21 Novembro 2016
Uma noite com vários tiroteios em diversas favelas do Rio de Janeiro colocou as autoridades e os moradores da cidade em estado de alerta. Um helicóptero da Polícia Militar caiu na favela Cidade de Deus, na zona oeste, provocando a morte dos quatro ocupantes. Além disso, corpos de ao menos sete homens foram encontrados na comunidade com indícios de execução, segundo seus familiares. A polícia decidiu ocupar por tempo indeterminado a favela e o Governo federal ofereceu o apoio das tropas da Força Nacional para reforçar a segurança.
A reportagem é de María Martín, publicada por El País, 20-11-2016.
Os primeiros confrontos ocorreram ao longo de todo o sábado, quando policiais realizavam uma operação para conter um enfrentamento a tiros entre traficantes e milicianos, que disputam território na região da Cidade de Deus. O clima de terror bloqueou duas vezes a Linha Amarela, uma das principais vias da cidade, obrigando os motoristas a se refugiarem atrás dos carros com medo de serem alvejados pelos disparos. Foi nessa mesma estrada que várias pessoas registraram, com seus celulares, a queda do helicóptero que reforçava a operação dos agentes. “O helicóptero da polícia vai cair, o helicóptero da polícia vai cair!”, gritava um dos cinegrafistas enquanto o aparelho se precipitava sem comando contra o chão.
Algumas hipóteses preliminares indicaram que o helicóptero poderia ter sido abatido pelos criminosos durante o confronto. Não seria a primeira vez – durante um tiroteio com traficantes do Morro dos Macacos, em 2009, um helicóptero da polícia foi derrubado e três agentes morreram –, mas o secretário de Segurança Pública, Roberto Sá, confirmou que, numa perícia preliminar, não foram encontradas marcas de tiros no aparelho nem nos cadáveres dos policiais. A queda poderia estar relacionada com uma falha mecânica ou humana. Sá disse ainda ter sido informado pela corporação que todas as aeronaves em operação estão com a manutenção em dia. No entanto, a investigação da Aeronáutica e da Polícia Civil vai averiguar esse item também.
O repique de violência chega em plena crise financeira do Estado, que procura com medidas de ajuste e corte de gastos sanear seu caixa deficitário. Os agentes de segurança pública, assim como o resto de servidores públicos, estão em pé de guerra para evitar que os cortes piorem seus salários e condições de trabalho. Entre policiais são comuns os relatos de falta de itens básicos, como papel e tinta para imprimir os boletins de ocorrência, e falta de verba para, entre outras coisas, a gasolina das viaturas. Em maio do ano passado, a frota de seis helicópteros da Polícia Militar chegou a ficar parada por falta de pagamento aos fornecedores responsáveis por sua manutenção. Em junho deste ano, o fracasso de uma operação da Polícia Civil que pretendia capturar o traficante Fat Family foi associado à falta de apoio aéreo em um momento no qual todos os helicópteros da corporação também estavam parados por falta de manutenção. Foi precisamente pela precariedade na área de segurança que o Governo do Estado decretou o estado de calamidade pública para receber um aporte de 2,9 bilhões a fundo perdido para garantir a segurança do público durante os Jogos Olímpicos celebrados em agosto.
Enquanto era preparado o velório dos quatro policiais mortos no acidente, pelos quais foi decretado luto oficial de três dias no Estado, os moradores da Cidade de Deus resgatavam os corpos de sete homens numa zona de mata da comunidade. Estavam sem armas e sem seus pertences e alguns sem roupa. O pai de um deles reconheceu que as vítimas estavam envolvidas no narcotráfico, mas disse também que as marcas de disparos em seus corpos sugerem que foram executados. “Meu filho está ai, ele foi executado e a perícia vai mostrar”, gritou aos jornalistas o pastor Leandro Martins da Silva, apontando para o velório improvisado dos sete corpos cobertos com lençóis. Nas imagens, recolhidas pelo jornal O Estado de S. Paulo, o pastor, que perdeu seu filho de 22 anos, aparece com a mãos e as unhas manchadas de terra. “Pegamos os corpos com as mãos, com as mãos!”, disse contemplando a indignação de outros familiares que tiveram que se adentrar na mata à procura dos filhos desaparecidos durante a noite. A violência provocou a suspensão de três eventos socioculturais programados no bairro, entre eles, um sarau de poesia.
O conflito na Cidade de Deus não foi o único da noite de sábado. Uma onda de rumores tomou as redes sociais e os grupos do WhatsApp com relatos de confrontos armados e violência em várias partes da cidade e na região metropolitana. Parte do que circulou foi desmentido, mas houve a confirmação de tiroteios em outras três favelas, incluindo no enorme Complexo do Alemão, onde traficantes e policiais retomaram sua guerra nos últimos meses. Todas essas comunidades contam com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), um projeto criado em 2009, na preparação para os grandes eventos esportivos, com o objetivo de acabar com a presença de traficantes armados e trazer a paz às comunidades mais carentes. Com os tiroteios, comuns também nas favelas mais próximas das zonas turísticas, o programa passa por seu pior momento. A presença de policiais armados e mal formados, a ausência de serviços públicos para os moradores e a crise financeira do Estado são alguns dos motivos apontados pelos especialistas para explicar a decadência da iniciativa.
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Violência na Cidade de Deus desperta onda de boatos e medo no Rio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU