23 Setembro 2016
Abriu-se nessa quinta-feira, em Turim, Itália, o Salone del Gusto [Salão do Gosto], que completa a sua integração com a cúpula Terra Madre: "Não é uma feira do comer e do beber", especifica Carlo Petrini, presidente do Slow Food e idealizador do Salão, que chegou à sua 20ª edição. "A alegria dos alimentos existe e deve existir, mas ai de quem limita um movimento como este apenas ao prazer alimentar. Não existe o prazer alimentar sem conhecimento, informação, conscientização."
A reportagem é de Felicia Masocco, publicada no jornal L’Unità, 22-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Partamos, então, da Terra Madre. Como podemos defini-la?
É uma rede internacional daquelas que nós chamamos de comunidades do alimento: produtores, distribuidores, cozinheiros, agricultores, pescadores, mas também aqueles que administram hortas escolares, por exemplo. São aqueles que, em torno dos alimentos, através da convivialidade e do conhecimento, levam adiante o respeito pela natureza e pela dignidade dos trabalhadores da terra. Hoje, contam-se milhares de comunidades, presentes em 170 países do mundo. Desde 2004, a cada dois anos, repete-se esse evento que conta com a convergência em Turim de 5-6 mil delegados durante quatro dias de discussões, reflexões. Uma manifestação que também serve para fortalecer a rede de amizade e de solidariedade, os bens relacionais. Essa é a força e o poder da Terra Madre.
"Querer bem a terra" é o tema desta edição. Um modo poético para convocar gestos políticos: quais?
Os comportamentos das pessoas e das realidades produtivas. O sistema global, baseado na agricultura não sustentável e na depredação dos recursos, não funciona. Porque cria sofrimento não só aos seres vivos, mas também aos ecossistemas, destruindo-os. Exemplos: um bilhão de pessoas sofre de desnutrição e fome, é uma vergonha que ainda hoje existam pessoas que morrem de fome. E, ao mesmo tempo, dois bilhões de pessoas sofrem de doenças devidas à má alimentação ou à hiperalimentação. Falo de um crescimento exponencial de diabetes tipo 2 ou do crescimento anormal de celíacos, basta olhar para a Itália. Falaremos disso em Turim, são temas estritamente políticos. Se a política não é falar da vida cotidiana das pessoas, é uma política que não me interessa. Os camponeses mal pagos, as terras tornadas menos férteis: são milhares as questões em pauta que essa grande cúpula saberá interpretar no diálogo, no debate entre tantas situações diferentes.
Quem são os protagonistas?
Virão agricultores da África profunda, mas também os fazendeiros da Califórnia, os pastores asiáticos, os indígenas da Amazônia e os camponeses dos Andes peruanos. Mundos diferentes com objetivos comuns: produções que não destruam o ambiente, condições dignas para os trabalhadores e também alegria na partilha.
Nos últimos anos, parece ter aumentado a sensibilidade sobre essas questões. São apenas palavras ou uma conscientização real?
Essa nova consciência está diante dos olhos de todos. E as gerações mais jovens são muito mais sensíveis. No fim das contas, trata-se do seu futuro. Também é preciso dizer que as muitas doenças às quais eu me referia, ligadas também aos alimentos não genuínos, geram medo, e, por isso, nós nos informamos mais, queremos saber como o produto foi feito, de onde vem, o que contém. Há uma demanda por informações também para poder influenciar nas escolhas de política alimentar das indústrias, realidades produtivas, agricultores.
Conhecer para poder mudar o futuro dos alimentos também com o consumo. Enquanto isso, porém, chega a fusão de duas gigantes como a Monsanto e a Bayer: você não se sente um pouco esmagado?
Os pequenos gestos se difundiram muito, tornando-se impressionantes. Está crescendo, por exemplo, a sensibilidade em relação ao desperdício alimentar: em pouco tempo, podemos reduzi-lo muito. Porém, é preciso envolver as escolas, educar para não desperdiçar, fazer disso um objetivo político. Não podemos ter essa enorme quantidade de comida desperdiçada quando há pessoas passando fome, além disso, com os custos de eliminação que isso envolve. Estes não são pequenos gestos, são grandes gestos educativos. Eu acrescento que, diante da concentração de poder da Monsanto-Bayer, que vai da indústria farmacêutica aos fertilizantes, passando pela propriedade das sementes, com ainda mais razão é preciso consolidar as redes tipo Terra Madre e das pequenas produções, conscientes de que os pequenos produtores são uma poderosa multidão. Cerca de 80% da produção alimentar é garantida por cultivadores e fazendas de pequena escala, algumas de gestão familiar. Certamente, eles não têm a voz das multinacionais, nem os seus imensos orçamentos publicitários, mas não há dúvida de que a realidade hoje é dessa multidão.
No entanto, não pensamos nisso. A impressão é de que a relação de força é outra.
Há muito a ser feito, de fato. A política deve interceptar as reivindicações dessa multidão, deve entendê-las e assumi-las. Não podemos ficar indiferentes. Os alimentos e a sua produção fazem parte da nossa história, do nosso patrimônio. Na Itália, centenas de fazendas são obrigadas a fechar porque o preço do leite está parado em 28 centavos de euro por litro. É claro que elas não aguentam e que esse sistema alimentar deve ser mudado. A Terra Madre e tantas outras associações ambientalistas ou agrícolas trabalham para inverter essa tendência. Elas têm um caráter fortemente político e são capazes de promover uma mobilização capilar.
Essas exigências começam a ser representadas ou ainda há uma distância entre o país real e as decisões que são tomadas na Europa ou no Parlamento?
Há sinais positivos e negativos. Digamos que podemos fazer mais. Nesses quatro dias, nós faremos a nossa parte, faremos análises e propostas, acolheremos ministros e políticos: o importante é que a política preste atenção nessa humanidade. E que a mídia também preste, que não pareça uma feira do comer e do beber: a alegria da comida existe e deve existir, mas ai daqueles que limitam um movimento como esse apenas ao prazer alimentar. Não existe o prazer alimentar sem conhecimento, informação, conscientização. É preciso equilíbrio. Devo acrescentar que, na Itália, no segundo pós-guerra, 50% da população ativa era agrícola. Hoje, estamos em 3%, e mais da metade têm mais de 70 anos. Portanto, é necessária uma aliança entre produtores e cidadãos: estes não podem ser apenas consumidores passivos, devem se tornar coprodutores, estar informados, saber que, com os seus comportamentos, podem mudar a realidade.
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"É preciso mudar o futuro dos alimentos." Entrevista com Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU