18 Novembro 2016
"Ao escrever sobre a esperança, São Tomás de Aquino observou que a ela nasce do desejo de algo bom que é 'difícil, mas possível de alcançar'. Não há necessidade de tê-la se podemos facilmente obter o que queremos, mas também não há por que fomentá-la quando o que desejamos é completamente inatingível. Mas Tomás de Aquino também observou que há muito mais razões para ter esperança 'quando temos amigos para contar' (Summa Theologiae, II-II, 17, 8). Se o objeto de nossa esperança não pode se estender para além do que garantimos para nós mesmos, a esperança será bastante cautelosa e limitada. Mas se há pessoas que nos amam, se importam conosco, querem o que é melhor para nós, e também nos ajudam a alcançá-lo, então nossas esperanças podem ser muito mais ousadas e expansivas. Não temos esperança sozinhos, mas, sim, juntos. A esperança requer companheiros, pessoas que queiram o nosso bem e que nos ajudem em nosso caminho", escreve Paul J. Wadell, professor de teologia e estudos religiosos da St. Norbert College, em Wisconsin, em artigo publicado por América, 31-11-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Eis o artigo.
Alguns anos atrás, eu assisti a uma conferência de quatro dias sobre as virtudes da teologia. A conferência contou com várias palestras sobre a fé e apresentações sobre a caridade, mas houve apenas uma fala sobre a esperança, o que aconteceu por pouco. Nenhum dos palestrantes tinha pensado em falar sobre esperança. Como esperado, a comissão de planejamento percebeu que não podia ter uma conferência de quatro dias sobre as virtudes teologais enfocando apenas duas delas. Então, um membro da comissão se ofereceu para compartilhar alguns pensamentos sobre a esperança. Ainda assim, eu me perguntava, por que não ocorreu a ninguém que valia a pena falar sobre esperança?
A esperança tem sido considerada a virtude esquecida do nosso tempo. Embora vivamos em uma era de consideráveis avanços tecnológicos e científicos, também pode ser uma época de menor esperança ou, talvez mais precisamente, uma esperança mal direcionada, pois é tentador trocar a virtude teologal por substitutos inconsistentes que não podem oferecer o que as nossas almas mais precisam. Nós também vivemos em uma era marcada pela violência, o que leva a uma série de imagens em todo o mundo que mostram cidadãos lutando contra a polícia, crianças na Síria ensanguentadas pela guerra, crianças refugiadas desfalecidas em uma praia na Grécia. Isto pode ameaçar a esperança. Mas talvez o que ameaça a esperança ainda mais hoje não são essas tragédias e calamidades, mas o desespero suave e sutil com que nos conformamos quando nos deixamos levar a modos de vida que nos roubam do bem que Deus quer para nós. O problema não é que esperamos demais, mas que temos aprendido a nos contentar com tão pouco. Nós fizemos os horizontes da esperança se encolherem. Perdemos a dimensão transcendente da esperança de vista, porque esquecemos a promessa incomparável que a esperança sempre indica.
Ao escrever sobre a esperança, São Tomás de Aquino observou que a ela nasce do desejo de algo bom que é "difícil, mas possível de alcançar". Não há necessidade de tê-la se podemos facilmente obter o que queremos, mas também não há por que fomentá-la quando o que desejamos é completamente inatingível. Mas Tomás de Aquino também observou que há muito mais razões para ter esperança "quando temos amigos para contar" (Summa Theologiae, II-II, 17, 8). Se o objeto de nossa esperança não pode se estender para além do que garantimos para nós mesmos, a esperança será bastante cautelosa e limitada. Mas se há pessoas que nos amam, se importam conosco, querem o que é melhor para nós, e também nos ajudam a alcançá-lo, então nossas esperanças podem ser muito mais ousadas e expansivas. Não temos esperança sozinhos, mas, sim, juntos. A esperança requer companheiros, pessoas que queiram o nosso bem e que nos ajudem em nosso caminho.
A esperança cristã não deve ser fraca ou tímida, porque quando Tomás de Aquino fala da ajuda de pessoas e amigos em quem se pode confiar, ele na verdade se refere a Deus. Como qualquer amigo, Deus deseja a nossa felicidade e busca o melhor para nós, mas o bem que Deus quer para nós é o mais rico e gratificante possível, ou seja, Deus e a vida eterna com Ele. E, como qualquer amigo, Deus nos acompanha, nos abençoa, nos estabiliza e nos encoraja, para que o melhor que poderíamos esperar venha até nós. É por isso que não se atinge a esperança através do trabalho, da coragem e da determinação. É inevitavelmente um dom. A esperança é o dom que Deus nos concede para que possamos direcionar nossas vidas e buscar a Ele, crescer no amor e na bondade Dele e, um dia, conhecer a bem-aventurança eterna da perfeita comunhão com Deus. Se a esperança surge do desejo de algo bom, a esperança cristã é naturalmente audaciosa porque deseja um bem incomparável que nós já temos, mesmo que imperfeitamente: a própria vida, o amor, a bondade e a alegria de Deus. O Cristianismo expande infinitamente o horizonte da esperança porque, como a história da salvação nos mostra, o alcance da esperança cristã não é determinado por nosso próprio poder, recursos ou ingenuidade, mas pelo amor e pela bondade infinitos de Deus. Os cristãos devem ser corajosos e ousados em relação à esperança, porque sabem que Deus é tanto o objeto de nossa esperança quanto os meios para atingi-lo.
Em "Spe Salvi", a encíclica de 2007 sobre a esperança, o Papa Bento XVI escreveu: "Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova" (No. 2). Estas palavras nos lembram que a esperança não é uma emoção passageira, muito menos uma posição que se esvai quando a vida se torna difícil, mas é uma postura flexível em relação à vida, marcada pela confiança, determinação e pela perseverança. A esperança nos capacita a viver de forma diferente, pois a compreensão cristã de esperança baseia-se na convicção inabalável de que Deus nos ama e quer o nosso bem, como expresso de maneira memorável por Paulo, em Romanos: "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" ( 8:31). Viver com esperança é carregar essas palavras no coração e permitir que isso mude nossas vidas de maneiras criativas e surpreendentes.
Viver na esperança é querer nada menos do que aquilo que Deus quer para nós. Se esse fosse o desejo fundamental de nossas vidas, o que mudaria? Como nós ressuscitaríamos? No mínimo, nos libertaríamos do péssimo hábito de nos preocuparmos excessivamente sobre nós mesmos e de compararmos nossa condição e nossas conquistas às dos outros. Porque Deus está lá por nós e quer o nosso bem, não precisamos viver com ansiedade e medo, sendo cautelosos e calculistas. Nós temos tempo para amar ao próximo. Temos tempo para ser misericordiosos e solidários, pacientes e generosos. Nós temos tempo para ouvir e estar presente, para incentivar e apoiar, porque sabemos que, graças à vida, à morte e à ressurreição de Jesus, acontecerá exatamente o que o amor de Deus vislumbra para nós. A esperança nos liberta do fardo intolerável de pensar que tudo depende de nós, tornando-nos indiferentes às bênçãos que nos rodeiam, e, especialmente, ao chamado diário de Deus em direção ao outro, para atraí-los mais plenamente para a vida, através da nossa bondade e generosidade. Para os cristãos, a esperança é uma forma nova e promissora de viver a vida, caracterizada pela alegria e pela gratidão, serviço e generosidade, hospitalidade e celebração, e até mesmo a liberdade maravilhosa de errar.
A grandeza da nossa esperança será sempre proporcional à grandeza do bem em que vivemos nossas vidas. Mas esse é o problema. A esperança não é tão ameaçada pelos infortúnios, lutas e perdas por vezes inconsoláveis que atravessam nosso caminho, porque, enquanto virtude, a própria natureza da esperança nos estabiliza e fortalece durante esses momentos para que eles não nos vençam. Em vez disso, a esperança se desgasta quando já não aspiramos a algo bom o suficiente - suficientemente abençoado e promissor - para nos sustentar na vida que Deus quer para nós. Ou, como observou David Elliot, diminui - e desaparece, por fim - quando perdemos de vista quem somos e para onde estamos indo. Quem somos? Somos peregrinos em uma viagem a Deus, fazendo o nosso caminho para Ele e ajudando os outros a fazê-lo também. Para onde vamos? Para a grande festa que Jesus chamou de reino dos céus, o banquete celestial onde nos alegramos perante Deus e amamos uns aos outros. A esperança nos guia, mantendo-nos focados nisso. Esta é a diferença da esperança cristã. A esperança cristã corrige nossa visão sobre a única coisa que pode realmente nos completar, nos preencher e trazer paz ao nosso coração inquieto, para que não nos contentemos com nada menos do que aquilo que Deus quer nos oferecer. A esperança cristã nos convoca a olhar para cima e para fora, para que não percamos este objetivo de vista.
Se vivemos em uma época de parcas esperanças, pode ser por termos perdido esse sentimento de que somos viajantes, peregrinos no mundo, traçando nosso caminho rumo a Deus. Ao invés de avançar, nós nos conformamos e acabamos não nos enxergando indo a lugar algum. Não se trata de negar a benção genuína de vida no mundo, ou a bondade que brilha nos dons da criação de Deus; a esperança, na verdade, fornece a visão moral e espiritual que nos permite ver, apreciar e desfrutar do valor singular de tudo. Com esperança, é muito mais provável que se reverencie a existência das coisas do que se explore. Ainda assim, uma coisa é contemplar a beleza e a bondade que nos rodeia, e outra é não olhar adiante. A esperança nos impede de imergir nas coisas boas deste mundo a ponto de esquecer quem realmente somos, um povo em movimento, peregrinos convocados a ficar parados, mas caminhar em direção à celebração. Acima de tudo, a esperança nos impede de tornar-nos tão confortáveis com os prazeres da vida que a possibilidade da peregrinação nem sequer nos ocorra.
Os escritores cristãos da antiguidade argumentavam que nos tornamos mais vulneráveis ao desespero não quando de repente tudo começa a dar errado, mas quando nos permitimos tomar distância do melhor para nossas vidas. Não é, segundo eles, a realidade do mal que nos torna mais suscetíveis ao desespero, mas sim deixar nossos corações serem capturados por coisas de bondade inegável, porém inerentemente limitada. Eles denominaram esse afastamento de Deus, em prol de bens menores, de mal do mundo. A linguagem do mundanismo pode parecer curiosa e até mesmo estranha para nós, mas a realidade do mundanismo certamente não é. Se a esperança é uma questão de devoção a Deus, nas garras do mundanismo será uma devoção a riquezas e posses, prazeres e conforto, status e honra, poder e influência, ou às trivialidades intermináveis com as quais somos encorajados pela cultura a preencher nossas vidas. Todos os vícios causam danos. O que torna o mundanismo particularmente perigoso é que, quando o cultivamos ao invés da esperança, ficamos tão encantados com as maravilhas deste mundo que acabamos nos fechando ao que realmente vale o dom da nossa vida. Limitamos e reduzimos o horizonte da nossa esperança a ponto de nos privar de sua grande promessa. O que realmente importa não nos interessa mais, não porque tenhamos rejeitado conscientemente, mas porque ficamos alheios a isso. Habituados ao que é mundano, podemos sentir que temos conforto e até de sucesso, mas os nossos dias são marcados pelo desespero suave, o qual talvez não percebamos, que inevitavelmente resulta da falta de preocupação com quem Deus quer que sejamos e quem somos chamados a ser: amigos de Deus convocados a compartilhar na Sua vida e na Sua felicidade.
A esperança é um dom que Deus nos dá. Mas por ser uma virtude, é um dom que deve ser cultivado, nutrido e praticado para não murchar e morrer. Como podemos fortalecer a esperança que Deus nos confiou? Como podemos ser praticantes da esperança, vivendo seus sacramentos, em um mundo que não somente precisa dela, mas também duvida de sua existência? Há muitas maneiras de acender a chama da esperança, mas aqui estão três delas.
Em primeiro lugar, a esperança é alimentada e fortalecida através da Eucaristia, pois cada vez que nos reunimos na missa, somos lembrados de quem somos, o que somos e para onde estamos indo. Na Eucaristia, lembramo-nos de que, graças ao nosso batismo, fazemos parte da história de Deus, uma história que é muito mais promissora e abençoada do que qualquer coisa que nos fosse oferecido. À luz da Eucaristia, reconhecemos que a esperança diminui quando substituímos a história de Deus, que veio a nós em Israel e em Jesus, uma história de amor e lealdade infinitos, por histórias menores ou pelo cinismo de achar que não há história. Se a esperança se enfraquece quando nos fechamos para coisas mais elevadas, a Eucaristia faz com que não permitamos que algo diferente de Deus seja objeto de nossa esperança.
Em segundo lugar, a Eucaristia é crucial para nutrir a esperança, porque nos forma como pessoas gratas, cuja postura perante a vida é marcada pela ação de graças e louvor. A Eucaristia pode ser descrita como um grande sacramento de esperança porque nos reunimos para celebrar a bondade de Deus para conosco e para reconhecer que, apesar das lutas, dificuldades e tristezas da vida, apesar dos males de nossas cidades e em nosso mundo, a vida continua a ser uma bênção e um presente. A gratidão promove a esperança, ampliando nosso olhar para o que está além de nós mesmos e para ver a beleza e a bondade da vida, que estão sempre lá, mas são facilmente ignoradas. A gratidão e a esperança estão intimamente ligadas, pois ambas se baseiam em aprender a olhar o que se tem, e não o que falta. A gratidão impulsiona a esperança porque as pessoas gratas observam; veem o que os outros não veem. A gratidão é um caminho confiável rumo à esperança, por percebermos que por mais que a vida nem sempre nos dê o que queremos, ela nos abençoa com bens e prazeres inesperados.
Em terceiro lugar, a esperança cresce ainda mais em nós quando nos comprometemos a ser ministros da esperança para os outros. A esperança cresce quando é partilhada, floresce quando é oferecida. É por isso que a esperança cristã deve ser entendida como um dom e um chamado. Porque Deus nos deu esperança, somos chamados a abençoar os outros com esse dom, principalmente os que estão lutando, cujas vidas não têm qualquer sentido ou propósito, ou os que por muito tempo se sentiram afastados de qualquer perspectiva. É importante ressaltar isso para não pensarmos que a esperança se concentra tanto nas promessas da próxima vida a ponto de nos distrair do trabalho que precisa ser feito nesta vida. Pelo contrário, é precisamente porque estamos confiantes da esperança de Deus para nós que podemos atender as necessidades dos outros e fazer o que pudermos para trabalhar em prol da cura do mundo. Longe de nos permitir virar as costas para o mundo, a esperança nos convoca a trazer o amor, a misericórdia, a justiça e a compaixão de Deus para a vida do mundo. A esperança dá trabalho.
Em "Spe Salvi", o Papa Bento XVI disse: "Toda a ação séria e reta do homem é esperança em ato" (No. 35). É por isso que nós podemos ser ministros da esperança todos os dias nas circunstâncias comuns da vida. Somos ministros da esperança através de atos de bondade e cuidado. Somos ministros da esperança quando ajudamos as pessoas a encontrar a cura para suas feridas incuráveis e para memórias persistentes em seus corações. Somos ministros da esperança quando afirmamos a bondade em uma pessoa que ainda não consegue enxergá-la em si mesma. Somos ministros da esperança quando perguntamos ao outro como ele está e dedicamos tempo para lhe escutar. Somos ministros da esperança quando perdoamos e somos perdoados. Somos ministros da esperança quando recebemos e distribuímos amor. E somos ministros da esperança principalmente quando afirmamos a dignidade de cada pessoa que passa por nossas vidas, celebrando sua existência e expressando a elas o quanto fariam falta no mundo. Como o Papa Bento escreveu ao final da "Spe Salvi": "Nunca é tarde demais para tocar o coração do outro, nem é jamais inútil" (No. 48). A esperança surge, tanto em nós quanto nos outros, quando se torna prática regular de nossas vidas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Não se conformar com pouco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU