06 Julho 2016
O Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), por meio da representação titular do Instituto Centro de Vida (ICV) e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), na suplência, está apoiando a Campanha Energia para a Vida, lançada em 2014, que é uma iniciativa da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil. A partir da entrevista abaixo com Joilson Costa, engenheiro eletricista pela Universidade Federal do Maranhão e coordenador da Frente, o ICV dá início a uma série de matérias sobre esta temática. João Andrade, coordenador do Núcleo de Redes Socioambientais do ICV, cita a importância deste envolvimento, porque hoje se vive um momento em que o potencial de expansão da matriz energética está na Amazônia e isto está gerando impactos socioambientais, a exemplo de Belo Monte e das usinas em Rondônia, de Jirau e Santo Antonio.
A entrevista é de Sucena Shkrada Resk, publicada por Instituto Centro de Vida (ICV), 27-06-2016.
“A matriz baseada na energia solar é uma proposta de solução. Queremos incentivar esta alternativa de aliviar o peso das fontes de hidrelétricas. Em Mato Grosso, é uma grande oportunidade, porque existem várias comunidades indígenas e de assentamentos rurais, que não foram contemplados com programas, como o Energia Para Todos. A energia solar descentralizada, de microgeração, seria uma boa solução. Atenderia diretamente pessoas que precisam ser inseridas nestes benefícios”, considera.
Segundo Andrade, o Formad, que é uma rede com cerca de 40 movimentos sociais e instituições ambientais, de certa forma, dá capilaridade a estes segmentos, e permite que se possa fazer a conexão com comunidades isoladas ou municípios que ainda estão vivendo com geração de energia a óleo diesel, que é extremamente impactante às mudanças climáticas.
Eis a entrevista.
Qual é a principal proposta e ações da campanha e o que motivou a sua criação?
A Campanha Energia para Vida se constitui como a principal ação da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil, que reúne um conjunto de organizações da sociedade civil com o objetivo de contribuir para que uma nova política energética seja implementada no Brasil, ou seja, possui como principal proposta uma verdadeira mudança na forma de se planejar, construir e operar os empreendimentos que constituem a matriz energética brasileira.
É importante ressaltar que afirmar isso não é mera retórica de quem apenas não concorda com os atuais caminhos do setor energético no país, mas um posicionamento que se fundamenta em uma plataforma de propostas de políticas que poderiam conferir não apenas uma nova configuração, mas um novo caráter ao setor energético e à forma como exploramos os recursos naturais para deles extrairmos a energia que a sociedade precisa. Tal plataforma inclusive foi entregue em audiência ao então Secretário Executivo do Ministério de Minas e Energia, Luiz Eduardo Barata, em junho do ano passado.
A campanha foi oficialmente lançada durante o Fórum Social Temático “Energia: para quê? Para quem? Como?”, realizado em agosto de 2014 na cidade de Brasília, mas foi motivada pela realização de um seminário nacional sobre a política energética brasileira, realizado em maio de 2013, e que reuniu mais de 50 organizações representativas das lutas de comunidades impactadas pelos grandes empreendimentos energéticos, bem como lideranças, estudiosos e especialistas na área.
O que significa em um país de dimensão continental como o Brasil, propor a geração distribuída de energia solar e eólica e eficiência energética? É possível pensar nesta distribuição de forma igual regionalmente ou há diferenças a se considerar?
Podemos entender a eficiência energética como nosso esforço em produzirmos mais ou a quantidade que produzimos hoje com um menor gasto de energia, sem que haja uma perda na qualidade do produto ou uma diminuição no nível de conforto conferido pelas diversas formas de energia que utilizamos. Neste sentido gastar menos energia significa diminuirmos a exploração dos recursos naturais hoje. No que diz respeito aos combustíveis fósseis, que são a forma de energia primária mais utilizada no mundo hoje, tal diminuição é de fundamental importância para a mitigação das mudanças climáticas ou até mesmo, segundo alguns especialistas, para a sobrevivência da humanidade no planeta.
Já a geração distribuída é aquela que acontece próximo ou no próprio local de consumo. No Brasil, a Resolução nº 482 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) regulamente o Sistema de Compensação de Energia Elétrica a partir da mini ou microgeração distribuída. Este sistema permite que qualquer pessoa gere parte ou toda energia elétrica que precise em sua residência, por exemplo.
Propor a geração distribuída de energia elétrica significa não apenas reconhecer os vários benefícios que ela apresenta ao sistema elétrico e às pessoas, mas acima de tudo advogar em favor de formas de geração que possuem menores impactos socioambientais que o modelo historicamente priorizado pelo governo brasileiro, baseado em grandes empreendimentos.
Uma vez que a geração de energia faz uso de recursos naturais e que estes estão distribuídos ou ocorrem de maneira diferente pelo território nacional, tais diferenças devem ser levadas em consideração. Por exemplo, apesar de o Brasil inteiro ter ótimos níveis de irradiação solar, tal irradiação varia pelo território nacional, o que faz com que a quantidade de energia elétrica que uma placa fotovoltaica gere não seja a mesma dependendo da região onde é instalada.
Apesar dessa diferença não ser grande e de a energia solar poder ser utilizada em todo país, isso poderia nos levar à conclusão de que alguns estados poderiam adotar políticas de incentivo mais “agressivas” do que outros para compensar uma menor produtividade devido ao recurso.
Característica semelhante acontece com a energia eólica, já que os ventos também se distribuem de maneira diferenciada pelo território.
Qual é hoje o perfil da política energética nacional e qual é o espaço destinado para essas energias limpas e renováveis?
Inicialmente creio ser necessário fazermos uma breve distinção: quando falamos de política energética estamos nos referindo àquelas políticas que tratam da questão energética de forma mais ampla, ou seja, que tratam de todos os tipos de demanda e oferta de energia à sociedade, como a energia elétrica, o petróleo e seus derivados, o gás natural e os biocombustíveis, por exemplo.
Tenho um texto que tenta explicar didaticamente essa distinção e faço essa observação inicial porque as pessoas costumam confundir a matriz elétrica com a matriz energética e, tomando como base a configuração da matriz elétrica tão somente, o discurso oficial é que nossa matriz energética é majoritariamente renovável, o que não é verdade uma vez que segundo o Balanço Energético Nacional de 2015, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), nossa matriz energética é composta atualmente de 60,6% de fontes não renováveis, sendo só o petróleo responsável por 39,4%.
Como não acredito que os agentes governamentais não saibam dessa distinção só posso acreditar que haja uma desinformação deliberada para camuflar a predominância dos combustíveis fósseis em nossa matriz energética.
Neste sentido, infelizmente nossa política energética atual possui como uma de suas características a continuidade na priorização do uso de combustíveis fósseis, em especial para o setor de transportes, mas também para a geração de energia elétrica através das usinas termelétricas – que vêm aumentando sua participação na matriz elétrica. Já há algum tempo que o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) prevê cerca de 70% de todos os recursos a serem investidos para os combustíveis fósseis.
Em relação ao setor elétrico especificamente, podemos afirmar que o mesmo possui a característica de privilegiar os grandes empreendimentos hidrelétricos e as termelétricas, relegando para segundo plano as fontes renováveis de menor impacto socioambiental. Atualmente estas duas fontes respondem por 92,3% de toda capacidade instalada de nossa matriz elétrica. Qualquer pessoa pode acompanhar a evolução dessa capacidade instalada através do Banco de Informações de Geração, disponibilizado pela ANEEL.
Por fim, temos que reconhecer que as fontes renováveis não convencionais vêm ganhando espaço na matriz elétrica – a eólica, por exemplo, é a que mais vem crescendo recentemente. A grande questão é que alguns empreendimentos acabam sendo implementados com a mesma lógica das grandes hidrelétricas, ou seja, sem muita preocupação com impactos socioambientais, como é o caso de muitos parques eólicos pelo Nordeste. Isso nos leva a uma conclusão importante: não basta que a fonte seja “limpa” e renovável se continuar causando impactos desnecessários e violando direitos de populações.
Esta é uma das razões pelas quais defendemos que a expansão destas fontes deve se dar não a partir de grandes empreendimentos, mas a partir das pessoas em suas residências através da microgeração de energia, pois nesta modalidade quase inexistem impactos socioambientais relevantes.
Quais cenários são possíveis construir nos próximos anos quanto a essa geração distribuída no Brasil?
Essa é uma pergunta que não é tão fácil de responder, pois quando tratamos de cenários pode se chegar a um número bem considerável de respostas, a partir das premissas e variáveis que consideramos.
No entanto, no campo do que podemos considerar como bem factível e provável nesta área o Greenpeace Brasil, que é uma das organizações que fazem parte da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil, lançou recentemente o resultado de um estudo – cuja leitura eu recomendo, sobre como o incentivo à energia solar fotovoltaica pode transformar o Brasil.
Como atualmente cerca de 97,5% de todas as 3.455 instalações de mini e microgeração distribuída no país são de sistemas solares fotovoltaicos é justificável que o estudo aborde somente esta fonte, que possui a maior possibilidade de penetração nos grandes centros urbanos.
O estudo avalia três cenários até o ano de 2030:
1) O Brasil continua o mesmo, em que a evolução dos sistemas fotovoltaicos é analisada a partir das condições e preços atuais de mercado, sem nenhum tipo de incentivo;
2) FGTS para comprar placas solares, a evolução leva em consideração a possibilidade do cidadão utilizar seu FGTS para a compra do sistema fotovoltaico e;
3) ICMS cai em todos os estados, em que é considerada a isenção do ICMS sobre a energia excedente em todos os estados do Brasil.
O segundo cenário considera três tipos de adesão ao incentivo e na adesão considerada ‘agressiva’ o estudo prevê a instalação de mais de 2,5 milhões de sistemas fotovoltaicos, o que representaria 14.927 MWp de potência instalada. Segundo informações dos sistemas devidamente instalados e registrados na ANEEL, até o dia 26/06 deste ano esses números são de 3.369 sistemas fotovoltaicos e 25.633 kWp. A quantidade de sistemas projetada significaria cerca de R$ 157 bilhões adicionados à economia, R$ 3,2 bilhões em tributos e a geração de mais de um milhão e duzentos mil empregos.
Apesar de haverem muitos outros cenários que podem ser considerados, a partir dos vários incentivos que poderiam ser adotados no Brasil, como já disse, reconheço que estes apresentados pelo Greenpeace no estudo são os mais prováveis no país hoje.
O segundo cenário pode se tornar real em breve, caso o PLS 371/2015, que trata da questão e que já foi aprovado pela Comissão de Infraestrutura do Senado, seja votado e aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais. Importante ressaltar que a votação do mesmo está prevista para a próxima quarta-feira (29).
Pode citar alguns exemplos de onde estas alternativas estão sendo melhor sucedidas no país?
Mesmo que não seja regulamentado pela Resolução nº 482 da ANEEL, acredito que a melhor experiência na área da geração distribuída no país seja um projeto de geração de energia e renda promovido pelo Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal e pela empresa Brasil Solair em dois condomínios do programa Minha Casa Minha Vida em Juazeiro, no estado da Bahia. Nestes dois condomínios, Morada do Salitre e Praia do Rodeadouro, cerca de 9 mil painéis fotovoltaicos foram instalados nos telhados das unidades residenciais, totalizando 2.103 kWp em potência instalada.
A energia elétrica gerada pelos painéis fotovoltaicos é vendida no mercado de energia e 90% de todo recurso gerado é destinado ao condomínio, sendo 60% divididos igualitariamente entre as 1.000 famílias e 30% destinado a um fundo condominial, através do qual os condomínios estão provendo vários serviços que o estado não consegue oferecer à comunidade, como atendimento médico, dentário, cursos de capacitação e etc. Para quem tiver interesse em conhecer e difundir este projeto recomendo o vídeo produzido pela Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil (conferir o mesmo aqui).
O grande problema é que esta é uma experiência piloto e que, apesar de seu potencial transformador não apenas da configuração de nossa matriz elétrica, mas principalmente da vida de pessoas, infelizmente ainda não vislumbramos a sua replicação em outros lugares.
Em relação aos sistemas com maior potencial de crescimento, que são os aderentes ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica, acompanhamos algumas experiências. O Greenpeace Brasil, por exemplo, vem desenvolvendo iniciativas muito interessantes, como a solarização de escolas ou de entidades beneficentes.
Outra organização da Frente que vem promovendo excelentes experiências é o Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (CERSA), que reúne várias organizações, instituições de ensino, poder público, pesquisadores, estudantes e lideranças que acreditam nas potencialidades que os recursos energéticos – em especial a energia solar, oferecem para uma melhor convivência com o semiárido brasileiro.
Uma das experiências é o projeto “Padaria Solar”, que conta com o apoio do Fundo Socioambiental CASA, e que objetiva instalar um sistema fotovoltaico em uma padaria da Associação Comunitária Várzea Comprida dos Oliveiras, em Pombal (PB). A padaria servirá para a fabricação de pães, bolos e bolachas para a venda em escolas públicas da região através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do governo federal, e beneficiará diretamente 21 microempreendedoras da comunidade.
Projetos como este, que começam a se multiplicar pelo país, evidenciam uma das vantagens dos sistemas de geração distribuída que supera a economia na fatura de energia elétrica: a possibilidade de gerar emprego e renda.
Como o cidadão comum pode estar inserido de forma proativa nesta campanha?
A partir da Campanha Energia para Vida, a Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil chegou à conclusão de que era necessário intensificarmos as ações em favor da energia solar fotovoltaica e para isso apresenta a Campanha “Nossa Casa Solar”.
Esta campanha possui como uma ação de base a realização de oficinas de capacitação com a intenção de promover uma compreensão popular das principais questões relacionadas à mini e microgeração de energia elétrica, em especial a partir da energia solar fotovoltaica: regulamentação, processo junto às distribuidoras, custo-benefício, retorno do investimento, financiamentos existentes e empresas instaladoras. Ao final da oficina apresentamos algumas sugestões de contribuição a partir do local.
A pessoa pode estudar a possibilidade de aderir ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica. Hoje existem muitas empresas surgindo nesta área e é relativamente fácil realizar uma estimativa inicial na própria internet. Particularmente recomendo o Portal Solar, que considero uma das melhores referências na área. Neste site, além da estimativa é possível obter três orçamentos de empresas próximas à cidade do/a interessado/a.
Mesmo que chegue à conclusão de que ainda não tem condições de instalar um sistema, uma possibilidade é a pessoa apoiar a campanha se tornando uma espécie de “multiplicador solar”, acompanhar nosso site e página no Facebook e começar a falar sobre a microgeração distribuída e sobre a energia solar fotovoltaica com todas as pessoas possíveis: família, amigos, vizinhos, colegas de escola, de faculdade ou de trabalho, comerciantes… Muitas pessoas ainda não sabem que já podem gerar sua própria energia. Por isso, apenas criar a curiosidade e o interesse pelo tema já é uma grande ação.
Outra possibilidade é reivindicar dos poderes públicos municipais a criação de políticas de incentivo à mini e microgeração de energia elétrica. Entre estas políticas podemos citar a adoção de sistemas de microgeração nos prédios e espaços públicos (prefeitura, câmara legislativa, escolas, hospitais, museus, parques, praças…); adoção de sistemas de microgeração em unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida, onde este programa existe; criação de um fundo municipal de incentivo; desonerações fiscais para adotantes do sistema de microgeração distribuída (como ISS, IPTU, Iluminação Pública…).
Sobre políticas municipais não podemos deixar de considerar as eleições municipais como uma oportunidade de fazer este debate entrar em cena com mais força na sociedade através da proposição aos/às candidatos/as e a Frente pretende construir um conjunto de propostas que sirvam para os interessados em inserir esta discussão na campanha eleitoral deste ano.
As oficinas “Nossa Casa Solar” já foram realizadas nas cidades de Santarém (PA), Macapá (AP), Brasília (DF), Cajazeiras e João Pessoa (PB), Caxias, Codó e Rosário (MA) e a Frente se coloca à disposição de realizar a mesma em qualquer cidade do Brasil, bastando os interessados entrarem em contato por meio do e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
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Campanha Energia para a Vida propõe microgeração solar como alternativa viável à matriz elétrica brasileira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU