01 Fevereiro 2017
O atual presidente dos Estados Unidos dedica ao México o terceiro capítulo do seu livro intitulado "Bons muros fazem bons vizinhos".
A reportagem é publicada por Informador.mx, 30-01-2017. A tradução é de André Langer.
Apresentamos, na sequência, um resumo da leitura do livro Great Again (Grande Novamente) que Carlos Slim recomendou insistentemente na entrevista coletiva que concedeu na sexta-feira passada.
O livro, publicado originalmente em 2015 com o título Crippled America (Estados Unidos Paralisados) expõe o programa que o atual presidente dos Estados Unidos planeja aplicar na política interna e externa, assim como os meios que pensa usar para colocar em prática as medidas que propõe, entre elas o muro entre o México e os Estados Unidos.
Great America mostra os componentes da estratégia que levou Donald Trump à Casa Branca. Às grandes empresas oferece abrandamento das medidas para proteger o meio ambiente e um exército gigantesco, com a derrama econômica que trará consigo. Para a classe média e baixa há promessas de mais empregos e menos impostos, defesa da religião e do direito de portar armas, mas, de modo especial, um sentimento de revanche no plano internacional. É aí que o México exerce um papel importante.
De acordo com Trump, o problema dos Estados Unidos é que deixaram de “ganhar” e perderam respeito. O mundo, afirma o atual presidente eleito, não vê os Estados Unidos como o Tio Sam, mas como o Tio Deficiente. A lista de países que se teriam aproveitado da nobreza estadunidense é longa e abrange praticamente todo o mundo. Mas há um país que merece um lugar especial na lista de queixas de Trump: o México.
Carlos Slim não falava de maneira superficial quando afirmava que é preciso ler Great Again para entender Trump. A relação com o México ocupa o terceiro capítulo do livro, depois de uma introdução geral (“Ganhando novamente”) e um ataque aos meios de comunicação (“Nossa ‘imparcial’ imprensa política”). Na vida real, assim como no livro, o muro fronteiriço foi uma das primeiras questões realizadas por Trump.
O capítulo dedicado ao México tem por título “Bons muros fazem bons vizinhos”. Fiel ao seu estilo, Trump mistura elogios bombásticos com ataques. “Tenho muitíssimo respeito pelas pessoas do México”, escreve. “As pessoas têm um espírito fantástico. De fato, trato com empresários mexicanos. Mas esses empresários não são as pessoas que o governo mexicano nos está enviando”.
“A construção do muro deve começar o quanto antes. E o México tem que pagar por ele. Deixe-me repetir isso: de uma forma ou de outra, o México tem que pagar por ele”, escreve.
O capítulo está cheio de mentiras e meias verdades. Não importa que esteja documentado que a migração do México para os Estados Unidos esteja em franco declínio e que de fato entre 2009 e 2014 mais mexicanos voltaram ao México do que aqueles que entraram. Não importa que o atual presidente dos Estados Unidos defenda seu projeto argumentando que o próprio México tem um muro em sua fronteira com a Guatemala, o que é falso. Os “fatos alternativos” expostos no livro foram adotados como verdades oficiais por muitos seguidores de Trump.
Na época em que escreve Great Again, em 2015, Trump já tinha em mente estratégias para obter do México recursos para pagar pelo muro. “Como?”, pergunta. “Nós poderíamos aumentar os vários impostos de fronteira que cobramos. Poderíamos aumentar o custo dos vistos temporários. Poderíamos inclusive expropriar as remessas oriundas de salários ilegais. Os governos estrangeiros poderiam começar a dizer às suas embaixadas para que ajudem; caso contrário, correriam o risco de ter relações problemáticas com os Estados Unidos”.
Não esclarece a quais “governos estrangeiros” Trump está se referindo, embora implicasse a inclusão de outros países além do México e dos Estados Unidos na questão.
“Se necessário, poderíamos pagar pelo muro através de uma tarifa”, continua o empresário, “ou cortando a ajuda econômica para o México, ou simplesmente deixando claro para o governo mexicano que pagar por ele é conveniente para a sua benéfica (para eles) relação com os Estados Unidos”.
“O muro será um bom início, mas por si só não será suficiente”, afirma o atual presidente, que, dentre as medidas usadas no passado para regular a migração, elogia a Operação Wetback (Operação Costas Molhadas), operacionalizada em 1954 durante a Administração de Dwight Eisenhower.
“Mesmo com esse terrível nome foi bem sucedida”, explica Trump. “Tratou-se de um esforço conjunto entre o Serviço de Imigração e Naturalização e o governo mexicano. Foram criados grupos especiais de imigração para processar e deportar imigrantes ilegais. Uma das razões pelas quais funcionou era que as pessoas presas eram entregues a agentes mexicanos que os levavam ao centro do México, onde puderam encontrar empregos”.
Neil Foley, autor do livro Mexicans in the making of America, descreve a operação como uma “expulsão em massa”, de caráter “quase militar”. O fato de que Trump tenha em mente esse antecedente histórico pode oferecer um indício de suas intenções em relação à migração.
O México é apenas a primeira conta pendente na lista de Trump, que diz: “se vamos ser a polícia do mundo, pelos menos deveriam nos pagar’. E explica: “nós defendemos a Alemanha. Nós defendemos o Japão. Nós defendemos a Coreia do Sul. São países poderosos e ricos. Nós não ganhamos nada deles”.
Trump usa uma frase de Mike Tyson para definir sua política externa: “todo o mundo tem um plano até que leva um soco na boca”. Propõe combater o Exército Islâmico bombardeando os poços de petróleo do Iraque e da Síria e afirma que se o Irã não permitir a inspeção de suas instalações atômicas não haverá outro remédio senão “agir militarmente”. Além disso, promete “ser duro” com a China.
Na política interna, defende o direito dos cidadãos de comprar e portar armas (um ponto irrenunciável para os conservadores dos Estados Unidos), declara-se profundamente cristão, nega a mudança climática e promete permitir a exploração dos hidrocarbonetos dos Estados Unidos usando o “fracking” ou a estimulação hidráulica, que consiste na perfuração de poços para depois injetar líquido de alta pressão para liberar o gás e o petróleo. A técnica é controversa, porque há razões comprovadas para pensar que pode provocar terremotos.
Como observa Carlos Slim, que afirma que “Trump não é Terminator, mas ‘Negociator’”, em Great Again o termo “negociação” e seus derivados aparecem constantemente. Uma leitura atenta da maneira como Trump negocia no plano internacional pode dar a ideia de como procederá com a questão do muro fronteiriço. Trump não exclui entabular um diálogo com o Irã para evitar a intervenção militar e depois chamar a China de “inimiga”. E explica: “temos que usar os fatores a nosso favor para mudar a situação de modo a favorecer os Estados Unidos e a nossa população. Temos que ser duros com os chineses”.
A “doutrina Trump” poderia ser resumida deste modo com as palavras de seu autor: em primeiro lugar, “operar a partir de uma posição de fortaleza econômica” e, em segundo lugar, “pensar grande. Eu aponto muito alto e sigo pressionando e pressionando para esse objetivo e mais além. Em suma, pode ser que não obtenha tudo o que quero (entendo isso), mas nunca vou comprometer os objetivos básicos que eu me proponho".
Para os interessados no livro, ele está disponível no México em versão eletrônica em lojas on-line como Gandhi.com e Google Store por um preço que oscila entre os 200 e os 300 pesos, embora no momento não se encontre tradução oficial para o espanhol.
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A ‘doutrina Trump’ explicada no livro recomendado por Carlos Slim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU