Por: André | 21 Março 2016
O padre jesuíta Felipe Berríos fez uma análise da realidade chilena. Os casos de corrupção na política, os poderes que ainda atuam no país, a desigualdade e o desejo de felicidade, são os temas que aborda. Seu olhar sempre se fixa no horizonte das pessoas, o qual diz estar contaminado pelo mercado, mas que pode, sem dúvida, ser limpado e voltar à sua natureza mais plena: o amor.
A entrevista é publicada por Reflexión y Liberación, 17-03-2016. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Como explica o que acontece na política, na economia e na vida em sociedade?
Creio que há dois fenômenos que se somam. O primeiro é que no mundo, após a queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, impera um sistema e uma ideologia de mercado, no qual não importa o quanto as coisas são bem feitas (...) a sensação é que dá no mesmo as medidas políticas que os governos tomam, dá no mesmo quem governa, as coisas que se implementam não importam muito, porque existe a mão invisível que produz uma crise nas instituições.
O segundo são as redes sociais, que fazem com que se esteja informado imediatamente. A informação já não é controlada por grupos de poder e as pessoas têm um meio de comunicação direto e instantâneo.
Como vê o momento político chileno e a relação dinheiro-política?
No Chile, independente do trabalho da Justiça e daquilo que disser nos casos Penta, Caval e outros, o que está acontecendo é mais que um fato de corrupção. Porque se fosse apenas um fato de corrupção, se acabaria punindo e castigando aqueles que cometem tais crimes. Mas aqui não se vê os políticos terem grandes mansões e uma vida de excessos. Então, mais que uma corrupção, há algo que é muito mais profundo e muito mais grave: a verdadeira corrupção do país é a desigualdade social.
Berríos precisa que “mais de 50% dos chilenos ganham menos de 300 mil pesos; essa desproporção é a verdadeira corrupção e isso se dá desde os tempos da Colônia até hoje, porque criamos camadas de privilegiados: colégios de elite, redes de filiação sanguínea, que são classes de poder que foram dominando o sistema político, comunicacional e econômico”.
No entanto, vislumbra mudanças: “hoje, esse eixo de poder mudou um pouco e espero que mude mais, porque hoje a classe média tem acesso a esse poder. Por isso, o país se escandaliza com coisas que sempre existiram”.
Então, que sentido tem hoje a experiência política, pensando na ideia do exercício cidadão?
Eu creio que há uma decepção muito grande. Mas, nós podemos prescindir do futebol, mas não da política. Os políticos, as instituições, são o único elemento que as pessoas têm contra os poderosos. É verdade, há um tédio nas pessoas para não saber nada, mas pouco a pouco vão se dando conta de que necessitamos da política, porque é o modo de frear uma ideologia cega do mercado ou de grupos de poder.
Devemos seguir avançando neste eixo de poder que está mudando e desmontar esta união perversa entre política, dinheiro e meios de comunicação.
Deve ocorrer uma mudança no modo de exercer o poder, de entender a autoridade constituída?
Os políticos são um espelho de como nós somos. Hoje, as pessoas mudaram, não aceitam um modo de ser, de fazer negócios, de informar e menos ainda um modo de ser da política. Então, quando as pessoas mudam essa mentalidade, mudam os meios de comunicação, os grupos de poder e a política. Portanto, não é apenas uma coisa dos políticos; é de todos.
Como influenciar nessas mudanças?
Eu uniria uma ideia a mais a essa pergunta: quem ganha quando a política está no chão? Os que ganham são os poderosos. São os grupos de poder de sempre. Por isso devemos nos questionar sobre isso. Bem, descobrimos algo que não estava bem, mas se continuarmos pisoteando o que já está no chão, não basta. Temos que reparar aquilo que está ruim.
O voto seria o meio para isso?
É o modo como a democracia funciona. Como cidadãos, temos que deixar de pensar no que eu necessito, no que faz falta à minha família, no que interessa a mim. Devemos nos perguntar: que tipo de país queremos, que sociedade queremos construir, como protegemos os mais fracos, que tipo de governo queremos, que tipo de constituição queremos, como será o exercício do poder, como será distribuída a riqueza? Porque se tenho uma mentalidade individualista, mais que um cidadão sou um consumidor e pouco me importa o exercício da política; assim não se constrói uma sociedade.
Na sociedade chilena haveria evidências de que isso pode ser alcançado?
Eu penso que sim. Temos uma nora da Presidenta assinando na delegacia todos os meses. Temos dois renomados empresários que estiveram presos, que estão com prisão domiciliar e estão sendo julgados em um processo, políticos que se apresentaram a tribunais e fiscais de classe média, fruto da meritocracia. Temos uma imprensa livre que mostra o que está acontecendo. Essas coisas são positivas.
Mas quando a gente entra nas redes sociais descobre que esses processos são insuficientes, as pessoas pedem mais. Será que não é suficiente?
Nas redes sociais, qualquer artigo que você posta a reação é violenta. Eu creio que essa violência tem duas fontes. Uma é o anonimato. A outra é que há um descontentamento: temos mais coisas no Chile, mas não melhor qualidade de vida. As pessoas não estão desfrutando da vida, chegam estressadas em casa, vivem cheias de dívidas. Andam perseguindo uma felicidade oferecida pela propaganda e que não as torna felizes. Há um descontentamento muito profundo.
O que pode ser mais perigoso: a pobreza ou a desigualdade?
A pobreza é um reflexo da desigualdade, é um termômetro da desigualdade. Agora, creio que foram dados grandes passos para superar a pobreza que são passos difíceis. Avançamos, desde os tempos da reforma agrária até as reformas que estão sendo feitas hoje, com as quais eu estou totalmente de acordo. Elas são muito profundas, como a gratuidade da educação, a reforma tributária, a reforma do sistema eleitoral binominal, que fazia com que a democracia não se refletisse no poder que governa. Essas reformas são importantes e é verdade que provocam instabilidade, mas o país está dando passos profundos. Eu creio que deve continuar aprofundando estas transformações.
Como se pode superar a desigualdade quando há uma classe média que surge renovada no econômico e se instala em outra escala social, marcada pelo nível de aquisição que possui?
Quando se fala de desigualdade, não significa que todos sejamos iguais, mas que tenhamos acesso às mesmas oportunidades, que a minha vida não seja marcada pelo lugar onde nasci ou vivo, pela cor da pele ou pelo meu sobrenome. Que haja pessoas que tenham mais que outras, isso não é o problema. O problema é quando os que têm mais, na verdade têm muito e são muito poucos, e aqueles que nem sequer têm o suficiente para viver são muitos. Esse desequilíbrio brutal gera mal-estar social.
E de que maneira se pode reverter ou superar essa realidade?
Eu penso que continuar com as reformas que já estão em marcha. Uma reforma educacional que ajude as conquistas por meritocracia, uma readequação da economia por meio dos impostos, os que têm mais paguem mais. Uma democracia que realmente reflita o que pensam as maiorias. São os primeiros passos.
O que diz inclui a mudança da Constituição?
Eu penso que a importância da Constituição consiste em que alguém sinta que foi feito às claras e não entre quatro paredes. A outra coisa é que é necessário que não continuemos a ver o país como uma máquina dispensadora, à qual se pode pedir qualquer coisa. Devemos senti-lo como próprio e repito: que tipo de país queremos, que participação vamos dar aos jovens, adultos, povos originários. Assim entendo eu a mudança da Constituição, que eu pertenço a uma comunidade.
Fala de reformas que estão sendo realizadas, mas o mal-estar persiste. Qual seria a explicação?
Eu diria às pessoas que esse mal-estar em vez de traduzi-lo em raiva, de se manifestar contra os políticos, o país e as autoridades, seria melhor traduzi-lo em reformas profundas da sociedade. A reforma política nos levará a vislumbrar o país que queremos; a reforma tributária para uma melhor redistribuição da renda, a reforma educacional para que haja mais meritocracia. Mas, se ficamos na raiva, os grupos de poder vão continuar agindo.
Falta aos grupos empresariais deste país ser mais justos que filantropos?
Eu digo isto, que talvez politicamente não seja muito correto. Não podemos centrar o problema em um único grupo da sociedade, mas que hoje no Chile há uma bipolaridade. Todos os cidadãos querem mais participação, justiça social, democracia, oportunidades. Mas, ao mesmo tempo em que desejamos isto, não estamos dispostos a compartilhar os nossos privilégios. Aí temos uma mentalidade democrática e um coração de mercado. Podemos acusar os empresários que têm sua responsabilidade, mas não nos darmos conta de que todos participamos da sociedade.
Essas mudanças passam por um diálogo na intimidade do lar?
Creio que temos que pensar que família queremos. Uma família que seja refúgio, onde se cultive com os filhos o egoísmo e olhe com desconfiança para a sociedade. Esse não é o núcleo da sociedade, é o seu desastre. Mas, se eu penso a família onde se educa para ser uma mulher e varão para os outros, onde me é ensinado que eu faço parte de um país que é uma comunidade, que tenho que conviver com outros, a como servir os outros, nesse caso a família é o núcleo das mudanças profundas da sociedade.
Você confia em que se possa reverter isto que aparece como um conflito social?
Estou otimista, porque as pessoas não estão felizes. Elas buscam mais humanidade, querem ser acolhidas. Eu penso que quando os chilenos escolheram uma mulher Presidenta, é porque querem sentir o que uma mulher proporciona de forma mais própria, como a inclusão, a acolhida, o carinho na diversidade, proteger o mais fraco. Eu creio que a sociedade anda buscando isso.
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“A maior corrupção do Chile é a desigualdade social”. Entrevista com Felipe Berríos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU