05 Janeiro 2017
A pesquisadora descarta soluções mágicas e promove o desenvolvimento de estratégias para a detecção precoce. O aumento da curva de envelhecimento saudável e as novas tecnologias para sua previsão. Na Argentina, 400 mil idosos desenvolvem este mal.
No mundo inteiro, a expectativa de vida tem aumentado significativamente nos últimos 200 anos. Se em 1850 um adulto atingia o auge de sua existência aos 45 anos, estima-se que em 2050 (de acordo com os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde), o normal será alcançar as nove décadas. No entanto, viver mais tempo não é equivalente a viver melhor: a curva de transtornos neurodegenerativos aumenta a cada dia e estima-se que existam 400 mil pacientes com a Doença de Alzheimer (DA) no país e cerca de 40 milhões de casos em todo o mundo.
O Alzheimer é um dos maiores enigmas da ciência. Provoca perda de orientação, memória e juízo, enquanto causa deterioração física e mental, dificuldade de socialização e esquecimento do histórico individual. Por sua complexidade, causa um problema de múltiplas faces na estrutura familiar - porque um parente em idade trabalhista ativa deve dedicar-se exclusivamente para o cuidado do paciente -, social - por conta de seu elevado impacto epidemiológico - e financeiro - porque o custo de acesso ao tratamento é considerável.
Laura Morelli é pesquisadora do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET) no Laboratório de Amiloidose e Neurodegeneração do Instituto Leloir. Ela dirige o Programa de Medicina Translacional para Inovações na Investigação, Diagnóstico e Tratamento da Doença de Alzheimer. Aqui, ela explica o que sabe sobre a doença, convida a imprensa para rejeitar a comunicação de receitas mágicas e anuncia o desenvolvimento de uma tecnologia que permitirá a previsão de patologia.
A entrevista é de Pablo Esteban, publicada por Página/12, 04-01-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Eis a entrevista.
É curioso porque sempre estive certa de estudar Letras, mas tive uma professora, no último ano do ensino médio, que me convenceu a seguir no caminho da química. Como tive um bom desempenho na área, decidi aceitar o conselho e tentar a sorte no curso de Bioquímica da Universidade de Buenos Aires. No entanto, não foi tão simples assim. Fui reprovada no exame de matemática para o ingresso na universidade, porque eu estava tão nervosa que não observei que as instruções se estendiam para o verso da folha. Dessa forma, acabei fazendo apenas metade dos exercícios, fui mal e perdi um ano. Enfim, logo ingressei e não houve nenhum problema. No último ano da Licenciatura, um professor de Imunologia ofereceu-me trabalho em sua disciplina, e eu aceitei o convite. Então comecei a fazer pesquisas no CONICET e segui o caminho acadêmico que geralmente é feito, com programas de pós-graduação e outras coisas.
Depois de completar o doutorado, em 1991, comecei a ler por conta os meus primeiros trabalhos sobre bioquímica e genética do cérebro. Existia um laboratório dos Estados Unidos que havia descrito a primeira mutação associada a uma doença degenerativa (a partir da associação de uma proteína localizada no cérebro com um tipo de demência). Surgiu a oportunidade de trabalhar lá, então não hesitei. Adquiri experiências valiosas e regressei para formar uma equipe, em 1995, junto com o Dr. Eduardo Castaño. Assim, desenvolvemos um espaço focado em bioquímica e genética de demências, com ênfase no Mal de Alzheimer.
Porque engloba uma grande variedade de manifestações clínicas que não são idênticas entre si. Existe uma forte contribuição genética e existem cerca de 300 famílias em todo o mundo que herdaram a doença de uma forma autossômica dominante (isto é, uma mutação genética que é transmitida com a descendência). Nós, na Argentina, descrevemos alguns grupos. Esta é uma variante da patologia que tem pouca relação com o Alzheimer dos avós, que emerge esporadicamente. Nestes casos, as pessoas não têm um gene transmutado que lhes gera a doença.
Sabemos que existe um conjunto de genes que predispõem as pessoas para a contração da doença e, a partir desse ponto, procuramos predefini-las para conseguir uma previsão global do risco da doença. Os fatores vasculares - como a hipertensão e a hipercolesterolemia- são muito importantes para o seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, há um estilo de vida que também tem impacto sobre o aparecimento da doença. Refiro-me a algumas práticas habituais, como o sedentarismo e o tabagismo. A Doença de Alzheimer aparece depois dos 65 anos e progride nos idosos maiores de 80 anos, momento em que 1 a cada 2 pessoas está em estado de demência.
Sim. Nosso objetivo é que aumente a curva de envelhecimento saudável. Para que haja um paciente com demência é preciso que progridam muitos aspectos que poderiam ser controlados por volta dos 50 anos. Por isso, o que nós tentamos transmitir é que se trata de uma patologia integral que depende de múltiplos fatores e, para sermos honestos, é pouco provável que surja uma pílula que a cure. Será fundamental que seja feita uma abordagem muito mais abrangente e diagnóstico prematuro.
Temos de ser muito cuidadosos com o modo em que são comunicadas as notícias acerca de curas hipotéticas ou tratamentos mágicos. A nível de políticas da saúde, tenta-se atrasar a divulgação das pesquisas ao menos por um par de anos. Essas mudanças modificam muitíssimo o panorama médico, pois retardada a hospitalização e internação dos pacientes, e causa um enorme impacto sobre a economia pública, porque os custos são reduzidos.
Exatamente. Quando o médico recebe um paciente de 80 anos com perda de memória, de orientação e de julgamento, gera-se um custo muito elevado porque ele necessitará de cuidados rigorosos. Um familiar deverá deixar o circuito trabalhista para poder cuidá-lo.
Pode-se estudá-lo por intermédio de imagens e determinar a quantidade de péptidos que estão depositados no cérebro (mediante a técnica de tomografia por emissão de pósitrons - PET), pode-se calcular a funcionalidade da glucose (isto é, se todas as áreas do cérebro consomem nutrientes de forma normal), assim como realizar exames de ressonância magnética nuclear (para medir o volume da área do hipocampo). Tudo isso no âmbito de um diagnóstico clínico.
Utilizamos modelos animais muito básicos, tais como moscas, ratos, camundongos, e há alguns anos, realizamos estudos mais sistematizados com a nossa população argentina. Tudo o que líamos acerca da doença estava relacionado com os pacientes do norte, sejam europeus ou norte-americanos. De modo que, se existia algum impacto da ascendência na previsão do risco de adquirir a doença em nossas latitudes, definitivamente, não havia sido observado ainda.
Fizemos um estudo de caso controlado para examinar quais eram os genes indicadores de previsão de risco nos países nórdicos, para logo comparar os dados com o que estava acontecendo com nosso povo. Trata-se de uma iniciativa conduzida pela Agência Nacional de Promoção Científica e Tecnológica, da qual também participam pesquisadores do Centro de Neuropsiquiatria e Neurologia Cognitiva (Cenecon) da Faculdade de Medicina da UBA, do Hospital Eva Perón (em San Martín) e do Instituto Mercedes e Martín Ferreyra, em Córdoba. Realizamos o primeiro estudo com pacientes de vários hospitais da cidade de Buenos Aires e observamos que eles não advinham de uma etnia caucasiana e que, portanto, os genes que são importantes nas pesquisas do norte não são tão fundamentais para nós.
Nossa proposta é semelhante ao que é feito em outros países: selecionar um conjunto de genes que nos permita prever quais são os riscos globais que identificam a doença nos habitantes da Argentina. Este arranjo de genes em que poderíamos fazer as previsões, inclusive poderia ser útil para toda a América Latina.
O objetivo é determinar 10 variantes genéticas específicas, mediante o desenho de uma tecnologia que, a partir de algoritmos, exiba a previsão dos riscos de patologia. Soma-se a incidência de genes em um esquema que contempla fatores genéticos, os riscos vasculares e o histórico familiar. Tudo isso proporcionaria uma pontuação para prever a probabilidade de que uma pessoa de 50 anos, por exemplo, desenvolva a Doença de Alzheimer. Se pudermos antecipar e prever um possível desenvolvimento da doença, as perspectivas poderiam ser alteradas substancialmente. Estamos no caminho.
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"É pouco provável que surja uma pílula que cure o Alzheimer" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU