O individualismo matou a esquerda. Entrevista com Mario Tronti

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22 Abril 2016

Certamente não está melhor. "Ao contrário, nos últimos anos, a situação se agravou", diz o senador italiano Mario Tronti sobre a emergência antropológica por ele denunciada, "a partir da esquerda", em 2011, com uma carta aberta compartilhada com Pietro Barcellona, Paolo Sorbi e Giuseppe Vacca.

A reportagem é de Alessandro Zaccuri, publicada no jornal Avvenire, 20-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Os dois últimos signatários recentemente participaram no debate com o honorável Gianni Cuperlo e o senador Stefano Lepri promovido pelo jornal Avvenire, cujos resultados foram publicados na edição do último dia 10 de abril.

Filósofo, militante de longa data do Partido Comunista Italiano, antes, e, hoje, do Partido Democrático, além de teórico reconhecido do operarismo (o seu livro mais recente é Dello spirito libero, Ed. Il Saggiatore), Tronti declara que ficou impressionado com as três palavras que mais se destacavam no título daquela síntese: "Política, vida, liberdade", lista ele. "É daí que se deve recomeçar."

Eis a entrevista.

Comecemos pela política?

Em uma crise muito forte, infelizmente, assim como as relações sociais e as relações humanas sobre as quais a sociedade se funda. Nesse contexto, as iniciativas legislativas podem ter a função, bastante positiva, de levantar a discussão, mas a tendência a resolver todo problema no plano jurídico impede que se enfrentem as questões de fundo, neste momento dramaticamente desconsideradas.

A que se refere?

Ao tema da vida, em primeiro lugar, cuja ligação com a política é indissolúvel e indispensável, assim como entre história e morte. O clima de tensão, desencadeado pela ameaça terrorista, alimenta um sentimento de insegurança que afeta a cotidianidade das pessoas, prestando-se a instrumentalizações que, em vez de resolver o problema, contribuem para agravá-lo.

E a vida?

Está cada vez mais confiada ao domínio das tecnociências, expressão que não indica, de fato, o desejável assujeitamento da técnica às razões da ciência. Ao contrário, é a ciência que se põe a serviço de mecanismos e procedimentos cujo objetivo está, em última instância, na fabricação de vida humana. Afirma-se um sentimento de onipotência que impede de reconhecer e respeitar todo limite, exaltando um individualismo paroxístico. A convicção que está se difundindo é que, na presença de uma instrumentação técnica adequada, nada é impossível, e tudo se torna lícito.

No passado, a esquerda teria combatido essa tendência. Por que não hoje?

Algo se desgastou, é preciso admitir. Eu estaria tentado a dizer que novamente venceu o mercado, mas especificando que o mercado nada mais é do que a representação simbólica da descompensação em ato nas relações sociais. Trata-se de um poder que se afirma ilimitado e que, nas últimas décadas, estendeu a sua influência até mesmo para dentro das pessoas, com o resultado paradoxal de que hoje, quanto mais se prossegue em direção à esquerda extrema e radical, mais se recolhem concessões e consensos relativos com a chamada "cultura dos direitos". Quem opõe alguma resistência é a esquerda moderada, que, antigamente, teria sido chamado "de governo" e que, por si só, não deveria desempenhar essa função. Prevalece sobretudo a ilusão de que ser progressista significa estar sempre à frente. Uma convicção bastante ingênua, para a qual hoje é melhor do que ontem, e amanhã será ainda melhor.

Qual é, na sua opinião, a chave de ignição do processo?

O individualismo, que já derrotou também o campo daqueles que deveriam se opor a toda forma de exploração, a toda imposição do mercado, à crescente artificialização da vida. A sociedade "líquida", denunciada uma vez por Zygmunt Bauman, já é aceita e até elogiada como fato incontestável em toda a sua vagueza e inconsistência.

Em que medida a família está envolvida nessas transformações?

Apesar da deterioração geral, na Itália, a família conseguiu suportar o impacto, impedindo a explosão de conflitos sociais que permanecem latentes. Vai nessa direção a permanência dos jovens em casa, onde as reivindicações de revolta são, de alguma maneira, amordaçadas. Sim, a família funciona ainda como pequeno empreendimento econômico, mas não sou tão otimistas em relação à formação das novas gerações. Nesse âmbito, parece-me que o ruído de fundo proveniente do lado de fora finalmente prevaleceu, pondo seriamente em discussão o papel educativo da família.

A responsabilidade é novamente política, então?

Até uma certa fase da sua história, a esquerda italiana conservou a capacidade de se encarregar das necessidades sociais, ao mesmo tempo em que promovia os direitos pessoais. Pessoais, repito, e não individuais, porque o ponto nodal ainda é esse. Na Itália, a crise das grandes companhias populares (o Partido Comunista, por um lado, a Democracia Cristã, por outro) andou de mãos dadas com a dissolução do conceito de pessoa. Produziu-se, assim, um vácuo que nada, até agora, conseguiu preencher, nem mesmo em termos de agregação política.

Cinco anos atrás, o senhor foi definido de "marxista ratzingeriano": hoje se sente um pouco bergogliano?

Entramos em uma nova época, é evidente, assim como é evidente que o Papa Francisco é o único que levanta a voz contra os fenômenos de exploração e injustiça. A sua mensagem é eficaz na América Latina e na África, mas temo que ele seja menos ouvido na Europa. É preciso desfazer o preconceito segundo o qual, exceto pelas pobrezas que vêm "de fora", no nosso continente, o problema da marginalização estaria resolvido. Não é assim, e Bergoglio faz bem em nos lembrar disso também com gestos exemplares, como o de sábado em Lesbos. Comprometida com a luta pelos direitos civis, a esquerda corre o risco de perder de vista a dimensão das necessidades. A sua tarefa, ao contrário, deveria ser em dar concretude política à visão "franciscana", sugerida com insistência cada vez maior pelo papa.

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