27 Junho 2016
Se as armas de fogo matam e podemos deplorar que elas sejam vendidas livremente, certas palavras também podem matar. Elas também estão em venda livre, mas o que é mais grave é que elas dão a entender que servir-se delas seria agradável a Deus. A instituição católica se dá conta de que está pondo à disposição de mentes perturbadas um arsenal de armas dormentes, escondidas nas páginas dos seus catecismos?
A opinião é da biblista e teóloga feminista francesa Anne Soupa, publicada no sítio Baptises.fr, 22-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Depois da carnificina de Orlando, levantam-se vozes para apontar o dedo contra a responsabilidade das religiões. Por exemplo, Daniel Cohn-Bendit denunciava, na terça-feira, 13 de junho, na rádio Europe 1, a incapacidade dos três monoteísmos de pensar a sexualidade homossexual. Mais uma vez, as religiões são acusadas de favorecer a violência...
Verdadeiro ou falso? Da parte católica, o papa, os bispos estadunidenses, a secretaria do episcopado francês, as de muitos países denunciaram com muito vigor e empatia a barbárie de Orlando. Reconhecemos isso, e que ninguém pense que a Igreja Católica não se horrorizou com o que aconteceu.
Paralelamente, o Conselho Família e Sociedade do episcopado francês, presidida por Dom Brunin, há cerca de dois anos, iniciou um diálogo muito frutuoso, retomado já por 32 dioceses. Tudo isso faz pressagiar a boa vontade real de criar um clima de acolhida para as pessoas homossexuais.
No entanto, no senso comum, predomina a ideia de que as religiões não se relacionam muito bem com a homossexualidade. Trata-se somente de mais um preconceito a ser desfeito? Não. Por mais que nos esforcemos para removê-la, continua havendo uma mancha feia que não desaparece do tecido eclesial. O passado deixa a sua marca...
Os danos da mobilização católica contra o "Mariage pour tous" [casamento para todos] são perceptíveis na opinião comum. Recentemente, houve quem recordasse a Dom Barbarin o seu ardente posicionamento contra a lei.
Mas o centro da mancha não está apenas nas memórias e também deturpa as Tábuas da Lei católicas. É claro, quando o vice-governador do Texas, Dan Patrick, de confissão evangélica, acusa os homossexuais de zombarem de Deus, ele se refere à Bíblia. Poderíamos até desculpá-lo... Mas, na Igreja Católica, a afirmação anti-homossexual é repetida em um documento de nem 30 anos atrás, o Catecismo da Igreja Católica de 1992, florão do pontificado de João Paulo II.
Sobre a homossexualidade, lá se lê o seguinte artigo: "Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a Tradição sempre declarou que 'os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados'. São contrários à lei natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem com base em uma verdadeira complementaridade afetiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados" (§ 2.357).
Diante desse "niet" objetado a uma orientação que os seus defensores julgam como fundadora e libertadora, é inútil acreditar que bastam as declarações de empatia, as tentativas de diálogo e outras mãos estendidas.
Se a Igreja Católica quer adquirir algum crédito a esse respeito, ela deve ir – como nos casos de pedofilia que são atualmente repreendidos – até o coração daquilo que irrita e fere a consciência contemporânea: essa pretensão inédita de querer reger a sexualidade humana em nome de princípios teóricos que a existência das pessoas contradiz.
Ela deve decidir remover do seu Catecismo esse artigo 2.357, pelo fato de que ele é intelectualmente contestável (que norma decide sobre a "desordem"? O que é essa lei natural que, cada vez mais, os pensadores julgam como inoperante?), de que ele é humanamente ofensivo, injusto e culpabilizante, de que ele é politicamente contraproducente, porque alimenta uma homofobia até combatida e, sobretudo, leva a pensar que o cristianismo é uma religião do "permitido/proibido", enquanto seguir Cristo é, acima de tudo, amar o próximo.
Enfim, esse artigo revela hoje outro aspecto da sua nocividade que leva ainda mais a nos livrarmos dele. É o massacre de Orlando. Mesmo que perpetrado por um muçulmano, o caso interroga todas as religiões. A instituição católica se dá conta de que está pondo à disposição de mentes perturbadas um arsenal de armas dormentes, escondidas nas páginas dos seus catecismos?
Se as armas de fogo matam, e podemos deplorar que elas sejam vendidas livremente, certas palavras também podem matar. Elas também estão em venda livre, mas o que é mais grave é que elas dão a entender que servir-se delas seria agradável a Deus.
Portanto, a Conférence Catholique des Baptisé-e-s Francophones [Conferência Católica dos/as Batizados/as Francófonos] (CCBF) espera que o Magistério tenha a coragem de renunciar a esse artigo e faz aqui o seu pedido formal. Retirá-lo do delicado comércio entre as pessoas seria um gesto forte não só para as pessoas homossexuais, mas também para todo homem e toda mulher, independentemente da sua religião ou da sua orientação sexual. Seria um poderoso fator de pacificação, um bálsamo no clima de violência atual.
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"Depois de Orlando, é preciso tirar do Catecismo aquele artigo violento." Artigo de Anne Soupa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU