21 Novembro 2016
João Pedro Stédile dez dias depois do ataque a Escola Florestan Fernandes, do MST, quando a polícia civil de São Paulo fez um espetáculo típico de um regime de exceção que procura se consolidar, sem exibir mandado judicial e dando tiros para o alto, concedeu uma entrevista publicada por O Brasil 247, 20-11-2016.
Na primeira parte da entrevista, Stédile define a invasão como "uma burrada espetacular da direita do governo Richa com a direita do governo Alckmin" e se define como "otimista". "Haverá luta e mobilização. Quando luta, a classe trabalhadora aprende em vinte dias o que deixou de aprender em vinte anos", aposta.
Eis a entrevista.
É claro que a invasão da Escola Florestan Fernandes não foi o primeiro ataque sofrido pelo MST ao longo de sua história. Tampouco foi o mais violento. Mas como podemos interpretar esse ataque, numa conjuntura atual?
O ataque da policia civil a Escola nacional Florestan Fernandes, foi uma burrada espetacular da articulação da direita do governo Richa com a direita do governo Alckmin, e cometeram uma serie de atropelos legais, tentando buscar dois militantes do MST do Paraná, que estariam na escola, sem nenhum mandado judicial. Mais do que o fato real, do abuso de autoridade, da prepotência das armas empregadas revela como as forças conservadoras se sentem livres, agora, para cometerem todo tipo de atropelos ilegais, durante o governo golpista, que também é ilegal.
Vivemos uma conjuntura que pode avançar para a consolidação de um estado de exceção, isto é, uma nova ditadura. Você vê uma saída para evitar isso? Um acordo, uma transição?
De fato já vivemos um estado de exceção por várias circunstâncias, que começam na posse de um governo ilegítimo, que impôs um processo de impeachment sem que houvesse crimes. O acompanhamento do STF e votação do Senado não dão nenhuma legitimidade. Ao contrario eles mesmos não tiveram coragem de tirar os direitos políticos da presidenta. O próprio impostor Michel Temer, revelou aos empresários americanos em Nova York o motivo do golpe, retomar um plano neoliberal para sair da crise econômica. Por outro lado, todos dias assistimos o estado de exceção nos atos do STF, que rasga a constituição ao decretar prisão em segunda instância, e ao julgar direitos trabalhistas. Sem falar nas atitudes dos atores da autodenominada “República de Curitiba”, que se comporta assim, como uma republiqueta, acima da constituição brasileira. E isso é muito grave.
A ideia de que a recuperação das lutas populares passa por uma frente de esquerda é uma dessas propostas que está na boca de todo mundo. Parece reforma política, reforma tributária: todo mundo acha que sabe o que é mas ninguém explica como se faz. Qual sua opinião a respeito?
Como você disse, não é difícil ter propostas, o problema é ter força popular para construi-las. Do ponto de vista político, só recuperaremos um estado democrático, com a realização de uma profunda reforma política, que devolva ao cidadão o poder político pelo voto, que hoje foi sequestrado pela mídia e pela força do dinheiro. Como o atual congresso também foi eleito pela força da mídia e do dinheiro, somente a eleição de uma assembleia constituinte, soberana e exclusiva poderia corrigir. Por outro lado, precisamos ampliar ao máximo o debate na sociedade da necessidade d e um novo programa que consiga enfrentar a crise econômica e social, que resolva os graves problemas da população que viriam, com uma reforma tributaria, controle do pagamento dos juros da divida interna, reforma democrática dos meios de comunicação e a retomada do crescimento com investimentos na indústria nacional e na agricultura familiar. Porém, tudo isso só será possível, se antes houver uma retomada das lutas de massa, e com isso a classe trabalhadora retomar seu papel na luta de classes, realizando grandes mobilização de massas, para mudar os rumos do país, como aconteceu na década de 60, e depois na década de 80.
Numa hora difícil como a atual, é sempre bom recordar que a história nunca termina. Você espera uma retomada dessa luta para breve?
O plano neoliberal do governo golpista, é um plano contra a classe trabalhadora, porque os capitalistas querem sair da crise jogando o peso dela apenas nas costas dos trabalhadores. E para isso estão sendo até didáticos. Precisam aumentar a exploração dos trabalhadores, diminuir salários, aumentar o desemprego, como forma de derrotar politicamente a classe, e tirar direitos trabalhistas históricos, que estão na CLT e na constituição. Por outro lado precisam se apoderar dos recursos públicos que antes iam para educação e saúde. Taí a PEC 241 que virou 55 no senado, justamente para isso. E precisam se apoderar de recursos naturais, para se apropriarem da renda extraordinária que eles geram. Dai a privatização do pre-sal, o código de mineração, a venda de terras para o capital estrangeiro. E o ultimo ponto do programa deles é realinhamento de nossa economia de forma subordinada aos interesses dos capitalistas estadunidenses.
O problema e a contradição deles, e isso nos ajuda é que esse plano é contra o povo, e por tanto vai aumentar os problemas. E não vai tirar a economia da crise. Assim, espero que a classe trabalhadora comece a se mexer logo. Acho que algumas categorias mais organizadas, já começam reagir, como os petroleiros, professores, etc. É outro sinal positivo, é a mobilização da juventude com o movimento de ocupação das escolas. Embora, eles não afetem o capital, e os golpistas diretamente, mas nos ajudam a conscientizar a população. Todos os pais desses jovens estão participando dos debates e precisam autorizar os filhos a ficarem na escolas. A juventude, em todos os processos históricos de mudanças, representam o termômetro da sociedade, o indicativo de que haverá luta, haverá mobilização. Sou um otimista. Sigo o filosofo russo, que dizia, que o povo quando luta, apreende em vinte dias o que deixou de apreender em vinte anos.
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"Espero que a classe trabalhadora comece a se mexer" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU