15 Fevereiro 2016
Já nada mais será como antes entre as Igrejas de Roma e a Ortodoxa Russa. Muitos reduzem esse evento a uma questão de política eclesial e, quando escrevem a respeito, não conseguem lê-lo em profundidade, porque são apenas especialistas em diplomacia eclesiástica.
A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 14-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Todas as Igrejas estavam certas de que, em um futuro impreciso, o papa de Roma se encontraria com o Patriarca de Moscou e de toda a Rússia, o único primaz da Igreja Ortodoxa que sempre tinha adiado o face a face com o papa.
Isso apesar de 50 anos de encontros ecumênicos e de viagens em diversas nações. Todos os patriarcas e os primazes das Igrejas ortodoxas e das orientais haviam trocado o abraço com o patriarca do Ocidente, mas o patriarca russo não.
Foram 50 anos de espera, nos quais, porém, haviam quem continuasse silenciosamente, mas de modo obstinado, trabalhando por esse encontro: órgãos vaticanos, centros ecumênicos, bispos ortodoxos não esperavam passivamente essa hora que também se tornava urgente, por causa do surgimento do problema de cristãos católicos, ortodoxos e orientais perseguidos e, muitas vezes, expulsos do Oriente Médio, e por causa da já incontestável necessidade de uma voz unânime capaz de se elevar com autoridade na nova situação europeia, marcada particularmente pela secularização e pelo indiferentismo religioso.
E eis que, na última sexta-feira, o impossível aconteceu graças à santa resolução do Papa Francisco, disposto a renunciar a toda pré-condição e a deixar que fosse o Patriarca Kyrill que estabelecesse os termos do encontro: "Eu vou. Você me chama, e eu vou, onde você quiser, quando quiser!". Palavras que permanecerão indeléveis, como sinal de uma profunda convicção e de uma capacidade de humildade que renuncia aos reconhecimentos, ao protocolo, àquela que se chamaria de "verdade católica" da autoridade do papa.
E, assim, o encontro ocorreu de um modo inédito: nenhum dos protagonistas teve ao seu lado o seu povo para aplaudi-lo, não houve nenhum megaevento eclesial, nenhuma liturgia, nem cerimônias pomposas. Aconteceu o essencial: o face a face entre Francisco e Kyril, o abraço tão esperado, o diálogo de quase duas horas entre irmãos que nunca tinham se encontrado e estavam divididos há quase um milênio.
Os temas do diálogo não coincidem plenamente com os da declaração conjunta final, que é uma atestação da preocupação dos dois líderes da Igreja. Certamente, eles falaram, acima de tudo, do ecumenismo do sangue que é testemunho, martírio por parte das suas respectivas Igrejas; olharam para o Oriente Médio através de violências, terrorismo e guerras que fazem com que os cristãos fujam; discutiram o testemunho comum em um mundo não cristão.
Mas também falaram de outros assuntos: da urgente reconciliação entre as Igrejas na Ucrânia, da rejeição do uniatismo e do proselitismo, da aceitação do direito dos greco-católicos de existir e de viver ao lado dos ortodoxos, das relações entre a Igreja de Roma e toda a Ortodoxia, do diálogo teológico bilateral que prossegue com dificuldade...
A declaração comum também poderia parecer decepcionante, mas é um destino ao qual a Igreja Ortodoxa Russa nunca tinha chegado. E é significativo que, ao lado da defesa das exigências de justiça, encontram-se temas considerados decisivos por ambas as partes, como a ética familiar e a defesa da vida.
Em todo o caso, o que é decisivo é que o encontro ocorreu, e já nada mais será como antes entre as duas Igrejas. Muitos reduzem esse evento a uma questão de política eclesial e, quando escrevem a respeito, não conseguem lê-lo em profundidade, porque são apenas especialistas em diplomacia eclesiástica.
Mas, na verdade – e eu acredito que digo isso conhecendo bem a situação e as partes em causa –, o que determinou o encontro e lhe dá o significado decisivo é a vontade do restabelecimento da comunhão. Já conhecemos bem essa paixão e essa santa obsessão em Francisco; mas quem conhece Kyrill sabe que ele também está convencido de tal caminho, como autêntico discípulo do Metropolita Nikodim, que morreu entre os braços de João Paulo I, no Vaticano, em 1978, enquanto lhe expunha a real situação dos cristãos na URSS.
Não se deve esquecer que Nikodim foi várias vezes ao Ocidente e também a Bose, para um testemunho comum sobre a paz então ameaçada, e que Kyrill, também em Bose, participou dos encontros entre católicos e ortodoxos, apoiando-os resolutamente.
Um longo caminho que se concluiu nessa sexta-feira, do qual ainda não conseguimos avaliar a importância e as possibilidades abertas para o futuro. Kyrill mostrou ser aquilo que conhecíamos dele: um primaz convencido da necessidade da sua ação ecumênica por todas as Igrejas ortodoxas, da urgência de uma colaboração com o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla e de uma reconciliação com a Igreja Católica.
Alguns não podem ler esse evento sem pensar em uma direção política de Putin e chegam a contestar esse encontro, definindo o papa como ingênuo. Mas Francisco é um visionário, não quer que a Igreja viva de táticas e de estratégias, mas acredita na dinâmica da história e na bondade humana em que sempre repousa o chamado de Deus. Por isso, ele não teme, mas corajosamente constrói pontes mesmo onde o abismo é profundo e o rio que separa as duas margens é largo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ecumenismo: nada mais será como antes. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU