14 Novembro 2016
“Como nos faz mal fingir que não nos damos conta do Lázaro que é excluído e descartado (cf. Lc 16, 19-21)! É afastar o rosto de Deus. Temos um sintoma de esclerose espiritual, quando o interesse se concentra nas coisas a produzir, em vez de ser nas pessoas a amar”, afirmou o Papa Francisco, na homilia proferida na missa do Jubileu dos Excluídos, celebrada no domingo, 13-11-2016.
E Francisco continuou: “Assim nasce a dramática contradição dos nossos tempos: quanto mais crescem o progresso e as possibilidades – e isto é bom – tanto maior é o número daqueles que não lhes podem chegar. É uma grande injustiça que nos deve preocupar muito mais do que saber quando e como será o fim do mundo. Com efeito, não se pode estar tranquilo em casa, enquanto Lázaro jazer à porta; não há paz em casa de quem está bem, quando falta justiça na casa de todos”.
A íntegra da homilia é publicada por Radio Vaticano, 13-11-2016.
Eis a íntegra da homilia.
“«Para vós (...) brilhará o sol da justiça, trazendo a cura nos seus raios» (Ml 3, 20). As palavras do profeta Malaquias, que ouvimos na primeira leitura, iluminam a celebração desta jornada jubilar. Encontram-se na última página do último profeta do Antigo Testamento e são dirigidas àqueles que têm confiança no Senhor, que depõem a sua esperança n’Ele, escolhendo-O como bem supremo da vida e recusando-se a viver só para si mesmos e seus interesses. Para eles, pobres de si mas ricos de Deus, brilhará o sol da sua justiça: são os pobres em espírito, a quem Jesus promete o reino dos céus (cf. Mt 5, 3) e dos quais Deus, pela boca do profeta Malaquias, declara: «são meus» (Ml 3, 17). O profeta contrapõe-nos aos soberbos, àqueles que puseram na sua autossuficiência e nos bens do mundo a segurança da vida. Perante esta página final do Antigo Testamento, surgem questões que interpelam o sentido último da vida: Onde busco a minha segurança? No Senhor ou noutras seguranças que não são do agrado de Deus? Qual é a direção da minha vida, para onde olha o meu coração? Para o Senhor da vida ou para as coisas que passam e não saciam?
Idênticas questões aparecem no trecho evangélico de hoje. Jesus encontra-Se em Jerusalém, para a última e mais importante página da sua vida terrena: a sua morte e ressurreição. Está perto do templo, «adornado de belas pedras e de ofertas votivas» (Lc 21, 5). As pessoas estão precisamente a comentar as belezas exteriores do templo, quando Jesus diz: «Virá o dia em que de tudo isto que estais a contemplar, não ficará pedra sobre pedra» (21, 6). Acrescenta que haverá conflitos, carestias, convulsões na terra e no céu. Jesus não quer assustar, mas dizer-nos que tudo aquilo que vemos passa inexoravelmente. Mesmo os reinos mais poderosos, os edifícios mais sagrados e as realidades mais firmes do mundo não duram para sempre; mais cedo ou mais tarde, caem.
Na sequência destas afirmações, as pessoas colocam duas questões imediatas ao Mestre: «Quando sucederá isto? E qual será o sinal»? (21, 7). Sempre somos impelidos pela curiosidade: quer-se saber quando e receber sinais. Esta curiosidade, porém, não agrada a Jesus. Pelo contrário, exorta a não nos deixarmos enganar pelos pregadores apocalíticos. Quem segue Jesus não presta ouvidos aos profetas da desgraça, à futilidade dos horóscopos, às previsões que amedrontam, distraindo daquilo que conta. O Senhor convida a distinguir, dentre as muitas vozes que se ouvem, aquilo que vem d’Ele e o que vem do falso espírito. É importante distinguir entre o sábio convite que Deus nos dirige cada dia e o clamor de quem se serve do nome de Deus para assustar, sustentando divisões e medos.
Com firmeza, Jesus convida a não temer perante os cataclismos de cada época, nem mesmo frente às provas mais graves e injustas que acontecem aos seus discípulos. Pede para perseverar no bem e colocar plena confiança em Deus, que não desilude: «Não se perderá um só cabelo da vossa cabeça» (21, 18). Deus não esquece os seus fiéis, a sua propriedade preciosa que somos nós.
Entretanto, hoje, interpela-nos sobre o sentido da nossa existência. Poder-se-ia dizer, com uma imagem, que estas leituras se apresentam como uma «peneira» no meio do fluxo da nossa vida: lembram-nos que, neste mundo, quase tudo passa, como a corrente da água; mas há realidades preciosas que permanecem, como uma pedra preciosa numa peneira. E o que é que resta? O que é que tem valor na vida? Quais são as riquezas que não desaparecem? Seguramente duas: o Senhor e o próximo. Estes são os bens maiores, que havemos de amar. Tudo o resto – o céu, a terra, as coisas mais belas, mesmo esta Basílica – passa; mas não devemos excluir da vida Deus e os outros.
E todavia neste dia jubilar que nos fala de exclusão, imediatamente vêm à mente pessoas concretas; não coisas inúteis, mas pessoas preciosas. A pessoa humana, colocada por Deus no cume da criação, muitas vezes é descartada, porque se prefere as coisas que passam. Isto é inaceitável, porque o ser humano é o bem mais precioso aos olhos de Deus. E é grave que nos habituemos a este descarte; é preciso preocupar-se quando se anestesia a consciência, já não fazendo caso do irmão que sofre ao nosso lado nem dos problemas sérios do mundo, que se reduzem a um refrão já ouvido nos sumários dos telejornais.
Hoje, queridos irmãos e irmãs, é o vosso Jubileu e, com a vossa presença, ajudais-nos a sintonizar no comprimento de onda de Deus, a ver o que Ele vê: Ele não Se detém nas aparências (cf. 1 Sam 16, 7), mas fixa o seu olhar «nos humildes de coração contrito» (Is 66, 2), em tantos pobres Lázaros de hoje. Como nos faz mal fingir que não nos damos conta do Lázaro que é excluído e descartado (cf. Lc 16, 19-21)! É afastar o rosto de Deus. Temos um sintoma de esclerose espiritual, quando o interesse se concentra nas coisas a produzir, em vez de ser nas pessoas a amar. Assim nasce a dramática contradição dos nossos tempos: quanto mais crescem o progresso e as possibilidades – e isto é bom – tanto maior é o número daqueles que não lhes podem chegar. É uma grande injustiça que nos deve preocupar muito mais do que saber quando e como será o fim do mundo. Com efeito, não se pode estar tranquilo em casa, enquanto Lázaro jazer à porta; não há paz em casa de quem está bem, quando falta justiça na casa de todos.
Hoje, nas catedrais e santuários de todo o mundo, são fechadas as Portas da Misericórdia. Peçamos a graça de não fechar os olhos perante Deus que nos olha e o próximo que nos interpela. Abramos os olhos a Deus, purificando a visão do coração das representações enganadoras e pavorosas, do deus da força e dos castigos, projeção da soberba e dos medos humanos. Olhemos com confiança para o Deus da misericórdia, com a certeza de que «o amor jamais passará» (1 Cor 13, 8). Renovemos a esperança da vida verdadeira a que somos chamados, aquela que não passará e que nos espera em comunhão com o Senhor e com os outros, numa alegria que durará para sempre, sem fim.
E abramos os olhos ao próximo, sobretudo ao irmão esquecido e excluído. Para ele está apontada a lupa da Igreja; que o Senhor nos livre de a voltarmos para nós. Afaste-nos das quimeras que nos distraem, dos interesses e dos privilégios, do apego ao poder e à glória, da sedução do espírito do mundo. De modo particular a nossa Mãe Igreja «olha para toda a humanidade que sofre e chora, pois ela sabe que esta lhe pertence, por direito evangélico» (PAULO VI, Discurso no início da II Sessão do Concílio Vaticano II, 29 de setembro de 1963); por direito e também por dever evangélico, porque é nossa tarefa cuidar da verdadeira riqueza que são os pobres, como bem no-lo recorda uma antiga tradição referente ao mártir romano São Lourenço. Este, antes de suportar um martírio atroz por amor do Senhor, distribuiu os bens da comunidade aos pobres, por ele designados como verdadeiros tesouros da Igreja. Que o Senhor nos conceda a graça de olhar sem medo para aquilo que conta, dirigir o coração para Ele e para os nossos verdadeiros tesouros”.
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Mais progresso e mais excluídos, a “grande injustiça de hoje”, constata o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU