15 Dezembro 2016
“Nossa jornada começou numa carona que lhe dei em 08.12.69 para o almoço depois da ordenação episcopal do capuchinho dom Daniel Tomasella, segundo bispo de Marília. Inúmeras viagens e memórias do meu mestre e irmão bispo Paulo Evaristo. (...) A coerência de dom Paulo abrindo mão do palácio por uma simples casa, a comunhão de bens por ele praticada e incentivada, a determinação de caminhar de esperança em esperança sem se abater, de tranco em tranco com ousadia e muita coragem, fez dele o pastor amado pelos pobres, oprimidos e perseguidos. Em longos anos como emérito, sem desmerecer os que o sucederam, permaneceu sendo o bispo de São Paulo”, escreve dom Mauro Morelli, bispo emérito da Diocese de Duque de Caxias e missionário na Serra da Canastra.
Eis o artigo.
Com o coração agradecido uno-me a tantas vozes louvando a Deus pela vida do mestre, pastor e profeta arrebatado hoje para o Reino da Vida.
Em 1968 ocorreu de fato a efetiva separação e ruptura da Igreja com o Estado. Neste contexto o Papa Paulo VI, em 1970, convoca o Cardeal Rossi a Roma para assumir a Congregação para a Evangelização dos Povos e designa dom Paulo como arcebispo da capital paulista.
Franciscano enamorado da Senhora Pobreza e irmão de toda a criatura, historiador e profundo conhecedor da Teologia dos Padres da Igreja dos primeiros séculos, o bispo catarinense Paulo Evaristo fora providencialmente escolhido para um pastoreio que exigiria firmeza na Fé, capacidade de leitura da realidade e determinação. Paulo VI tinha um olhar penetrante.
Com a presidência de dom Paulo, a regional paulista da CNBB reveste-se de estrutura colegiada promovendo o ministério da coordenação que provoca intenso intercâmbio entre as dioceses, com a participação dos presbíteros e leigos, casais e jovens.
Um processo de planejamento pastoral foi inaugurado e instalado como exercício da colegialidade pastoral e da sinodalidade eclesial como instrumento de resposta adequada da evangelização às exigências e provocações da realidade dominada pela ferocidade do Poder Econômico.
Como fruto do diálogo dos bispos com religiosos e religiosas, em assembléia conjunta, firmado o documento “Vida Religiosa na Igreja Particular”. Superando a si mesmo, o episcopado paulista assume a defesa da vida e da dignidade humana com o pronunciamento pastoral contra a tortura: Testemunho de Paz (Documento de Brodosqui), posteriormente reeditado como “Não oprimas teu irmão”.
À frente da arquidiocese de São Paulo, dom Paulo Evaristo por recomendação do papa Paulo VI, aplicando os princípios da colegialidade pastoral e da sinodalidade encaminha um projeto inovador de Igreja nas grandes cidades em que autonomia e comunhão seriam marcas das estruturas eclesiásticas, não a independência e o isolamento.
O colégio episcopal por ele presidido assume a tarefa da formação de nove dioceses com regime especial de c munhão de bens e de responsabilidades. A sinodalidade é vivenciada no processo de planejamento pastoral em que se definiam diretrizes e prioridades. Assim em todas as regiões e em todos os níveis da Igreja Arquidiocesana quatro prioridades tornam-se compromisso da igreja em sua vida e missão: Comunidades Eclesiais de Base, Operação Periferia, Mundo do Trabalho e Direitos Humanos.
O testemunho pessoal de dom Paulo foi a força que aglutinou as energias da cidadania que não se dobrou diante da repressão violenta e cruel. A coerência de dom Paulo abrindo mão do palácio por uma simples casa, a comunhão de bens por ele praticada e incentivada, a determinação de caminhar de esperança em esperança sem se abater, de tranco em tranco com ousadia e muita coragem, fez dele o pastor amado pelos pobres, oprimidos e perseguidos. Em longos anos como emérito, sem desmerecer os que o sucederam, permaneceu sendo o bispo de São Paulo.
Com a morte de Paulo VI novos ventos sopraram e agitaram a Barca de Pedro. Em tempo de crise a busca de refúgio e de preservação da espécie dá ensejo ao surgimento da centralização e do conservadorismo. A crise atual é mais séria e profunda do que muitos imaginam! Crise civilizatória. Assim perdemos a oportunidade de ser Igreja nos grandes centros urbanos sem esquartejar bairros e ruas, reféns de nossos feudos e estruturas inadequadas.
Sinto-me honrado e privilegiado pelos dez anos de fraternidade e companheirismo com o saudoso franciscano pastor das periferias geográficas e existenciais, intrépido defensor da dignidade humana e promotor de democracia, Paulo Evaristo Arns que me ordenou bispo.
Nossa jornada começou numa carona que lhe dei em 08.12.69 para o almoço depois da ordenação episcopal do capuchinho Dom Daniel Tomasella, segundo bispo de Marília. Inúmeras viagens e memórias do meu mestre e irmão bispo Paulo Evaristo. Na comunhão dos santos interceda pela Terra da Santa Cruz nesta tempo de trevas. Paz e Bem.
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Dom Paulo Evaristo, apóstolo da justiça e da paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU