10 Março 2017
Em "Silêncio", o ator Issey Ogata rouba todas as cenas de que participa. Ele interpreta um funcionário do governo, o Inquisidor, que emprega diversos métodos, entre os quais tortura, para tentar forçar o personagem de Andrew Garfield, Rodrigues, a abrir mão de seu Deus.
A entrevista é de Cara Buckley, publicada por New York Times e reproduzida por Folha de S. Paulo, 09-03-2017.
Ogata, ator e humorista, empresta tal profundidade, humor e curiosidade ao papel que teria merecido indicação automática para o Oscar de ator coadjuvante.
Na sede da Paramount em Los Angeles, Ogata, com dignidade e graça impecáveis apesar do intenso "jet lag" do voo que o trouxera do Japão, conversou com a autora desta coluna – que sofre de "jet lag" mesmo que a diferença de fuso horário seja de uma hora.
Eis a entrevista.
O sr. conhecia os inquisidores antes do filme?
Eu conhecia apenas uma parte da história, bem superficialmente, que se passa cerca de cem anos antes da história de "Silêncio" – a visita de Francisco Xavier para divulgar o cristianismo no Japão. E sabia que anos mais tarde um dos xoguns decidiu proibir a religião cristã.
Os métodos de tortura usados pelo governo eram muito criativos e muito incômodos. O sr. os conhecia?
Fiquei muito chocado ao descobrir a extensão da crueldade. Os métodos eram mais psicológicos – água quente, crucifixão, fogo. O que fazia sentido para mim é que o governo do Japão se sentisse muito incomodado por seu povo – que deveria respeitar e acreditar em seu governo e em seu país acima de tudo – ter decidido entregar o coração a Deus, a esse ser de outro país. E por isso existiu intensa frustração e ciúme.
Parecia que o seu personagem estava profundamente interessado nos motivos dos missionários para fazerem o trabalho deles. Isso foi instrução de Scorsese ou algo que lhe ocorreu naturalmente?
Fico feliz por você dizer isso. Quando interpretei o papel, meu foco mais intenso era naquilo que Rodrigues podia estar sentindo, o lugar em que ele se encontrava, espiritualmente. O Inquisidor, aprendi durante a minha pesquisa, era cristão, mas, como alto funcionário do governo, veio a ser encarregado de perseguir os cristãos.
Andrew Garfield disse que se sentiu um completo novato ao atuar ao lado do sr. e dos outros atores japoneses, profundamente preparados. A sensação dele era a de que seu trabalho era quase superficial.
Oh, isso é ridículo. [Risos.] Eu admiro muito o trabalho de Andrew, a incrível jornada de seu personagem, e a maneira pela qual a interpretou é muito comovente.
Até onde sei, o sr. conseguiu o papel enviando um vídeo e esperou anos. É verdade?
Sim, basicamente isso. Primeiro gravei o vídeo, e depois me encontrei com Marty, em 2009. Fui escalado, mas o filme foi adiado por seis anos.
Como é trabalhar com ele?
Minha sensação é a de que Marty é a pessoa mais feliz no estúdio. E assim, a cada vez eu o via, me sentia realmente inspirado, e é contagioso, uma espécie de felicidade, e sempre me fazia sentir que eu gostaria de dar o máximo, dar tudo, para o filme e para Marty. Esse tipo de inspiração e crença talvez seja parecido com a fé.
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Silêncio. Para ator japonês experiência com Scorsese foi quase espiritual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU