06 Mai 2016
O que Jan Assmann propõe no seu diálogo? Em primeiro lugar, uma revisão da "exclusão mosaica": a oposição entre deus verdadeiro e deus falso teria se afirmado não tanto nos livros mosaicos da Bíblia, onde, com efeito, fala-se apenas de exclusiva "fidelidade" ao Deus de Israel, mas nos profetas mais recentes, como Jeremias e o Dêutero-Isaías.
A opinião é de Maurizio Bettini, professor de Filologia Clássica na Universidade de Siena, na Itália. Publicou extensivamente sobre a antropologia na Roma antiga (The Portrait of the Lover, tradução de L. Gibbs, Berkeley, University of California Press, 1999; Anthropology and Roman Culture, tradução de J. Van Sickle, Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1991) e sobre o papel do mito na antiguidade (C’era una volta il mito, Sellerio, 2007).
O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 27-03-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A interpretação que Jan Assmann deu das formas do monoteísmo constitui uma das contribuições mais interessantes que as pesquisas históricas e antropológicas, no campo religioso, receberam nos últimos anos.
É sua, em particular, a fórmula "exclusão mosaica" para definir um traço que une os três grandes monoteísmos: ou seja, a convicção de que Deus é único e que não pode ser senão o seu ("Não terás outro Deus além de mim"). Essa atitude leva a considerar como "falsos deuses" as divindades alheias, concebendo o próprio Deus como o único "verdadeiro"; e, por isso, desencadeou sangrentos conflitos religiosos, como hoje, infelizmente, ainda vemos.
Ao contrário, nas religiões politeístas – em que era até possível identificar uma divindade alheia com uma divindade própria – o conflito para afirmar o "verdadeiro deus" tinha permanecido totalmente desconhecido.
De Assmann já foram traduzidas obras fundamentais, como "Moisés, o egípcio" ou "O preço do monoteísmo": hoje, o leitor tem à disposição uma síntese viva, atualizada do seu pensamento no livro- entrevista com Elisabetta Colagrossi (Il disagio dei monoteismi [O desconforto dos monoteísmos], Morcelliana).
O que Assmann propõe no seu diálogo? Em primeiro lugar, uma revisão da "exclusão mosaica": a oposição entre deus verdadeiro e deus falso teria se afirmado não tanto nos livros mosaicos da Bíblia, onde, com efeito, fala-se apenas de exclusiva "fidelidade" ao Deus de Israel, mas nos profetas mais recentes, como Jeremias e o Dêutero-Isaías.
Essa mudança, em vez disso, teria acontecido por influência do zoroastrismo, a religião iraniana. Consequentemente, acrescentamos nós, a oposição entre deus verdadeiro e deus falso teria a sua origem em uma cultura religiosa externa à judaica.
Nessa segunda hipótese, nasce-nos uma dúvida, porém. Não poderia ser esse um modo para aliviar, digamos assim, a responsabilidade do monoteísmo judaico e daqueles que dele derivavam na elaboração de um modelo religioso que hoje parece ser cada vez mais posto em discussão?
O leitor atento mais aos problemas de hoje do que aos das origens, no entanto, achará de grande interesse a proposta que Assmann levanta para superar os atuais conflitos religiosos: ou seja, um retorno àquilo que a Aufklärung alemã definia como "religio duplex". Uma religião "dupla", no sentido de que, ao lado, ou abaixo, das religiões reveladas – e muitas vezes em conflito entre elas – se reconhecia a existência de uma única e comum religião de caráter ético: um ponto de fuga "transcendental" em que todas as diversas fés, sem renunciar às próprias especificidades, podem convergir.
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A ética religiosa e o seu "duplo". Artigo de Maurizio Bettini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU