06 Novembro 2015
“O endividamento público é a praga dos Estados Modernos, sobretudo os que sofrem de crônica debilidade cambial e ficam expostos às exigências do capital internacional”, afirma o economista.
Foto: correiodosul.com |
"Orçamento Público, para mim, é coisa sagrada e, quando nele se mexe, tem que ser a olhos vistos de todo mundo. E com muito cuidado... Política pública, enfim, é aquela que se faz para o público, em público", afirma o economista.
Segundo ele, as medidas adotadas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, seguem o “receituário tradicional”, já que à medida que não há recursos no Tesouro, eleva-se a carga tributária. Entretanto, explica, essa medida “é automaticamente anulada quando, ao mesmo tempo, se elevam os juros onerando ainda mais o custo da rolagem da dívida pública. Curioso é que ninguém discute, neste contexto, o peso dos juros, que se constituem no segundo maior item no gasto governamental”. Paulo Timm pontua ainda que o grande problema brasileiro está relacionado ao custo da dívida pública, que é “provocado pelos altos juros impostos pelo mercado, que apontam para a bagatela de R$ 510 bilhões no período de um ano encerrado em 30 de setembro último”.
Na entrevista a seguir, Timm frisa que para colocar a economia em ordem, é preciso “separar o que são tarefas de curto, médio e longo prazo”. Entre as medidas que poderiam ser adotadas no curto prazo, sugere, é preciso “enfrentar as contingências inevitáveis do gasto público, seja ele de ordem financeira, custeio ou investimentos (...) e há que recorrer à única fonte de recursos atualmente disponível, que são as Reservas Internacionais. Dispomos de cerca de US$ 350 bilhões imobilizados”. Também é preciso “rever os fundamentos da dívida pública da União, nos moldes em que outros países e mesmo o Brasil, no início da Revolução de 1930, já o fizeram”. Além disso, “temos que abrir fronteiras novas nos campos da energia e indústria, nos marcos de uma nova era de condenação irremediável dos combustíveis fósseis e de grande arrebatamento tecnológico”.
Paulo Timm é graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e pós-graduado pela ESCOLATINA, da Universidade do Chile e CEPAL/BNDES. Foi professor da Universidade de Brasília - UnB e Técnico do IPEA, órgão do Ministério do Planejamento, em Brasília.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor analisa o atual momento político e econômico do Brasil? Que aspectos geraram a crise que o país vive hoje?
Foto: palavrastodaspalavras.wordpress.com
Paulo Timm - Vivi várias situações históricas difíceis no país, começando pelo suicídio de Vargas. Até escrevi um artigo: “Getúlio morreu e eu quase levo a culpa”... A crise atual talvez não seja a mais grave, nem do ponto de vista político nem econômico, mas é a mais complexa. Há muitos modos de se ver... Mas o fundamental é que não estamos sós diante de uma crise interna ou mundial. Estamos no umbral de uma Nova Era.
Não obstante, há um núcleo central da crise interna, na questão fiscal do Governo — implicando num impasse de difícil solução, visto apontar para a necessidade de mais impostos, vis-à-vis a relutância da sociedade em aceitá-lo — e vários antecedentes, externos e internos. No plano internacional já não há pontos de apoio seguros. A geografia do poder está se movendo com grande rapidez, trazendo à tona a potência comercial da China como grande mercado consumidor de matérias-primas e o relativo declínio americano, que, malgré tout, retém e reterá, por um bom tempo, imenso poder militar e estratégico, além do controle da principal moeda do mundo e sistemas financeiros que lhe correspondem.
Aproveitamos um bom momento do crescimento chinês para dourar os primeiros anos do governo Lula. Agora voltamos ao velho patamar da perda nos termos de intercâmbio que se constituiu na principal crítica da Comissão Econômica para América Latina e Caribe - Cepal e desenvolvimentistas no pós-guerra. Internamente, esgotou-se também a trajetória da redemocratização que teve na Constituição de 1988 seu vértice, com as reconhecidas conquistas de direitos sociais. Este processo, se por um lado abriu o país a novas experiências, substitui as velhas elites políticas, tanto de esquerda quanto de direita. Aliás, as absorveu, sob as asas do PT, no primeiro caso, e do PSDB, no segundo. Isso supunha a capacidade destes dois novos partidos em hegemonizar os respectivos projetos, habilitando-o a disputar o consenso nacional. Conseguiram, durante um tempo. Agora, tudo indica que está cada vez mais difícil. Emergirão, inevitavelmente, grupos organizados desafiando-os de um e outro lado. E o PMDB, como fiel da balança, pode vir a capitalizar um novo ciclo. E eles deverão redefinir não só os rumos da nova economia, como também os mecanismos de financiamento do Estado brasileiro.
IHU On-Line – Em que sentido vislumbra que o PMDB irá redefinir não só os rumos da nova econômica, como os mecanismos de financiamento do Estado brasileiro? Ainda nesse sentido, como avalia a proposta do PMDB para o país, intitulada "Uma ponte para o futuro"?
Paulo Timm – O PMDB, mesmo reciclado pelos novos tempos, é uma reedição do velho PSD, anterior ao golpe de 1964 e extinto arbitrariamente com todos os demais partidos em 1966. Foi um Partido que cresceu ao longo da era Vargas, incorporando segmentos ligados às máquinas governamentais nos estados que se opunham às oligarquias tradicionais da República Velha, mas que não ousaram avançar sobre os caminhos do trabalhismo, de corte mais metropolitano. Tancredo Neves, em Minas Gerais, e Pedro Ludovico, em Goiás, foram as expressões mais visíveis deste processo. Curiosamente, dois dos mais leais seguidores de Vargas, até seu suicídio em 1954. Foi, genericamente, uma expressão das classes médias emergentes daquela época e que viria, redefinido como MDB, Partido de Oposição ao regime militar, a ocupar importante papel na redemocratização, a partir de 1974, empolgando-a até a promulgação da Constituição de 1988.
Como dobradiça da dominação social e política, com vasta extensão no território nacional, o PSD ontem, subscrevendo o nome de Juscelino Kubitschek como Presidente entre os anos 1955-1960, na aliança progressista com o Vice João Goulart, para abandoná-lo, em 1964, ao apoiar golpe militar, como, depois, já sob a roupagem do MDB, liderando o processo de redemocratização vai de um a outro lado. Tendo perdido as veleidades de liderar a Política Nacional, às vezes se oferece como apoio aos tucanos, outras aos governos petistas. Amolda-se, enfim, às circunstâncias históricas como a mais genuína expressão da complexidade do modelo brasileiro de desenvolvimento associado. Na crise do governo Dilma, procura um novo aliado, ou novo protagonismo, afastando-se cada vez mais da Agenda petista. O documento agora divulgado pouco tem a ver com outra peça do Partido, dos anos 80, conhecida como “Esperança e Mudança”. Tem, aparentemente, a assinatura do Ex-Ministro Delfim Netto e um claro aceno aos tucanos para a constituição de um novo bloco de Poder voltado à revisão conservadora da Constituição e maior flexibilização na gestão do Orçamento, hoje comprometido com as fortes vinculações sociais. Na verdade, enfim, o PMDB, com o novo documento, se oferece como uma alternativa à direita.
“PMDB, com o novo documento, se oferece como uma alternativa à direita” |
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IHU On-Line - A presidente Dilma está correta ao promover um ajuste fiscal em um quadro de recessão? Quais as consequências do ajuste para a economia?
Paulo Timm - O ajuste, não só fiscal, mas do conjunto da economia brasileira, é absolutamente necessário se quisermos retomar o crescimento do PIB. A questão fiscal é apenas um primeiro passo e não necessariamente deve se pautar por aumento da carga de impostos com maior elevação, ainda de seu peso no PIB.
IHU On-Line - Como o senhor define a política econômica do ministro Levy? Já é possível vislumbrar erros e acertos na condução da política econômica até agora?
Paulo Timm - O Ministro Levy está seguindo um receituário tradicional. Não há recursos no Tesouro, então eleva-se a carga tributária, já que o orçamento é muito amarrado por vinculações que enrijecem as tentativas de cortes horizontais. Esta medida, entretanto, é automaticamente anulada quando, ao mesmo tempo, se elevam os juros onerando ainda mais o custo da rolagem da dívida pública. Curioso é que ninguém discute, neste contexto, o peso dos juros, que se constituem no segundo maior item no gasto governamental.
IHU On-Line – Qual é o peso dos juros no gasto governamental?
Paulo Timm - Insuportável. Por muito menos Hitler foi à guerra. Na verdade, o endividamento público é a praga dos Estados Modernos, sobretudo os que sofrem de crônica debilidade cambial e ficam expostos às exigências do capital internacional. Uma economista tem percorrido o país e já foi chamada pelos Governos do Equador e da Grécia para orientar programas de auditoria das respectivas dívidas públicas: Maria Lucia Fatorelli. Com a colaboração de outros economistas, criaram um movimento neste sentido no Brasil voltado ao acompanhamento da questão, divulgando-o no site.
Nada tenho a acrescentar sobre as pesquisas deste grupo, a não ser ressaltar que o grande problema brasileiro não é o da relação Dívida/PIB, menor do que muitos países. Esta relação, aliás, vem se elevando perigosamente em decorrência da crise fiscal do governo. Mas é o custo desta dívida, provocado pelos altos juros impostos pelo mercado, que apontam para a bagatela de R$ 510 bilhões no período de um ano encerrado em 30 de setembro último.
Alguns analistas consideram o diagrama acima um pouco exagerado porque contempla não só os juros, mas a própria rolagem da dívida. Vale, pois, recorrer aos dados do Banco Central para descobrir o seguinte, num prenúncio de verdadeira insolvência, como assinala o economista Luiz Otávio: “Nos doze meses terminados em setembro de 2013, o Brasil pagou 229,6 bilhões de reais, nos doze meses terminados em setembro de 2014, pagou 280,8 bilhões, nos doze meses terminados em setembro de 2015, pagou 510,6 bilhões. O pagamento de juros em doze meses passou, em um ano, de 229,6 para 280,8 bilhões; e saltou, em apenas mais um ano, de 280,8 para 510,6 bilhões”.
IHU On-Line - Há alternativas para a política econômica do ministro Levy?
Paulo Timm - Ele, como ministro da Fazenda, não só não tem alternativa, como não tem poderes. A própria gestão da economia está dividida entre ele, o ministro do Planejamento [Nelson Barbosa] e o presidente do Banco Central [Alexandre Tombini]. E não há consenso entre eles.
IHU On-Line – Que posição cada um deles defende?
Paulo Timm - O ministro da Fazenda tem a visão mais conservadora da “dominância fiscal” e só pensa em aumentar os impostos e cortar o máximo possível de despesas, com o extremo cuidado de não falar jamais no peso dos juros nos gastos governamentais. Afinal ele é um representante dos Bancos. O ministro do Planejamento, mais flexível, até porque não tem a chave do cofre, procura dourar a pílula amarga, resistindo um pouco mais à ideia de cortes em programas sociais. Paradoxalmente, o presidente do Banco Central, o único a ter um perfil político mais progressista, vindo de uma formação política marcada pelo pai, da velha guarda cepalina, e de uma vivência no Chile de Allende, é obrigado a fazer o pior papel, que é o de elevar os juros na expectativa de controlar a inflação, algo que nunca conseguirá porque não temos pressão de demanda.
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“Não vejo o Estado como um manancial inesgotável de recursos capazes de irrigar Políticas Públicas” |
IHU On-Line - O TCU recusou as contas da Presidência, acusando de terem ocorrido pedaladas fiscais e irregularidades na gestão das contas federais. Que análise faz dessa situação? Como avalia a decisão do TCU em relação às contas?
Paulo Timm - Eu escrevi, criticamente, nos últimos quatro anos, sobre o retorno dos chamados “esqueletos” que tanto degradaram a gestão das finanças públicas até o ano 2000. Correspondem às “pedaladas” agora denunciadas pelo TCU e que apontam para um buraco superior a R$ 50 bilhões. A esquerda, em geral, é muito crítica à Lei das Responsabilidades Fiscais, numa leitura apressada do keynesianismo. Não é o meu caso. Não vejo o Estado como um manancial inesgotável de recursos capazes de irrigar Políticas Públicas. Quando se extravasa este limite, a inflação é a regra, e a crise, sua pior consequência, tal como aprendemos com um dos mestres dos economistas progressistas, o polonês M. Kalecki.
Mas entre a questão técnica e o uso político das pedaladas, vai um longo curso. Os que defendem o governo procurarão justificar esqueletos e pedaladas. A Oposição, que sequer tem uma clara ideologia de equilíbrio fiscal, tanto que vota a favor da “Pauta Bomba” no Congresso, os denunciará como mais um caso latino-americano de “populismo fiscal”. Eu sou o “terceiro excluído”. Explico: Sou um economista da velha guarda estruturalista, fundador do PDT, aliado histórico do Brizola, descendente político de Júlio de Castilhos. Orçamento Público, para mim, é coisa sagrada e, quando nele se mexe, tem que ser a olhos vistos de todo mundo. E com muito cuidado... Política pública, enfim, é aquela que se faz para o público, em público.
IHU On-Line - Alguns avaliam que os principais impasses no Brasil hoje são de ordem política, porque crises econômicas são “normais”. Contudo, quais os riscos e as consequências das sucessivas crises econômicas que o país enfrenta de tempos em tempos? De que modo isso reflete no desenvolvimento brasileiro?
Paulo Timm - Por um longo tempo, os economistas sabiam que as crises econômicas eram companheiras indissociáveis das economias de mercado. Mas elas promoviam a “destruição criadora”, reorganizando a concorrência e os sistemas de produção, ajudando, além disso, a reduzir eventuais elevações salariais decorrentes dos picos de crescimento. No fundo do poço, as economias automaticamente se recuperavam. Desde que os ensinamentos de Keynes, célebre economista que mostrou que as crises poderiam ser administradas através da intervenção do Estado, se impuseram, tudo parecia sob controle. Ao menor sinal de perda de dinamismo no que ele chamou de Demanda Efetiva, as compensações autônomas do gasto governamental corriam para reanimar o organismo debilitado. Operavam como cirurgias plásticas sobre a Demanda Efetiva: Uma ponte artificial que, em mãos indevidas, produz monstros horrendos...
O mundo andou bem com este receituário no pós-guerra, sob a hegemonia americana. Mas já nos anos 70 começava-se a perceber que não há remédios definitivos para as crises. Não por acaso a década de 80 inaugurará uma era de retorno aos “mercados”, daí derivando o que se conhece como políticas neoliberais e Consenso de Washington. Hoje há um acirrado debate entre os economistas. Uns defendem a liberalização dos mercados, outros sua regulação pelo Estado. Uns e outros, porém, no governo, têm enfrentado crises.
No Brasil não é diferente. A esquerda de modo geral é neo-keynesiana e aposta na intervenção do Estado. A Oposição, também genericamente, é mais liberal. Os primeiros, desde Vargas, passando pelo período militar que pouco mudou a inspiração desenvolvimentista até a era lulista, é keynesiana e sob essa inspiração modernizou a economia do país, não sem provocar alguns sobressaltos inflacionários advertidos e até corrigidos por curtos momentos liberais. Estes, entretanto, teriam preferido manter o país como um fazendão de café e cana-de-açúcar e hoje dizem querer, sem explicar como, uma inserção dinâmica do Brasil nas cadeias internacionais da globalização.
IHU On-Line - Como devemos interpretar as notas das agências de risco sobre o desempenho da economia brasileira?
Paulo Timm - Elas cumprem o papel para o qual foram criadas pelos detentores de fundos de aplicação. Apontam onde há maior risco de não pagamento de juros no futuro e isto tem a ver com a situação das finanças de cada país. O dito Mercado do dinheiro — a oferta de liquidez — está hoje muito concentrado e sob controle dos grandes bancos do mundo, girando a uma velocidade telemática. Isto potenciou a acumulação financeira, muito acima da elevação da produção real do mundo e do valor das transações comerciais, gerando uma reversão do capitalismo produtivo ao capitalismo rentista. Todo este fluxo é rigorosamente controlado pelos Bancos e por essas Agências. Elas são peças da acumulação financeira mundial e nada mais fazem do que cumprir o seu papel: Avisam quando há perigo...
“Não houve neodesenvolvimentismo. Esta é uma denominação criada ao calor do sucesso do Governo Lula” |
IHU On-Line - Como o senhor avalia o neodenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma? Ele se esgotou? Por quê?
Paulo Timm - Rigorosamente, não houve neodesenvolvimentismo. Esta é uma denominação criada ao calor do sucesso do Governo Lula. Houve, sim, no Brasil, um longo ciclo nacional-desenvolvimentista que fez do país a China do século XX. Uma pérola da Teoria do Desenvolvimento. Transformamos um fazendão agroexportador numa moderna economia industrial, força motriz de um invejável crescimento do PIB, com o benefício de levar uma população eminentemente rural, atrasada, distante da cidadania e do consumo, de cerca de 40 milhões de habitantes para quase 200 milhões no ano 2000. Nesse ínterim, que vai de 1930 ao final do século passado, transitamos por uma Revolução, por ciclos autoritários intercalados por momentos democráticos, várias Constituições e episódios de grandeza e de miséria política.
Quando chegamos à virada do século o mundo tinha mudado: esboroou-se o império soviético, consumara-se o processo de descolonização da África e Ásia, Europa e Japão se reconstruíram, a China despontava como um novo fator de reorganização, não só dos mercados mundiais, mas das ideias. O Brasil, no bojo da luta contra o regime militar, mobilizou-se para fazer da Constituição de 1988 um modelo de sociedade ideal, democrática, social e politicamente equilibrada, desenvolvida.
Enfrentamos a roda da História, sempre cheia de possibilidades e aprendizados. Ainda não temos um modelo minimamente consensual que nos guie para o futuro. O desfecho da crise atual apontará, certamente, novos horizontes. Eles terão que, inevitavelmente, definir o lugar soberano do Brasil no concerto internacional, ao tempo em que se recompõem para um novo ciclo de lideranças políticas e perspectivas econômicas.
IHU On-Line - Há dois anos o senhor comentou que, devido ao perfil histórico de crescimento industrial baseado na substituição de importações com forte protagonismo de empresas multinacionais voltadas para o mercado interno, e da falta de uma estratégia de abertura aos mercados externos, a economia brasileira tem pouca expressão no comércio mundial, o que é um risco. Do que depende uma maior expressão do Brasil no comércio mundial?
Paulo Timm - O Brasil “inventou”, com o apoio de uma geração reformista e lideranças progressistas, o modelo de desenvolvimento-nacional-associado, com base no tripé Capital Nacional—Estado—Empresas Multinacionais, que a China, hoje, eleva às últimas consequências. Como sempre tivemos uma economia e sociedade prósperas, desde o século XVI, este modelo assentou-se, primeiramente, no mercado interno. Tratava-se da tradicional substituição de importações, para a qual a captura de Investimentos Diretos de grandes empresas cumpriu importante papel. Na retaguarda, um vasto território e um não negligenciável domínio de mercados de produtos primários, mesmo à custa da degradação ambiental, ia garantindo as exportações indispensáveis à retroalimentação do modelo. Paulatinamente, íamos elevando o nível da produtividade e da renda, transferindo população do campo para as cidades, ao tempo em que aí se reproduziam rapidamente, criando segmentações sociais e institucionais para a gestão deste modelo. Viciamo-nos nisso, ainda que houvéssemos tentado, em 1964, fazer correções que poderiam ter aliviado o ônus do processo.
O golpe militar, diferentemente do que ocorreu com o seu equivalente no resto do cone sul, conteve as aspirações de mudança radical e reforçou o próprio paradigma. Até o governo do Presidente Geisel, continuamos nesta “Marcha Forçada”, como diz o título de um livro de Antonio de Barros Castro, sempre no rumo da substituição de importações, embora ao preço de um contingente cada vez maior de populações excluídas. Desde os anos 80, porém, quando se anuncia uma nova geografia do capital e do mercado em escala mundial, começamos a tropeçar. Não sabíamos direito o que fazer. O mais certo teria sido internalizar o que seria o modelo chinês: abertura à globalização, com soberania, com vistas aos mercados externos. Uma reedição atualizada do que o próprio Juscelino Kubitschek fez na década de 50. Mas não tínhamos visão nem competência política para tanto.
Ingressamos numa Agenda Política com vistas à abertura democrática, Constituinte e eleições diretas à Presidência da República, enquanto a própria crise econômica corroía nossas bases produtivas, monetárias e fiscais. Chegamos à hiperinflação e ao caos dos anos 90, dentro do qual emergiram propostas desarticuladas – ou mal articuladas – à experiência do país, embora sintonizadas com vagas aspirações de realização social. Desde então procuramos caminhos. E mesmo que o encontremos em teoria, ainda assim nos faltará os meios políticos para realizá-lo no curto prazo.
“Há poucas semanas perdemos uma unidade inteira da Embraer, hoje multinacional, cevada pelo Estado, que se deslocou para a Flórida. Perda irreparável, contra a qual nenhuma voz progressista se levantou” |
IHU On-Line - O que seria uma saída alternativa para tentar resolver a crise econômica brasileira? Que conjunto de medidas econômicas ajudaria o Brasil a sair da crise?
Paulo Timm - Em primeiro lugar, separar o que são tarefas de curto, médio e longo prazo. No curto prazo o governo, seja qual for, deverá ter os meios para enfrentar as contingências inevitáveis do gasto público, seja ele de ordem financeira , custeio ou investimentos. Como é praticamente impossível aumentar impostos ou reconcentrar ainda mais a capacidade fiscal sobre a União, o que vem sendo feito nos últimos 20 anos, há que recorrer à única fonte de recursos atualmente disponível, que são as Reservas Internacionais. Dispomos de cerca de US $ 350 bilhões imobilizados, cifra duas vezes maior do que aquela que o próprio FMI considera recomendável para a manutenção de uma certa estabilidade cambial. Paralelamente, há que se rever os fundamentos da dívida pública da União, nos moldes em que outros países e mesmo o Brasil, no início da Revolução de 1930, já o fizeram. Temos a ventura de que grande parte da dívida é em reais, dando maior flexibilidade ao governo para manobrá-la.
No médio prazo urge uma Reforma Tributária que há tempo já deveria ter sido providenciada. Nem os Estados e Municípios têm que carregar quase sozinhos o fardo das responsabilidades sociais maiores da nação, como educação, saúde e urbanização, nem os mais pobres conseguirão arcar indefinidamente com o ônus fiscal mediante cobrança de impostos indiretos, enquanto os detentores de títulos, propriedades e grandes negócios refestelam-se na evasão. Neste médio prazo situam-se várias Reformas que venham a aliviar as tensões sociais no campo e na cidade.
O longo prazo implica na redefinição do paradigma econômico herdado da substituição de importações e que nos remete de volta à matriz colonial das exportações de commodities. Temos que abrir fronteiras novas nos campos da energia e indústria, nos marcos de uma nova era de condenação irremediável dos combustíveis fósseis e de grande arrebatamento tecnológico. Há poucas semanas perdemos uma unidade inteira da Embraer, hoje multinacional, cevada pelo Estado, que se deslocou para a Flórida. Perda irreparável, contra a qual nenhuma voz progressista se levantou. Não é este o momento nem o espaço para o desenho de uma verdadeira Política Industrial e Tecnológica para o Brasil, mas é disso, sobretudo, que dependerão as próximas gerações.
Por Patricia Fachin
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Crise econômica e as consequências do custo da dívida pública. Entrevista especial com Paulo Timm - Instituto Humanitas Unisinos - IHU