14 Junho 2016
Tudo o que aprendemos com os livros escolares sobre Constantino deve ser revisto, da cruz acompanhada da frase "in hoc signo vinces" que apareceu no céu para Constantino na véspera da vitoriosa batalha de Ponte Mílvio ao Édito de tolerância de Milão em 313, que não foi emitido em Milão, não foi um édito e foi publicado pelo colega e rival de Constantino, Licínio.
A opinião é da historiadora italiana Chiara Frugoni, uma das maiores especialistas na vida de São Francisco de Assis, assim como em Idade Média e história da Igreja. Foi professora das universidades de Pisa e de Roma Tor Vergata. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 13-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Alessandro Barbero, concluindo o seu livro Costantino il vincitore [Constantino, o vencedor] (Ed. Salerno) escreve: "Este livro terá alcançado o seu objetivo se conseguir convencer os seus leitores de que os estudos constantinianos, apesar da sua aparente prosperidade, teriam uma grande necessidade de um navalha de Ockham, que viesse a cortar a barba de Eusébio" (a alusão é ao princípio formulado por William de Ockham: inútil formular mais hipóteses do que o necessário para explicar um problema; Eusébio de Cesareia é uma das fontes importantes para reconstruir a figura de Constantino, que, como todas as outras, passaram pelo crivo da crítica moderna, mas, muitas vezes, propondo conjecturas e interpretações impressionantes).
Na realidade, Alessandro Barbero usou, ele mesmo, ao longo de todo o livro, a navalha de Ockham, e ficamos verdadeiramente espantados ao constatar como os estudiosos muito sérios da história antiga se mostraram tão desenvoltos ao transformar indícios frágeis em certezas graníticas; aproximativos e desatentos ao controlar as fontes e as próprias afirmações, prontos a interpretar mal e, francamente, a imaginar.
Constantino, o vencedor é um livro desafiador pelo número de páginas (com os índices, 850), mas não para a leitura, que é apaixonante e agradável ao mesmo tempo. Portanto, trata-se de um ensaio muito bem documentado (na bibliografia, as obras citadas superam amplamente o milhar), dirigido aos estudiosos, mas também ao grande público, pelo estilo plano e discursivo, muitas vezes irônico e sorridente.
Digamo-lo imediatamente: tudo o que aprendemos com os livros escolares deve ser revisto, da cruz acompanhada da frase "in hoc signo vinces" que apareceu no céu para Constantino na véspera da vitoriosa batalha de Ponte Mílvio ao Édito de tolerância de Milão em 313, que não foi emitido em Milão, não foi um édito e foi publicado pelo colega e rival de Constantino, Licínio.
Alessandro Barbero deixa falar, para depois discutir, cada fontes por si mesma, de modo autônomo; ao lado das fontes escritas, são apresentadas, cada uma com a própria especificidade e no seu contexto, também os testemunhos materiais: as moedas, as epígrafes, os monumentos.
O livro segue Constantino da juventude à morte: uma vida marcada também por eventos familiares cruéis: ele fez com que matassem a segunda esposa, Fausta, o pai e o irmão dela, e o próprio filho Crispo, que o havia ajudado em tantas vitórias. A batalha de Ponte Mílvio, em 313, uma vitória esmagadora e inesperada com a destruição do cadáver de Maxêncio, produziu uma enorme impressão: o imperador foi vencedor de uma guerra civil na qual as suas mãos "pingam sangue romano".
Dos perigos do corpo a corpo furioso e de julgamentos que poderiam ser não totalmente benevolentes, Constantino foi protegido pela visão celeste tida antes da batalha que lhe assegurou a vitória. No entanto, os relatos de Eusébio de Cesareia e de Latâncio divergem de forma substancial.
De acordo com Eusébio, teria sido o próprio imperador, bem depois dos acontecimentos, que lhe contou sobre a aparição no céu: "O troféu da cruz feito de luz e ao lado uma inscrição: 'Com este sinal vencerás'", aparição vista por Constantino e pelo exército. Alessandro Barbero nota a inverossimilhança do fato de que nenhum dos espectadores jamais tenha contado o portento, esperando que o imperador, muitos anos depois, decidisse, ele sozinho, romper o silêncio.
De acordo com Latâncio, o imperador, ao contrário, viu em sonho "caeleste signum Dei", descrito de modo muito pouco claro: uma letra Khi grega posta de lado e uma Rho (que, em grego, tem a forma do nosso P), e foi-lhe ordenado de colocar tal "signum" nos escudos antes de atacar a batalha.
A historiografia se dividiu pontualmente, entendendo ou que Latâncio pensava no símbolo da cruz ou, ao contrário, em um cristograma formado pelas primeiras duas letras gregas XP da palavra Cristo. (Ambas as possibilidades foram coletadas a partir da iconografia.)
No entanto, o signum de Latâncio também era um emblema solar, e, portanto, talvez o próprio Constantino, naquele tempo devoto do culto do Sol, poderia ter escolhido um símbolo que atraía pagãos e cristãos. Talvez, tratou-se até de uma invenção de Latâncio: não existe nenhuma comprovação iconográfica estritamente contemporânea do signum Dei inscrito nos escudos, nem nas moedas, nem no arco de Constantino.
Latâncio contou uma história muito semelhante, atribuindo um sonho de inspiração cristã a Licínio, um sonho que a historiografia esqueceu completamente, porque, permito-me arriscar, Licínio é um perdedor, derrotado por Constantino, executado por ter armado uma revolta, e Constantino, como ele mesmo se apelidou, é o Vencedor.
É impossível para mim dar conta, no espaço à disposição, da vastidão da pesquisa de Alessandro Barbero, fruto de anos e anos de estudo. Mas quero ressaltar que, depois de ter manejado com tanta maestria a navalha de Ockham, o autor contribuiu para delinear com muito segurança um inédito e, finalmente, mais seguro retrato de Constantino.
Político muito hábil, que se tornou o único imperador por impiedosa dureza e grandes dotes militares, Constantino trabalhou na construção de um poder imperial e dinástico assegurando-se o consentimento de alguns grupos sociais compactos, até mesmo com concessões impressionantes. Por exemplo, os grandes detentores de fundos fiscais não deviam ser vexados pelos funcionários cujas verificações, se consideradas injustas, implicariam a morte na fogueira daqueles que, em teoria, tentavam defender os interesses do fisco. Constantino assegurava, assim, uma proteção que tinha valor clientelar.
Ele vetou as vinganças políticas e as delações: outro modo para garantir a gratidão daqueles que tinham enriquecido, por exemplo, sob Maxêncio e temia a ira do vencedor. Ele tranquilizou os veteranos, concedendo uma série de imunidades.
Tendo compreendido que os cristãos também eram um grupo social compacto, em perspectiva cada vez mais importante, ele mostrou pela nova religião toda a sua benevolência, mesmo que, até o fim da vida, embora manifestando uma crescente frieza em relação aos pagãos, salvaguardou os cultos cívicos e os sacerdotes adeptos a eles, sem fechar os templos. Toda a política de Constantino foi de natureza inclusiva, voltada a evitar os contrastes.
Só no leito de morte é que Constantino recebeu, talvez, o batismo. Convencido por tantos anos de ser protegido por várias divindades pagãs (como demonstram as moedas), ele realmente acreditou, na maturidade, na existência de um único Deus? Por que a Igreja escolheu Constantino como o primeiro imperador cristão? Aqui, poderia iniciar outro livro.
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Constantino, o imperador que inventou a realpolitik. Artigo de Chiara Frugoni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU