03 Abril 2014
A causa de beatificação do grande missionário jesuíta está em estudo no Vaticano, enquanto a de seu amigo ainda está empantanada também por causa das atuais dificuldades da diocese de Shanghai. Mas, esperar por beatificá-los juntos seria um gesto muito importante para a Igreja chinesa, para sua companhia e para o próprio conceito de carisma missionário. Uma análise do jesuíta francês.
O artigo é de Benoit Vermander, jesuíta francês, cientista político, sinólogo, publicado por Asia News, 26-03-2014.
Em maio de 2013, a primeira fase da causa de beatificação de Matteo Ricci se encerrou em Macerata, diocese natal do missionário. A pasta de documentos está agora no estúdio da Congregação para as Causas dos Santos no Vaticano. Há algum tempo se ampliaram as requisições para a beatificação e a canonização de Ricci.
Que Ricci mereça ampliações para ser canonizado é um fato que vai além de qualquer dúvida. A retidão de seu caráter, a infinita paciência, perseverança e humildade que mostrou durante todo o percurso chinês e os frutos amadurecidos de sua missão dão todos testemunho da santidade de um homem que é respeitado e até amado por muitos chineses.
A pergunta é: deveria ser beatificado sozinho, ou sua causa abre a oportunidade de uma nova aproximação à questão? Ricci iniciou sua peregrinação chinesa publicando um pequeno livreto de título “Sobre a amizade”. Seu processo de beatificação deveria refletir o espírito com o qual conduziu o seu empenho missionário. Em outras palavras: não beatificar Matteo Ricci sem beatificar na mesma ocasião Xu Guangqi. Há três razões para unir os dois amigos numa causa comum.
A primeira é que também Xu Guangqi é um homem cuja vida fala de santidade. A segunda é que isto mudará o modo pelo qual a história missionária é em geral apresentada. A terceira é que isto seria realmente o melhor presente que Roma poderia dar à Igreja chinesa e à China em geral.
Xu Guangqi (1562-1633) é conhecido na China como um extraordinário intelectual e funcionário público, autor de um tratado enciclopédico sobre as técnicas agrícolas, um patriota que testemunhou o enfraquecimento progressivo da dinastia Ming e procurou defende-la das agressões, um matemático e um astrônomo.
E, no entanto, estas qualidades humanas poderiam não bastar para fazê-lo ser proclamado santo.
Por conseguinte, o que mais deveria mostrar? Em primeiro lugar, queremos notar que Xu se fez tomar por objetivos práticos somente após a primeira experiência de conversão, cuja profundidade foi impressionante: o seu batismo, ocorrido em 1603, foi preparado por longas meditações sobre os Clássicos chineses, diversas e repetidas experiências de falência e dor, um sonho – ocorrido em 1600, um templo com três capelas interpretado em 1605 como uma imagem da Trindade – e uma profundíssima emoção por ocasião da visita de uma imagem de Nossa Senhora com o Menino em Nanjing.
Uma vez batizado, conduziu à nova fé toda a sua casa: não só os parentes e os servos seus dependentes, mas até seu próprio pai. Os seus descendentes – e de modo particular a bisneta Camilla Xu – protegerão a comunidade católica de Shanghai.
Nos trinta anos que separam o batismo de sua morte, Xu Guangqi, em continuação, protegeu, aconselhou e até guiou os missionários, enquanto desenvolvia uma vida espiritual ancorada no autoexame e no diálogo entre as tradições.
Entre os outros testemunhos temos aquele de Longobardo, um jesuíta que se opusera à estratégia de inculturação de Ricci através de uma espécie de “contra pesquisa” sobre a ortodoxia dos chineses convertidos, Longobardo – embora não querendo – nos permite apreciar a profundidade e a liberdade interior da visão espiritual de Xu.
Além disso, o modo pelo qual Xu traduziu sua fé em planos de ação práticos e corajosos nos recorda o caráter moral de Ricci: ambos os homens são menos inclinados a escrever sobre seus sentimentos do que empenhar-se naquela que percebem ser a sua vocação.
Isto poderia também recordar-nos o início de “A contemplação para alcançar o amor” dos Exercícios Espirituais: “O amor deveria manifestar-se nos fatos além das palavras e o amor consiste no intercâmbio entre as duas partes... Portanto, se alguém tem o conhecimento o dá a quem não o tem”.
Precisamente este tipo de intercâmbio nutriu a amizade que Xu desenvolveu com Ricci e inspirou sua atitude ante a própria carreira. Se também Xu não fez a experiência do martírio, como ocorreu com Tomás Morus, sua coragem e suas metas são muito semelhantes àquelas deste grande leigo e santo católico.
A beatificação conjunta de Ricci e Xu mudaria, consequentemente, o modo pelo qual a história missionária é frequentemente contada: não uma história de recepção passiva, mas antes de ativa colaboração.
Mostraria que os primeiros convertidos se empenharam, com uma abertura e uma força excepcional, na construção com os missionários da Igreja local. E também mostraria que estes convertidos levaram consigo, desde o início, a riqueza das tradições. Diria aos fiéis que todos os carismas são necessários e devem unir-se quando se funda uma comunidade cristã na vida do Espírito.
Enfim, uma beatificação comum seria muito mais significativa para a população chinesa contemporânea, incluídos os católicos chineses, em relação àquela de um único missionário. Enviaria uma mensagem de amizade, colaboração e igualdade espiritual.
Ainda mais importante, a multiforme figura de Xu – uma das “três pilastras da Igreja chinesa” (junto a Li Zhazhao e Yang Tingyun) – poderia conduzi à reconciliação entre todos os setores da Igreja, assim como entre a Igreja e a sociedade. Junto de tudo isto, associar Ricci e Xu enviaria a mensagem de uma Igreja que aponta à universalidade, em meio a um diálogo entre as culturas locais e na variedade das experiências de vida.
É verdade que as atuais dificuldades da diocese de Shanghai tornam a causa de beatificação de Xu muito mais lenta e complicada do que a de Ricci. Mas, precisamente estas dificuldades deveriam impelir Roma a instituir a causa com mais diligência: há muitos caminhos através dos quais uma causa do gênero poderia progredir.
Passaram mais de quatro séculos desde que Ricci chegou ao Paraíso. Estou convencido que esperaria voluntariamente qualquer outro ano para ser reconhecido como Beato e Santo, em companhia de seu amigo Xu Guangqi.
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Matteo Ricci e Xu Guangqi, dois santos que a Igreja chinesa merece ver juntos sobre os altares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU