Por: André | 26 Fevereiro 2016
“Ai de vocês que adquirem casas e mais casas, propriedades e mais propriedades até não haver mais lugar para ninguém e vocês se tornarem os senhores absolutos da terra!” Assim falava o profeta Isaías, que o Papa Francisco citou durante a Audiência Geral desta quarta-feira na Praça São Pedro. “E o profeta Isaías não era comunista!”. Francisco prosseguiu seu ciclo de catequese no marco do Jubileu da Misericórdia na Bíblia, e destacou que “se se perde a dimensão do serviço, o poder transforma-se em arrogância e converte-se em domínio e morte. É o que acontece no episódio da vinha de Nabot”.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi e publicada por Vatican Insider, 24-02-2016. A tradução é de André Langer.
Em diversas passagens da Sagrada Escritura, disse o Papa, “fala-se dos poderosos, dos reis, dos homens que estão ‘no alto’, e também de sua arrogância e de suas prepotências. A riqueza e o poder são realidades que podem ser boas e úteis para o bem comum, se colocadas a serviço dos pobres e de todos, com justiça e caridade. Mas quando, como muitas vezes acontece, são vividas como privilégio, com egoísmo e prepotência, transformam-se em instrumentos de corrupção e morte”.
É o que acontece no episódio da vinha de Nabot, descrito no Primeiro Livro dos Reis, capítulo 21. O Papa refletiu sobre esta leitura que narra a história do soberano Acab que queria conquistar a vinha de um homem que se chamava Nabot, que se negava a vendê-la por fidelidade a uma antiga tradição de Israel, segundo a qual a terra era dom do Senhor e, portanto, inalienável. O rei “reage a esta recusa com amargura e desdém”, e decide matar Nabot.
“Jesus, recordando essas coisas, nos diz: ‘Vocês sabem que os chefes das nações as subjugam e que os grandes as governam com autoridade. Não seja assim entre vocês. Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vocês, se faça seu escravo. E o que quiser tornar-se entre vocês o primeiro, faça-se o seu escravo’ (Mt 20, 25-27). Se se perde a dimensão do serviço, o poder se transforma em arrogância e se torna domínio e opressão. É justamente isso que acontece no episódio da vinha de Nabot.”
“Jezabel, a rainha, de modo não convencional, decide eliminar Nabot e coloca em ação o seu plano. Serve-se da aparência enganadora de uma lei perversa: envia, em nome do rei, cartas aos anciãos e aos notáveis da cidade ordenando que pelos falsos testemunhos acusem publicamente Nabot de ter maldito Deus e o rei, um crime a punir com a morte. Assim, morto Nabot, o rei pode tomar posse de sua vinha.”
“E esta não é uma história de outros tempos – prosseguiu o Papa; é também história de hoje, dos poderosos que, para ter mais dinheiro, exploram os pobres, exploram as pessoas. É a história do tráfico de pessoas, do trabalho escravo, das pessoas que trabalham na informalidade e com o salário mínimo para enriquecer os poderosos. É a história dos políticos corruptos, que querem mais e mais! Por isso dizia que nos fará bem hoje ler aquele livro de Santo Ambrósio sobre Nabot, porque é um livro da atualidade.”
“Eis onde leva o exercício de uma autoridade sem respeito pela vida, sem justiça, sem misericórdia. E eis a que coisa leva a sede de poder: torna-se ganância que quer possuir tudo. Um texto do profeta Isaías é particularmente iluminador a este respeito. Nele, o Senhor adverte contra a ganância dos ricos latifundiários que querem possuir sempre mais casas e terrenos. E diz o profeta Isaías: ‘Ai de vocês que adquirem casas e mais casas, propriedades e mais propriedades até não haver mais lugar para ninguém e vocês se tornarem os senhores absolutos da terra!’ (Is 5, 8)”.
“E o profeta Isaías não era comunista! Deus, porém, é maior que a maldade e que os jogos sujos feitos pelos seres humanos. Na sua misericórdia envia o profeta Elias para ajudar Acab a se converter. Agora viremos a página, e como segue a história? Deus vê este crime e toca também o coração de Acab e o rei, colocado diante do seu pecado, entende, se humilha e pede perdão. Que belo seria se os poderosos exploradores de hoje fizessem o mesmo! O Senhor aceita o seu arrependimento; todavia, um inocente foi morto e a culpa cometida terá consequências inevitáveis. O mal realizado deixa traços dolorosos e a história dos homens carrega feridas”.
“A misericórdia – concluiu o Papa – mostra também neste caso a via mestra que deve ser percorrida. A misericórdia pode curar as feridas e pode mudar a história. Abra o teu coração à misericórdia! A misericórdia divina é mais forte que o pecado dos homens. É mais forte, este é o exemplo de Acab! Nós conhecemos seu poder, quando recordamos a vinda do inocente Filho de Deus que se fez homem para destruir o mal com o seu perdão. Jesus Cristo é o verdadeiro rei, mas o seu poder é completamente diferente. O seu trono é a cruz. Ele não é um rei que mata, mas, ao contrário, dá a vida. O seu andar em direção a todos, sobretudo aos mais frágeis, derrota a solidão e o destino de morte a que conduz o pecado. Jesus Cristo, com a sua proximidade e ternura, leva os pecadores ao espaço da graça e do perdão”.
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Papa Francisco: Isaías não era comunista, mas denunciava a avidez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU