28 Setembro 2016
"Basta ler as profundas palavras de Catarina para entender que, por trás delas, há uma corajosa e tenaz busca espiritual, uma estrada pessoal percorrida sem temor nem incertezas – ‘entrar na célula do conhecimento de nós mesmos’ – até descobrir a presença divina dentro de si."
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade de Roma "La Sapienza". O artigo foi publicado no jornal L'Osservatore Romano, 24-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As únicas duas cartas de Catarina escritas de próprio punho (na coleção que apresentamos, a 272 e a 226, as únicas que chegaram até nós) são simplesmente extraordinárias. Mas a sua paixão, a sua impaciência, a sua lucidez e, especialmente, a sua profundidade espiritual permeiam também as outras quase 400 – agora publicadas pela editora Città Nuova, organizadas por Angelo Belloni, a quem se deve, além de uma bela introdução, também a tradução em italiano corrente – que foram ditadas por ela a secretários diversos.
Catarina, que tinha aprendido a ler com dificuldade – embora, em um certo ponto da sua breve vida, ela também tinha conseguido escrever por uma intervenção milagrosa –, na realidade, sempre ditou as suas cartas, às vezes até a escrivães diversos e a destinatários diversos ao mesmo tempo, revelando uma capacidade de concentração e de lucidez que aqueles que a observavam, consideravam superiores a toda capacidade humana.
A possibilidade de ler as letras em uma língua compreensível a nós e, portanto, de entrar em contato direto com a grande santa é verdadeiramente um grande presente pelo qual devemos agradecer ao editor. Dessas missivas, apenas 16 são dirigidas aos familiares, enquanto as outras se dirigem aos membros da sua família espiritual da qual ela se encontravam fisicamente longe; depois, a mais de uma centena de monges, monjas, religiosos individuais e a comunidades monásticas, a sacerdotes. A todos, ela, simples terciária, dirige calorosos encorajamentos e duras advertências, bem consciente de que pode lhes indicar o caminho da salvação da alma. E, a partir desses textos, emerge o espelho mais vivo da sua personalidade.
Como bem sabemos, Catarina não para diante da reverência pelas mais altas hierarquias: ela assinala fraquezas e erros, denuncia a podridão da Igreja também a cardeais e papas, com humildade, mas sempre com coragem firme. Nas cartas aos pontífices, ela sabe trazer à tona impiedosamente os limites do seu caráter, os erros que cometem no governo da Igreja, embora sem nunca abrir mão da sua obediência. Não faltam cartas de caráter político, quase agressivas: Catarina revela toda a sua impaciência em relação àqueles que foram prepostos ao bem público e que traem por interesse pessoal, por limitação mental.
Sem dúvida, as pontas mais altas da sua misericórdia materna e da sua capacidade de doçura se encontram nas cartas aos encarcerados, "caríssimos filhos em Cristo, doce Jesus", e, especialmente, na famosa carta ao frei Raimundo, "caríssimo pai e negligente filho", na qual ela conta a execução do perugino Tuldo, por ela assistida.
Ler essas letras é uma aventura apaixonante, tanto espiritual quanto histórica, até porque se trata de uma experiência que permite lançar luz sobre dois lugares-comuns que se desenvolveram em torno da sua figura, opostos entre si, mas ambos hoje enraizados: para os católicos, a ideia de que ela quase não tinha personalidade, mas era apenas uma repetidora das palavras ditadas por Deus; para os laicos, que ela era uma doente mental.
Na tradição católica, durante séculos, Catarina foi considerada apenas como um microfone de Deus, escolhida por Ele justamente por causa da sua ignorância, para repreender as hierarquias eclesiásticas. As suas acusações – que não ressoam como alheias e distantes nem mesmo hoje –, de fato, abrem um problema: como uma simples mulher, uma moça ignorante, filha de um tintureiro, pode ter a autoridade para repreender sacerdotes chamados para os mais altos cargos eclesiásticos? Esse paradoxo foi aceito apenas com a condição da sua inexistência como identidade específica, como pessoa pensante.
A leitura das cartas revela imediatamente que não é assim: isto é, entende-se que Catarina, iluminada profundamente pela sua busca espiritual, é capaz de ver onde os outros não veem, de entender aquilo que muitos não querem entender. É aquela jovem e corajosa menina que inverte as relações de poder, que realiza o Magnificat, não uma figura desbotada que fala apenas para repetir as vozes que lhe chegam do céu. Uma menina que tem a coragem de afirmar muitas vezes: "Eu quero".
Paulo VI, declarando-a Doutora da Igreja, já realizou essa inversão, restituindo-lhe a sua densidade intelectual e espiritual. Mas há também outro equívoco, muito mais recente, a ser desfeito: aquele de que Catarina era apenas uma anoréxica, uma doente mental que havia transfigurado em sentido religioso a sua patologia.
Basta ler as suas profundas palavras, ao contrário, para entender que, por trás delas, há uma corajosa e tenaz busca espiritual, uma estrada pessoal percorrida sem temor nem incertezas – "entrar na célula do conhecimento de nós mesmos" – até descobrir a presença divina dentro de si. E a se comportar consequentemente com grande consciência, assumindo toda a responsabilidade que essa descoberta lhe dava.
As cartas de Catarina foram definidas por muitos como "um código de amor da cristandade", mas não só isso: elas testemunham a aventura espiritual de uma jovem mulher, a sua coragem, a sua lucidez ao olhar o mundo e a sua certeza de que o amor não basta, "o conhecimento é necessário para a nossa salvação, porque todas as virtudes derivam do conhecimento".
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Descobrir Catarina relendo as suas cartas. Artigo de Lucetta Scaraffia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU