02 Mai 2016
Depois do histórico encontro em Cuba entre o Papa Francisco e o Patriarca de Moscou, Kirill, na Igreja Ortodoxa Russa, "está em curso a formação de um movimento antiecumênico. À sua frente, está se propondo o bispo Tikhon (Shevkunov) (foto), reitor do prestigiado seminário teológico do mosteiro Sretensky de Moscou".
A reportagem é de Marta Allevato, publicada pela agência AsiaNews, 28-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essa convicção é de Sergei Chapnin, diretor do almanaque Dari e ex-diretor da Revista do Patriarcado, que comentou desse modo a recente intervenção do bispo ortodoxo diante dos estudantes da Faculdade de Sociologia da Universidade Estatal de Lomonosov, de Moscou.
O bispo é considerado por muitos como o conselheiro espiritual do presidente Vladimir Putin. Segundo informou a agência russa Ria Novosti, Tikhon disse estar certo de que, "hoje, não se pode falar com razão do ecumenismo como de uma posição dominante" dentro da comunidade ortodoxa russa.
De acordo com ele, a atual posição ecumênica, em favor da unidade entre cristãos, é percebida pela maioria dos fiéis "sem qualquer simpatia", e a maioria deles não vê "nenhum futuro de verdade na ideia de ecumenismo na Igreja".
Segundo o bispo, há razões compreensíveis para esse sentimento: "O ecumenismo é solidamente associado com a burocracia eclesiástica, com os funcionários do Patriarcado, e isso não aumenta a simpatia. As pessoas não gostam dos burocratas, não importa se estão de hábito ou com roupas seculares".
Ele acrescentou também que a teologia do ecumenismo é "inventada e desprovida de motivos naturais", enquanto a teologia antiecumênica "se baseia na tradição patrística".
Justamente o termo "patrística" é utilizado para descrever a posição dos grupos fundamentalistas dentro da Igreja Ortodoxa que se opõem à linha "nikodímica", à qual é associado o próprio Patriarca Kirill. O adjetivo se refere a uma posição relativamente jovem, "que assume o nome do Metropolita Nikodim (Rotov), falecido de repente durante a sua audiência com o Papa João Paulo I, em 1978. A sua característica distintiva é a falta de medo diante do Ocidente e, em particular, diante do Vaticano, a recusa de ver um inimigo em qualquer cristão não ortodoxo", explicou Chapnin em um artigo para a AsiaNews.
No seu discurso perante os estudantes russos, o bispo Tikhon atacou diretamente a política ecumênica conduzida por Nikodim durante as perseguições do período de Khrushchev. De acordo com ele, tratava-se apenas de uma "manobra" decidida teoricamente de "modo frio e pragmático" pela hierarquia eclesiástica daqueles anos, "para tentar salvar as estruturas da Igreja no território da URSS sob a cobertura internacional".
Não é a primeira vez que Tikhon se expressa em público contra o ecumenismo e o diálogo com os católicos. Ele o fez poucos dias depois do abraço entre Francisco e Kirill, em uma homilia de 21 de fevereiro, em que citou o santo hieromártir Hilarion (Troitsky, 1886-1929), dizendo: "Os católicos, para mim, não são Igreja e, consequentemente, nem mesmo cristãos, porque não há cristianismo sem Igreja".
Mais de um mês atrás, na internet, foi publicada uma "Mensagem dos cidadãos ortodoxos russos aos órgãos de poder estatal e à hierarquia eclesiástica com o pedido para restaurar a lei e a ordem". O apelo sublinha que uma das ameaças mais sérias à segurança da Federação é a declaração conjunta assinada pelo Patriarca de Moscou e pelo papa durante o encontro em Havana.
De acordo com os signatários, o texto "não respeita o verdadeiro ensinamento ortodoxo e é uma apologia da heresia do ecumenismo, projetada para legitimar o movimento ecumênico" no Sínodo pan-ortodoxo que será realizado em junho, em Creta.
O ataque, depois, também foi dirigido abertamente contra Kirill, culpado de ter assinado, em nome de toda a Igreja Ortodoxa – mas sem ter recebido qualquer delegação real a respeito –, uma declaração com o chefe do Vaticano, de fato, "reconhecendo a igualdade canônica" com o pontífice e traindo a definição patrística do "papismo" como heresia.
No dia 15 de abril, o serviço de comunicação do Departamento de Relações Eclesiásticas Externas do Patriarcado de Moscou emitiu dois comunicados que respondem àqueles que veem no encontro em Cuba uma "traição" da fé ortodoxa e o "Anticristo" no próximo Sínodo pan-ortodoxo. O Patriarcado exortou a "não sucumbir às tentações do maligno que tenta semear discórdia no ambiente da Igreja e tentar utilizar toda ocasião para semear a dúvida no coração das pessoas".
"A Igreja Ortodoxa Russa e o seu patriarca – continuam os comunicados –, com firmeza e de modo inabalável, guardam a fé ortodoxa, sentem a responsabilidade pelo destino da civilização humana e defendem a sua posição perante todas as dificuldades."
O patriarcado, depois, também quis explicar que qualquer renúncia ao diálogo com os não ortodoxos "seria um crime diante de Deus, que ordenou aos seus apóstolos que fossem e ensinassem todas as nações". "Se os apóstolos tivessem ficado fechados, evitando qualquer contato com as outras religiões, o Evangelho nunca teria ido além das fronteiras do Cenáculo", afirma o comunicado, que, por fim, lembra como os dois líderes espirituais, em Havana, não participaram de qualquer oração ou liturgia comum e, nas conversas, não abordaram questões teológicas ou canônicas, já que o encontro não tinha o objetivo de superar essas diferenças, nem foi feito qualquer acordo sobre isso.
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Igreja Ortodoxa: o surgimento de um movimento antiecumênico russo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU