10 Junho 2016
“A reforma da Previdência deveria levar em conta os efeitos positivos que a vinculação do salário mínimo tem sobre a redução da pobreza e da desigualdade”, afirma a economista.
Foto: vermelho.org.br |
Segundo ela, o efeito distributivo da renda foi maior pela Previdência, “onde mais da metade dos aposentados e pensionistas recebem exatamente um salário mínimo, visto que este é seu piso oficial, a contribuição do mínimo para a redução da desigualdade alcançou 37,7%”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, a economista afirma que “além de ser o piso do mercado de trabalho”, o salário mínimo no Brasil “cumpre outros papéis” ao estar “vinculado à Seguridade Social desde a Constituição de 1988, sendo o piso oficial de aposentadorias e pensões, valor do BPC, valor do abono salarial e do seguro-desemprego”. Portanto, adverte, “alterar seu valor tem um custo orçamentário não desprezível. Contudo, apesar deste custo, como vimos ele tem um potencial distributivo muito importante”.
Alessandra Scalioni também comenta a atual discussão sobre a Reforma da Previdência e o papel do salário mínimo neste debate. “Fala-se muito em desvincular o piso da Previdência do salário mínimo. Neste ponto eu acredito que deva haver muito cuidado. A Previdência tem um papel muito importante na redução da pobreza entre idosos e, como vimos com os dados que estimamos, na redução da desigualdade de renda nas últimas décadas. Enquanto no mercado de trabalho apenas 15% dos ocupados recebem o piso, havendo uma proporção significativa recebendo abaixo dele, na Previdência, ainda que tardiamente, conseguimos corrigir um pouco das distorções geradas pelo mercado de trabalho levando estas pessoas para o piso. Não à toa, 55% de aposentados e pensionistas estão no piso da Previdência”, pontua.
E questiona: “É função da Previdência cumprir este papel? Se vemos a Previdência como parte da seguridade social e não só como um seguro, a resposta é sim. Tem um custo? Claro que tem. Mas cabe ao Estado ponderar quais são suas prioridades”.
Alessandra Scalioni é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, mestra e doutora em Economia pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Atualmente é pesquisadora de informações geográficas e estatísticas da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual foi a contribuição da política de valorização do salário mínimo para a queda da desigualdade no Brasil no período em que você estudou, entre 1995 e 2013? A redução das desigualdades foi apenas em relação à renda ou a outros aspectos também? Quais?
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Alessandra Scalioni - A contribuição da política de salário mínimo para a redução da desigualdade da distribuição de renda domiciliar per capita no Brasil entre 1995 e 2013 foi estimada em 72,4%, considerando os três possíveis canais pelos quais o salário mínimo pode afetar a renda: mercado de trabalho, Previdência Social e Assistência Social. No mercado de trabalho consideramos apenas os recebedores do piso salarial e o efeito distributivo do mínimo foi de 26,3%.
Na Previdência, onde mais da metade dos aposentados e pensionistas recebem exatamente um salário mínimo, visto que este é seu piso oficial, a contribuição do mínimo para a redução da desigualdade alcançou 37,7%.
Na Assistência, o Benefício de Prestação Continuada - BPC tem o valor atrelado ao salário mínimo. Neste caso o efeito distributivo foi de 8,4%.
IHU On-Line - Pode fazer um balanço sobre o valor do salário mínimo neste período? Qual era o valor em 1995 e como ele aumentou até 2013? Apesar de o salário mínimo ter aumentado de 1995 a 2013, evidencia mudanças em relação à valorização do real neste período, ou seja, o poder de compra dos trabalhadores também aumentou com o aumento do salário mínimo, ou em alguns períodos, por conta da inflação, o poder de compra foi reduzido apesar do aumento do salário?
Alessandra Scalioni - O salário mínimo nominal era em 1995 de R$100, chegando a R$678 em 2013 e a R$880 em 2016. Em termos reais o salário mínimo vem se valorizando desde 1995, ou seja, ele tem tido reajustes acima da inflação desde meados da década de 1990 até hoje. Entre 1995 e 2013, por exemplo, a valorização real do mínimo foi de 112,2%.
Contudo, esta valorização não foi homogênea em todo o período 1995-2013. Enquanto entre 1995 e 1998 o mínimo se valorizou apenas 7,5% e entre 1998 e 2002 sua valorização foi de 14,5%, entre 2002 e 2006 o valor real do mínimo aumentou 30,9%, mostrando uma intensificação de seu aumento nos anos 2000. Entre 2006 e 2011 o aumento real do mínimo foi de 18,3%, enquanto entre 2011 e 2013 sua valorização foi de 11,3%.
"Em janeiro de 2016, por exemplo, o Dieese estimava em R$3.795,24 o salário mínimo necessário, enquanto o salário mínimo vigente era de R$880,00" |
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IHU On-Line - A partir da sua pesquisa, que considerações são possíveis de estabelecer entre o salário mínimo e a desigualdade salarial, por exemplo? Que informações se têm sobre esse tipo de desigualdade?
Alessandra Scalioni - Nosso trabalho tem a contribuição para a literatura que relaciona salário mínimo e desigualdade de considerar os canais da Previdência e da Assistência no cômputo da contribuição do salário mínimo para a redução da desigualdade no Brasil nos últimos anos, uma vez que a literatura tende a se concentrar no papel do mercado de trabalho.
Este canal, como vimos, foi responsável por 26,3% da redução da desigualdade da renda domiciliar per capita entre 1995-2013. Destes, 14,8% se deveram ao rendimento médio recebido pelo domicílio através dos ocupados que recebem o mínimo, enquanto 11,5% se deveram à proporção de moradores no domicílio que são ocupados de um salário mínimo.
IHU On-Line - Quando se discute a ideia de se ter um salário mínimo, quais são as questões que geralmente aparecem neste debate?
Alessandra Scalioni - O salário mínimo é em primeiro lugar uma política de mercado de trabalho que tem por objetivo, entre outras coisas, proteger categorias de trabalhadores pouco qualificados, garantindo que lhes sejam pagos salários dignos. Quando se discute a imposição de uma legislação do salário mínimo em um país surgem questões como efeitos adversos que uma rigidez de salários no mercado de trabalho poderia gerar como desemprego e informalidade. Mas a literatura empírica, internacional e nacional, tem encontrado poucos ou nenhum efeito neste sentido. Um exemplo é o trabalho de Card e Krueger [1] (1995) para os EUA.
IHU On-Line - Quais são as dificuldades de aumentar o salário mínimo no Brasil?
Alessandra Scalioni - No Brasil, além de ser o piso do mercado de trabalho, o salário mínimo cumpre outros papéis. Ele está vinculado à Seguridade Social desde a Constituição de 1988, sendo o piso oficial de aposentadorias e pensões, valor do BPC, valor do abono salarial e do seguro-desemprego. Portanto, alterar seu valor tem um custo orçamentário não desprezível. Contudo, apesar deste custo, como vimos ele tem um potencial distributivo muito importante.
IHU On-Line - Como é feito o cálculo do salário mínimo hoje no país?
Alessandra Scalioni - Os reajustes do salário mínimo seguem uma regra, que foi estabelecida em 2007. O reajuste do mínimo do ano t terá como base a variação do PIB do ano t-2 acrescida da inflação do ano t-1, medida pelo INPC.
IHU On-Line - O atual valor do salário mínimo é suficiente para atender todas as demandas de uma pessoa ao longo do mês?
Alessandra Scalioni - O Dieese calcula mensalmente o salário mínimo necessário (ideal) para atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família como estabelecido na Constituição. Seu valor é bem superior ao salário mínimo que temos hoje no Brasil. Em janeiro de 2016, por exemplo, o Dieese estimava em R$3.795,24 o salário mínimo necessário, enquanto o salário mínimo vigente era de R$880,00.
"A reforma da Previdência deveria levar em conta os efeitos positivos que a vinculação do salário mínimo tem sobre a redução da pobreza e da desigualdade" |
IHU On-Line - Hoje, entre os principais debates conjunturais do país, destaca-se a discussão sobre uma possível reforma da Previdência. Como a questão do salário mínimo deveria ser discutida numa possível reforma?
Alessandra Scalioni - No debate da reforma da Previdência parece haver um consenso de que existe um colapso das contas previdenciárias. Contudo, a tese da professora Denise Gentil (UFRJ) destoa um pouco deste aparente consenso ao mostrar que não se deve apenas considerar as contribuições de patrões e empregados como receita da Previdência, mas também a parcela das contribuições sociais (tributos) criadas para financiar a Previdência.
Além disso, fala-se muito em desvincular o piso da Previdência do salário mínimo. Neste ponto eu acredito que deva haver muito cuidado. A Previdência tem um papel muito importante na redução da pobreza entre idosos e, como vimos com os dados que estimamos, na redução da desigualdade de renda nas últimas décadas. Enquanto no mercado de trabalho apenas 15% dos ocupados recebem o piso, havendo uma proporção significativa recebendo abaixo dele, na Previdência, ainda que tardiamente, conseguimos corrigir um pouco das distorções geradas pelo mercado de trabalho levando estas pessoas para o piso. Não à toa, 55% de aposentados e pensionistas estão no piso da Previdência. É função da Previdência cumprir este papel? Se vemos a Previdência como parte da seguridade social e não só como um seguro, a resposta é sim. Tem um custo? Claro que tem. Mas cabe ao Estado ponderar quais são suas prioridades.
O fato é que a valorização do salário mínimo fez aumentar a renda das famílias que tinham um ocupado que recebia o piso, ou um idoso que recebia o mínimo como aposentadoria ou pensão ou um idoso ou deficiente de baixa renda que recebiam o BPC, e isso reduziu a desigualdade num país marcado por enormes diferenças sociais e regionais. Portanto, para mim a reforma da Previdência deveria levar em conta os efeitos positivos que a vinculação do salário mínimo tem sobre a redução da pobreza e da desigualdade.
NOTA:
[1] Alan Bennett Krueger (1960): é um economista americano e professor de Economia na Universidade de Princeton.
David Edward Card (1956): é um economista canadense e professor de Economia da Universidade de Califórnia.
A obra utilizada pela autora é Card, D.; Krueger, A. B. Myth and Measurement: the new economics of the minimum wage. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1995.
Por Patricia Fachin
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Salário mínimo: duas décadas de efeitos positivos sobre a redução da pobreza e da desigualdade. Entrevista especial com Alessandra Scalioni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU