Por: André | 16 Fevereiro 2016
Francisco já está no México. Após sua escala em Havana, chega ao nosso país cumprindo sua promessa manifestada no avião: vou falar claro. Chegou ao Aeroporto Benito Juárez, depois de executar uma delicada missão – ter se aproximado da Igreja ortodoxa russa.
A reportagem é de Bernardo Barranco V. e publicada por La Jornada, 14-02-2016. A tradução é de André Langer.
Para Francisco, o encontro com Kiril, patriarca de Moscou, foi um rotundo êxito. As perspectivas de unidade do cristianismo abrem-se com gigantescas expectativas. A Igreja ortodoxa russa será uma poderosa via para que um papa visite a Rússia; aí Francisco também estenderá pontes entre o governo de Putin e o estadunidense, relações que se desgastaram nos últimos anos.
O patriarca ortodoxo russo traz uma agenda própria. Assim o afirmou em sua mensagem, que as Igrejas cristãs fechem o cerco diante da espreita do fundamentalismo islâmico no Oriente Médio e na África do Norte.
Francisco vai se defrontar no país com diversas realidades e expectativas. Perante a classe política mexicana, no Palácio Miraflores, Bergoglio foi claro e contundente ao perguntar que México queremos e que México vamos herdar aos jovens. Reprova na elite mexicana o fato de que o bem comum “não goza de bom mercado... O benefício de uns poucos em detrimento das maiorias torna-se um terreno fértil para a corrupção, o narcotráfico, a exclusão, a violência, o tráfico de pessoas, sequestro e morte”. O pedido parece que não teve repercussão, pois era aplaudido com entusiasmo e todos queriam apertar sua mão e fazer uma foto com o ilustre visitante.
A mensagem seguinte de Francisco à Conferência Episcopal Mexicana é uma peça que merece ser analisada com atenção e profundidade. É um discurso longo, de mais de 4.500 palavras, denso em referências doutrinais, teológicas e pastorais. No entanto, tem duras pinceladas e pedidos de conversão aos bispos mexicanos. Reconhece que o episcopado está dividido e pede-lhes que briguem como homens, entendo com lealdade e não como rapazes. Adverte: “sejam, portanto, bispos de olhar límpido, de alma transparente, de rosto luminoso. Não tenham medo da transparência. A Igreja não precisa da escuridão para trabalhar. Vigiem para que seus olhares não se cubram com as penumbras da névoa do mundanismo; não se deixem corromper pelo materialismo trivial nem por ilusões sedutoras dos acordos feitos debaixo dos panos; não ponham sua confiança nos ‘carros e cavalos’ dos faraós de hoje, porque nossa força é a coluna de fogo”.
Na imponente Catedral Metropolitana da Arquidiocese primaz da Cidade do México, Francisco convida os bispos para uma conversão pastoral e o episcopado para ser um fator profético frente a temas como o narcotráfico, migrantes, exclusão e, sobretudo, ser uma referência de esperança para os jovens. O Papa pede aos bispos para que “não se refugiem em condenações genéricas, tenham coragem profética e um sério e qualificado projeto pastoral para contribuir, gradualmente, para tecer aquela delicada rede humana, sem a qual todos estaríamos, desde o início, derrotados por tal ameaça insidiosa. Só começando pelas famílias, aproximando-nos e abraçando a periferia humana e existencial dos territórios desolados de nossas cidades, envolvendo as comunidades paroquiais, as escolas, as instituições comunitárias, as comunidades políticas, as estruturas de segurança, só assim será possível libertar-se totalmente das águas nas quais, lamentavelmente, se afogam tantas vidas, seja a vida de quem morre como vítima, seja a de quem diante de Deus terá sempre as mãos manchadas de sangue, embora tenha os bolsos cheios de dinheiro sórdido e a consciência anestesiada”.
Francisco recupera o repertório de sua teologia pastoral, tratando de requebrar a sonolência e o conforto dos bispos mexicanos ao sentenciar-lhes: ai de vocês se dormem nos louros! Portanto, pede-lhes que é preciso superar a tentação da distância, lista, disse, presente nesta conferência episcopal: a distância do clericalismo, da frieza e da indiferença, do triunfalismo e da auto-referencialidade.
Mais de um alto prelado deve ter se sentido incomodado com o discurso denso e intenso de um papa que efetivamente quer sacudir a hierarquia conservadora e muito complacente com os poderes e os poderosos. O hierarca, de maneira irônica, recorre a uma de suas metáforas favoritas: a Igreja “não tem necessidade de príncipes. Recomenda uma comunidade humilde de testemunhas do Senhor. Uma Igreja com maior comunhão, com um projeto pastoral compartilhado, pastores em comunhão e unidade.
O México e sua vasta e multiforme Igreja têm necessidade de bispos servidores e guardiões da unidade edificada sobre a palavra do Senhor, alimentada com seu corpo e guiada pelo seu espírito, que é o sopro vital da Igreja.
Francisco é penetrante e suave sobre a atitude estancada dos prelados mexicanos. Intenso e exigente sobre as condições de uma pastoral profética de proximidade com o sofrimento do povo e de denúncia das injustiças e dos fatores negativos da sociedade, como o definira Parolin em uma entrevista em Roma. Francisco é incisivo e crítico com os defeitos e deficiências do clero, chama-lhe a atenção para que não seja exilado de si mesmo.
Finalmente, Francisco recomenda duas tarefas não menores: primeiro, fortalecer uma intelectualidade própria e profunda. Por isso, convoca para fortalecer a Pontifícia Universidade do México como alta aspiração de busca da verdade. E, segundo, cuidar da formação e da preparação dos leigos, superando toda forma de clericalismo e envolvendo-os ativamente na missão da Igreja, sobretudo na hora presente, com o testemunho da própria vida, o Evangelho de Cristo no mundo.
Francisco detalhou aos bispos mexicanos todo um programa de renovação e, diria até, de depuração. Pergunto-me sobre a recepção dos prelados: terão a humildade para reconhecer os questionamentos que Francisco abordou? Ou agirão como a classe política que em minutos se livrou das críticas do pontífice e estava preocupada apenas em tirar uma foto com ele. Os bispos mexicanos, depois desta sacudida, poderão levar a cabo estas grandes pautas renovadoras que o argentino lhes demandou?
Nota da IHU On-Line:
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Papa Francisco: A Igreja não necessita de príncipes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU