04 Abril 2016
Se você não sabe o que é permacultura [1], não se preocupe: isso não é um privilégio seu. Como grande parte das práticas e propostas do chamado “mundo alternativo”, esse conceito é praticamente desconhecido do grande público, circulando majoritariamente por entre círculos iniciáticos e por seus arredores imediatos. É fato que, com o passar dos anos – ainda que lentamente – cada vez mais pessoas têm tomado contato com a permacultura por meio de cursos, vídeos, palestras e espaços de difusão do conhecimento.
A reportagem é de Djalma Nery, publicada por Outras Palavras, 31-03-2016.
Uma observação rápida no perfil geral de seus principais promotores e entusiastas pode levar a uma confirmação da restritividade do conceito: homens, brancos, jovens, universitários, de classe média e classe média-alta. Esse é um fato que constato pela vivência pessoal e pela pesquisa de mestrado que venho desenvolvendo desde 2013 (a ser defendida e publicada até o final de 2016) sobre a popularização da permacultura no Brasil.
Em fevereiro desse ano entrevistei o amigo e permacultor Thomas Enlazador, fundador do extinto Ecocentro Bicho-do-Mato e do IBC (Instituto Biorregional do Cerrado), entre diversos outros projetos. Com base nessa entrevista – e na importância que vejo em seu conteúdo – decidi redigir essa matéria para movimentar o tema.
Mais do que um punhado de técnicas, a permacultura apresenta um outro projeto de vida e de sociedade, integral e integrado, e que afeta todas as áreas da existência humana. Thomas lembra que não podemos nos restringir apenas aos seus aspectos técnicos, que muitos de nós já dominam:
“Fazer horta mandala e sanitário seco, qualquer um faz: você pega um PDF, bate a cabeça duas ou três vezes, mas faz. Fica profissional. Mas organizar uma comunidade, trabalhar o conceito de biorregionalismo, a economia, as relações, a governança, a institucionalização, a politização… aí é onde está o grande desafio, em especial do design social, sobre o qual venho me debruçando”.
Ele traça também um pouco da cronologia da permacultura brasileira, e faz sua crítica ao processo e à conjuntura:
“A permacultura no Brasil já passou por vários momentos. Aquele momento inicial em que estava restrita a quatro institutos, depois uma segunda geração, uma terceira, uma quarta, quinta, acho que hoje já estamos indo pra sexta geração de permacultores nacionais, haja visto que a permacultura já vai fazer 25 anos, desde quando foi realizado o primeiro PDC[2] nestas terras. Mas, infelizmente, eu acho a permacultura no Brasil muito desarticulada; ela é um movimento ainda bastante despolitizado. Eu sou a favor da politização da permacultura. Eu acredito que a permacultura tem que estar mais presente nos processos de construção política com os movimentos sociais e ambientais. Ela deveria se pautar e se tornar política pública, a exemplo da agroecologia.
Mas a permacultura ainda é um movimento bastante elitizado. A maior parte dos integrantes é branca, filha de classe média e classe média alta, não tem formação política, muito menos ecossocialista. É um movimento que eu estou chamando de ‘eco-coxinha’. Permacultura, Gaia Education, as próprias ecovilas no Brasil acabam tendo uma alma de coxinha, só que com um recheio mais sustentável. Ao invés de ser uma coxinha de frango é uma coxinha de jaca. Ótimo! Que bom que é sustentável, que bom que é ecológico. Que bom que está sendo ocupado esse espaço, e que essas pessoas estão fazendo esse movimento ligado à sustentabilidade, mas, se não houver emancipação política, e uma visão mais crítica na construção desse Brasil mais ecossocialista, a gente vai continuar fazendo permacultura de nós pra nós mesmos”.
Thomas ressalta também que, dentro das iniciativas:
“(…) existem várias exceções. Várias não, algumas, que estão buscando levar a permacultura pros assentamentos do Movimento dos Sem Terra; pra produtores rurais; pro movimento mais campesino; para o Movimento dos Sem Teto, etc. Eu acho que a permacultura no Brasil precisa se voltar mais para os movimentos sociais e para as comunidades tradicionais, democratizar mais esses cursos, viabilizá-los financeiramente, e não transferir o custo dos cursos somente para as inscrições”.
Por fim, reconhece também:
“(…) que a permacultura está começando a dar um salto no sentido de ser um pouco mais conhecida no Brasil. A gente ainda tem um abismo muito grande – institutos que cobram 2.500, 3.000 reais em um PDC, colocando-se como o melhor PDC do Brasil. Eu acho que a gente tem que sair um pouco dessa disputa, desse jogo de ego da permacultura. Eu acho que o momento agora é da permacultura se emancipar enquanto movimento, e trazer mais pra dentro esses permacultores antigos que não estavam muito conscientes da importância política da permacultura.”
É interessante citar que muitas pessoas justificam sua atração pela permacultura em seu caráter prático. Mais do que “falar” de mudança, permacultura “é mudança em si”. Temos aí já um interessante salto qualitativo do discurso à ação, ainda que individual ou localizada. O que parece estar se anunciando nas discussões cada vez mais presentes no interior da “comunidade permacultural” brasileira e mundial é a proposta de um novo salto, onde, reconhecidos os limites da atuação local e individualizada, parte-se agora para uma articulação regional e global, na busca da ação e da prática comum balizada pelos princípios éticos da permacultura, pois o coletivo é sempre mais forte que o indivíduo.
No entanto, para esse salto, é indispensável difundir e popularizar cada vez mais esta proposta de transformação. Para além da constituição de uma rede de comunidades alternativas, o que se discute é tornar possível uma alternativa social ampla e inclusiva. E para isso, torna-se clara a necessidade de acessar a fração majoritária da população, composta pelas camadas sociais mais vulneráveis e excluídas.
Não se trata de convencer ninguém. Não é necessário converter pessoas, e nem é preciso uma maioria absoluta. Se for possível romper ao menos a zona do privilégio e do silêncio, e caminhar lado a lado com os movimentos sociais populares, urbanos e rurais, empoderá-los e ser por eles empoderada, a permacultura brasileira certamente se aproximará de seu objetivo de transformação social concreto e objetivo, aqui e agora.
Muito trabalho a ser feito; muita reflexão e mudança, sempre! O que vem depois da coxinha de jaca?
Notas
[1] Para saber mais sobre esse conceito, acesse www.ccc.com.br e pesquise.
[2] Sigla para ‘Permaculture Design Course’, ou Curso de Design em Permacultura: considerado por muitos a ‘porta de entrada’ para este universo. Possui um currículo básico que aborda todos os rudimentos e princípios centrais em, no mínimo 72h de curso.
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Por uma Permacultura morena e ecossocialista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU