13 Fevereiro 2017
Acaba de ser lançada na Itália uma nova tradução das obras de Confúcio. Aparentemente, é mais uma; historicamente, porém, é a primeira. A primeira em absoluto. Por trás desse paradoxo, escondem-se a vida e os esforços de um homem que doou à China muitos anos da sua vida, há mais de 400 anos.
A reportagem é de Sergio Basso, publicada no jornal La Repubblica, 07-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No século XVI, os jesuítas se tornaram protagonistas de um ímpeto missionário formidável que, das costas lusitanas, os levou a pregar o Evangelho na Índia, no Japão e, finalmente, na China. Mas a missão, no Império do Meio, acusou os primeiros reveses: em 1590, a Espanha estava avaliando se devia declarar guerra à China, os mandarins estavam cientes dos objetivos expansionistas dos europeus, e os jesuítas, consequentemente, eram vistos com profunda suspeita.
No Escorial, questionava-se sobre as brechas jurídicas que justificariam o ataque aos olhos do mundo. Filipe II, portanto, convocou ao palácio real fora de Madri um jesuíta italiano que tinha acabado de voltar da China, com os esboços para um atlas. Não se trata de Matteo Ricci, o nome que logo vem à mente sempre que se fala dos primeiros encontros entre intelligentsia ocidental e mandarins chineses na Idade Moderna.
Ele se chamava Pompilio Ruggieri, vinha da Puglia e tinha estudado em Nápoles entre os estímulos de colegas de classe de talento deslumbrante como Torquato Tasso. Mas, depois, tinha escolhido a fé e a China. Com os votos, assumiu o nome de Michele e viveu no Oriente de 1579 a 1588, preparando o terreno para os missionários jesuítas.
É por isso que, em 1591, Ruggieri foi recebido no Escorial. Filipe II, soberano meticuloso, no fim do encontro, pediu que Ruggieri lesse uma antologia dos filósofos chineses. E foi assim que Michele decidiu completar uma obra que ele levava adiante há muito tempo, a tradução em espanhol de alguns dos clássicos confucianos. Era a primeira vez em absoluto que Confúcio era traduzido para uma língua ocidental.
Mais de 300 anos depois, o trabalho Ruggieri foi descoberto por Julian Zarco, bibliotecário do Escorial, em 1921. Finalmente, saiu a sua versão italiana, editada e com um impecável prefácio de Eugenio Lo Sardo (Confucio. La morale della Cina [Confúcio. A moral da China], De Luca Editori d’Arte). Eis o paradoxo revelado.
Mas de onde nasceu a dedicação de Michele pela China? Desde adolescente, ele tinha sonhado com o Oriente, graças aos diários de viagem de alguns mercadores – o italiano Galeone Pereira em 1565 e o frei dominicano Gaspar da Cruz, em 1569 – e aos relatórios dos jesuítas à “casa-mãe” em Roma.
Já em 1578, ele pregava em Goa pela Societas Jesu. A rapidez na assimilação da língua local convenceu seus superiores de que ele era o homem para expandir a difusão do Verbo ainda mais ao Oriente, à China. Mas Ruggieri lutou nada menos do que três anos para superar o limbo burocrático em que as autoridades chinesas o seguravam junto ao posto avançado meridional do império, em Macau.
O cristianismo já tinha penetrado na China, desde o século VII, com os nestorianos; mas o problema não era entrar, era permanecer. Por exemplo, o núcleo cristão criado na virada dos séculos XIII e XIV pelo franciscano Giovanni da Montecorvino, ex-bispo de Pequim, já tinha desaparecido completamente durante a dinastia Ming: a China do fim do século XVI não é a China cosmopolita da dinastia mongol Yuan de três séculos antes.
O problema mais importante era que Ruggieri encalhou com o chinês. É por isso que os jesuítas mandaram Ricci, nove anos mais jovem: na Itália, Matteo tinha provado ser um prodigioso assimilador de idiomas, graças às suas práticas mnemônicas.
No dia 7 de agosto de 1582, Ricci desembarcou em Macau, e a missão jesuíta mudou de rumo. Para entender a radical diferença de índole entre Ruggieri e Ricci, um sonhador e o segundo pragmático, o primeiro fantasiou que podia encantar o soberano chinês levando-lhe de presente coisas bizarras, como um avestruz. Ricci intuiu que, para romper o muro de borracha da corte, ao contrário, era necessária a ciência. Ele ensinou a mnemônica aos filhos dos mandarins influentes, de modo que pudessem ir bem nos exames imperiais, e eles o fizeram entrar nos círculos que importavam. Inicialmente, com a cumplicidade do cabelo curto à la italiana e a barba longa à la portuguesa, ele se fez passar por um monge budista estrangeiro. Os companheiros chineses, no entanto, revelaram-lhe o enorme erro estratégico: os budistas podem contar com uma ascensão social limitada; se Matteo quisesse apontar para o alto, seria melhor imitar um confuciano.
O confucionismo é a doutrina desenvolvida pelo filósofo Kong na virada dos séculos VI e V a.C., que se fazia as mesmas interrogações de que Platão se ocuparia na “República” um século mais tarde: qual deve ser o fim de um líder? Qual deve ser o papel do homem na família, na sociedade? Confúcio produziu um sistema filosófico que, ao longo dos séculos, soube produzir funcionários estatais de altíssima retidão moral.
Enquanto isso, Michele foi chamado novamente para a Europa para organizar uma embaixada papal em Pequim, uma nova missão que nunca seria realizada. Ele levou consigo os rascunhos dos mapas para aquele projeto de atlas da China que tanto interessaria Filipe II, e um inseparável servo sino-português.
Dos quatro livros confucianos que interessaram Ruggieri, “O grande estudo”, “O justo meio”, “Os diálogos” e o “Mêncio”, apenas um capítulo do primeiro certamente é autêntico; o resto é sistematização dos discípulos.
A obra de Ruggieri ainda hoje é de um frescor fascinante, pois permite entrar na oficina do tradutor que lida com alguns problemas básicos. O próprio nome de Confúcio (Kong fuzi, “o venerável mestre Kong”) é transcrito pela primeira vez e, portanto, apresenta alguma incerteza: “Confu”, “Confussio”, “Confusio”.
Entre os preceitos que Confúcio sugere ao bom governante, ainda brilha este com a voz de Ruggieri: “Dê proteção aos estrangeiros. Acompanhe-os quando vão embora, vá ao seu encontro quando chegam, louve os bons, tenha compaixão dos ignorantes: isso atrai os estrangeiros”. Ah, se fôssemos confucianos...
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O jesuíta "rival" de Matteo Ricci que traduziu Confúcio pela primeira vez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU