás. Mas poderá mudar a maneira como eles trabalham e ganham dinheiro. Quanto menos tempo precisarem para analisar contratos, mais tempo terão para uma consultoria ou atuar numa ação.
“Na verdade não acho que vamos nos ver livre dos advogados. Infelizmente ainda necessitaremos deles”, diz ele.
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Eles treinam robôs que vão substituir os humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU