21 Março 2017
Para a Quarta-feira de Cinzas e para os domingos da Quaresma, o blog Bondings 2.0 está apresentando reflexões espirituais a partir de um grupo diversificado de alunos/as da Graduate Theological Union, em Berkeley, na Califórnia, que ou se identificam como LGBTQ+ ou estão envolvidos/as com a pesquisa e/ou ministério LGBTQ+.
O comentário é de John Michael Reyes, mestre em teologia pela Jesuit School of Theology, ligada à Santa Clara University. A sua formação espiritual e atividade comunitária acontecem na Franciscan School of Theology (em Berkeley), publicado por Bondings 2.0, 19-03-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Reyes serviu como capelão hospitalar, liturgista e atualmente trabalha na pastoral universitária da Santa Clara University com foco na formação sacramental e liturgia. É membro da Paróquia Most Holy Redeemer, em San Francisco, sua cidade natal.
Reyes é o coordenador do VIII Simpósio Nacional do New Ways Ministry, cujo lema é “Justiça e Misericórdia devem se beijar: Católicos LGBTs na era do Papa Francisco”, a ocorrer entre os dias 28 e 30 de 2017, em Chicago.
Você já esteve envergonhada a ponto de ficar paralisada?
Em meus 29 anos de vida, fui envergonhada muitas vezes por causa do meu comportamento, o que resultou em querer me esconder. Tomei decisões equivocadas que impactaram a opinião de pessoas que valorizo. A minha infância não foi divertida: lidei com desafios que iam desde o abuso sexual até as repercussões de não realizar o sonho dos pais, ou seja, me tornar médico ou advogado.
Mais tarde, um ambiente pouco saudável me levou ao isolamento e à depressão. Uma tentativa de suicídio abalou-me em alguns momentos da vida. Ficava envergonhada ao me apresentar em eventos. Eu me escondia até todo mundo sair para eu poder fazer as coisas que precisava: comer, lavar roupas, entre outras tarefas do dia a dia.
O Evangelho de hoje – a Mulher Samaritana no poço com Jesus (João 4, 1-42)– me fez lembrar desta época da minha vida. Antes de tudo, você já notou que a história é recheada de detalhes da mulher, no entanto sequer sabemos o seu nome? Esse anonimato permite que ela represente a todos nós; eu me sinto como a Mulher Samaritana. Ela se escondia para que ninguém a notasse – suas feridas, sua fraqueza, sua humanidade. Da mesma forma como a mulher no poço com muitos maridos, eu fui feito vítima destes “maridos”: isolamento e depressão, ao invés de buscar aquele único amor, o único marido, que poderia me libertar: Jesus.
Apesar de tentar se esconder dos outros, a mulher foi percebida por alguém: Jesus. A história dela foi reconhecida e ela foi vista por quem ela era; ela pôde “sair do armário”. Essa história destaca o desejo de Jesus de se aproximar de nós e nos permitir permanecer próximos de Seu coração.
Ela destaca uma resposta à Sua ação que todos poderíamos dar: “Eu creio, de todo o meu coração, que o senhor, Jesus, é o caminho, a verdade e a vida”.
Quando trabalho com as pessoas em preparação para o Rito da Iniciação Cristã de Adultos, sempre digo que se juntar à Igreja não é apenas um processo de “tornar-se católico”, e sim de “sair do armário” e dividir com as demais pessoas o fato de que estamos nesta caminhada de fé em direção a Jesus – que há algo n’Ele que nos cativa, algo que o torna irresistível para segui-lo sempre mais de perto.
O Evangelho de hoje não fala exatamente de uma mulher que crê em Cristo, mas da mulher que cumpre o papel de ajudar Jesus a proclamar o Evangelho. Este relato faz recordar que o nosso batismo nos liga a uma vida no discipulado. Atualmente, podemos estar “casados” com o amor errado: drogas, álcool, a sede pelo poder ou dinheiro, sexo, ou mesmo controlar o outro. Assim podemos ouvir Jesus a dizer: “E o homem que você tem agora não é o seu marido”. Ajudaria se tentássemos responder à pergunta: “Como podemos priorizar a nossa vida de forma que Cristo esteja no centro?”
Quando encontramos o Cristo vivo (nos sacramentos ou em nossas experiências diárias) e mergulhamos neste encontro, necessariamente nos transformamos. E esta transformação deve nos levar ao discipulado. O discipulado tem um custo. Exige que eu seja um cristão melhor, uma pessoa que não vive com medo ou ansiedade. Uma autoimagem negativa – como a que tinha a Mulher Samaritana, ou a que eu tinha quando mais jovem – não reflete que sou alguém amado por Deus. Uma pessoa que Deus ama não está sozinha e não é abandonada sem nada.
Eu ainda estou me curando das experiências que tive. A mulher se libertou e disse ao seu povo: “Venham ver um homem que disse tudo o que eu fiz”. Tive pessoas em minha vida que ajudaram a dividir os meus sentimentos e curar as minhas amarguras. Elas me mostraram as partes de mim mesma que estavam escondidas, que eu mesma não admitia. É uma nova forma de “sair do armário”.
Quais as coisas que precisamos para os libertar? Jesus não quer que mudemos o nosso passado vergonhoso, mas sim que transformemos a nossa relação com Ele. Quando a mulher deixou o encontro no poço, a aparência exterior dela não mudou: ela ainda era a Samaritana, uma mulher saindo do poço num momento incomum. Mas, agora, ela saiu com uma outra orientação quanto à missão, enquanto antes ela estava simplesmente com medo e envergonhada.
O Tempo da Quaresma nos convida a sair do armário e a aprofundarmos a nossa conversão em Jesus. Espero que tenhamos a força para dar estes passos de maneira que nós, como os aldeões no fim do Evangelho de hoje, possamos proclamar com a nossa humanidade inteira – com os pontos fortes, com os embaraços – que Jesus é “verdadeiramente o salvador do mundo”.
Perguntas para refletir:
O que em sua vida ainda precisa sair do armário? O que em sua vida carece da água vivificante? Quem são os seus “maridos”? Quem fica no caminho de Deus, o seu verdadeiro e único amor?
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“Sair do armário” para proclamar o Evangelho de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU