17 Mai 2016
Depois da queda do Muro de Berlim, os intelectuais de esquerda podem ser divididos em três tipos: os perseverantes, os pessimistas e os inovadores. De acordo com Razmig Keucheyan, autor de um valioso ensaio sobre o Hémisphère gauche ("La Découverte"), Slavoj Žižek pertence à última categoria.
A reportagem é de Giulio Azzolini, publicada no jornal La Repubblica, 16-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Mas eu prefiro me considerar como um pessimista", diz o filósofo esloveno. "Porque os pessimistas são as únicas pessoas felizes. Se você é pessimista, de vez em quando, você se dá conta de que nem tudo é tão ruim quanto você acreditava e, então, se predispõe às boas surpresas. Os otimistas estão sempre amargurados. Eu sou um pessimista que crê nos milagres."
Segundo Zizek, "é verdade que todos estão dentro do mercado, mas muitos estão fora da história".
Eis a entrevista.
Professor Žižek, em "A nova luta de classes" (agora nas livrarias), você critica os populistas anti-imigração, mas ainda mais a esquerda liberal, favorável à abertura das fronteiras. Por quê?
Porque são dois lados da mesma moeda, mas a segunda é mais hipócrita do que a primeira. O problema não é dizer "sim" ou "não" à acolhida, mas entender por que muitos fogem dos seus países e encontrar o modo de realmente ajudar as pessoas pobres. Pense nos filmes de Hitchcock: muitas vezes, eles começam com um detalhe, como uma chave ou um copo de leite, depois o enquadramento, plano por plano, se amplia, e o espectador pode ver a situação por inteiro. Pois bem, a meu ver, as imagens dos barcos ao longo de Lampedusa representam essa chave, esse copo de leite: você não acredita que chegou a hora de girar a câmera e olhar toda a cena? São anos que, na indiferença geral de todos, incluindo a China, estão se apropriando das terras africanas em nome de um galopante neocolonialismo econômico.
E a ideia de luta de classes ainda é útil?
Hoje, a luta de classes não é mais aquela tipicamente marxista: proletariado contra burguesia, periferia contra centro. Como explicou Peter Sloterdijk (eu sei, é triste, mas para entender o nosso tempo devemos nos voltar para os conservadores), o novo confronto é entre quem está dentro e quem ficou de fora. Porque é verdade que todos estão dentro do mercado, mas muitos estão fora da história. Eu falo dos jovens sem perspectivas, dos trabalhados precários, dos refugiados, das muitíssimas mulheres que continuam sofrendo violência. A ideia de luta de classes serve para dar uma base comum para milhares de conflitos dispersos no capitalismo global.
Como se combate a nova luta?
O modelo não é mais a tomada da Bastilha ou insurreições desse tipo. A revolução não pode ser ainda o ataque ao palácio do poder. Eu li Marx e sei muito bem que o capitalismo é o sistema social de produção mais poderoso e flexível da história. Mas não me resigno aos paliativos propostos pela esquerda liberal e estou convencido de que cada sistema guarda alavancas escondidas, que podem desencadear reações em cadeia. É como nos filmes de ficção científica, quando, em certo ponto, o protagonista toca o botão errado e explode uma bomba: para mim, o desafio é encontrar os botões explosivos. E atenção: não se trata de teorias abstratas, mas de questões concretas e, aparentemente, pouco relevantes. Pense na batalha de Obama para garantir a assistência de saúde pública: bastou esse botão – que, para nós, europeus, parece óbvio e sacrossanto – para enfurecer os mais poderosos lobbies dos Estados Unidos. Mas a Europa também tem os seus botões sensíveis.
Como a imigração...
O que não aconteceu diante do perigo Grexit, ou seja, a desagregação da Europa, corre o risco de ocorrer hoje sobre os migrantes. É preciso agarrar o touro pelos chifres. Os países fundadores da União Europeia devem ser mais agressivos contra os Estados que optaram por dar mínima para a solidariedade. Que Itália, França, Alemanha chamem Polônia, Eslováquia, Hungria e falem claramente: "Vocês não querem participar do nosso jogo sobre a emergência dos refugiados? Muito bem, então vocês não merecem fazer parte do coração íntimo da União Europeia. Vocês serão Estados de segunda classe. E se virem na hora de pedir ajuda quando não souberem como financiar o crescimento de vocês".
Que efeito lhe provocou o recente e fortíssimo apelo do Papa Francisco para a Europa, ainda sobre o tema dos migrantes?
Obviamente, eu acolhi favoravelmente a sua crítica à xenofobia. Mas o ponto não é, como fez Francisco, invocar "direitos humanos, democracia e liberdade", mas discutir a ordem econômica global que provoca essas migrações em massa. A Europa não está em crise moral. É o capitalismo que entrou em uma nova fase.
Para além da acolhida, por que você não defende o conceito de integração?
Os terroristas de Bruxelas estavam perfeitamente integrados. É preciso abandonar essa retórica da integração, que uniformiza tudo e todos, e refletir de novo sobre os conceitos de vizinho, de estrangeiro, de próximo. A esquerda sempre subestimou os sentimentos étnicos, acreditou que o nacionalismo era uma teoria que basta para contrapor outra. É inútil criar belas almas. Você sabe qual é o meu ideal de convivência? Um grande edifício onde pessoas de todas as raças e religiões se ignoram, mas fazem isso gentilmente, de modo muito tolerante. Depois, talvez, nascerão amizades, amores, mas isso não pode acontecer de maneira forçada.
Mas a política não tem a tarefa de sublimar, na medida do possível, os impulsos das massas?
Sim, e é isso que Bernie Sanders está fazendo muito bem. Ele não vai ganhar as primárias do Partido Democrata, mas o seu papel pedagógico é muito importante e deve ser avaliado a longo prazo.
Enquanto isso, Donald Trump poderia se tornar o homem mais poderoso do planeta. Isso o assusta?
Ted Cruz teria sido pior. Trump é um político de nível muito baixo, ok, é um personagem de péssimo gosto. Mas o seu programa econômico é muito mais moderado do que aqueles que agradam a direita estadunidense. E, além disso, a sua esposa é eslovena: como posso me assustar, como compatriota, com a hipotética first lady?
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"A nova luta de classes é entre quem está dentro e quem ficou de fora." Entrevista com Slavoj Žižek - Instituto Humanitas Unisinos - IHU