Por: André | 03 Novembro 2015
“A derrota da candidata Clara López nas eleições para a prefeitura de Bogotá semeia a confusão na gama heterogênea da esquerda legal e augura incidência negativa no processo de paz entre o governo e a insurgência.”
A análise é de Yahir Contreras e publicada por Rebelión, 29-10-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
A derrota da candidata Clara López nas eleições para a prefeitura de Bogotá semeia a confusão na gama heterogênea da esquerda legal e augura incidência negativa no processo de paz entre o governo e a insurgência.
Os fatores que se vislumbram, numa leitura que vai além das urnas e do domingo 25 de outubro, vão desde o desmonte de conquistas democráticas até o abstencionismo, que ultrapassa os 55% na capital.
1. A composição política variada explica em princípio por que a proposta não tem apelo entre os setores populares: antropofagia de líderes no Polo Democrático Alternativo, desordem na política que apaga a proposta desde as alas liberais ou progressistas, verdes, animalistas, etc., até as visões eleitoreiras em sentido estrito. O comportamento da esquerda não pode, não deve, restringir-se à conjuntura pré-eleitoral. A busca de votos às vésperas das datas chaves desperdiça conquistas e jogam resultados como o das urnas do domingo 25 de outubro.
Quando se joga o jogo da democracia formal tradicional, a maquinaria sistêmica e a avalanche do stablisment sepulta as mudanças e desnaturaliza a essência da esquerda: gerar consciência e organização para avançar e apoiar-se no governo da capital, pelo menos. Deixar ao azar das urnas um projeto nos lança no abismo da derrota. A autocrítica e a avaliação da esquerda deve ser uma premissa para recompor conquistas ou ao menos mantê-las.
2. A direita e o centro pseudo-socialdemocrata, verde ou renovador, ou seja, as classes dominantes e seu suporte na classe média, também estão no jogo: a ofensiva midiática, através dos monopólios informativos, é um fator relevante. Mas, o que esperavam as organizações de esquerda: que a oligarquia se comporte de maneira democrática e permita o jogo das ideias sem recorrer a todos os seus mecanismos de dominação?
A apresentação de dois candidatos desde as fileiras dos de cima (Pardo e Peñalosa) mais o candidato da ultradireita Francisco Santos, primo do presidente, fizeram a sua parte, dividiram o voto em três e conseguiram recuperar o governo da capital colombiana. As pesquisas de opinião, a desinformação, as ofensas contra a candidata López, a perseguição e deslegitimação de Gustavo Petro, esse é o jogo da democracia, professor...
3. A composição social do voto é importante. Podemos aventurar que a classe média e alta votou nos três candidatos do stablishment. Sem dúvida, haverá setores populares ludibriados pela desinformação e manipulação, tanto pelo desencanto como pela manipulação midiática, pelas acusações diversas e infundadas ao governo de Petro mais as recentes acusações ao senador Iván Cepeda, ponta de lança dos ataques reacionários do Procurador, e a campanha anti-esquerda durante anos pela suposta ineptidão baseada em erros administrativos e atos de corrupção, como o carrossel das contratações. No campo do voto na Clara o derrotado evidente foi o progressismo, ao passo que outros setores, como a União Patriótica e a Marcha Patriótica, deram contribuições pequenas em termos de votos.
4. De um total de 5.453.086 de potenciais eleitores, votaram 51%, com uma elevada abstenção. Dos votos válidos, 903.764 foram para Peñalosa, 750 mil para Pardo, 327 mil para Santos, ao passo que a votação da candidata López somou 498.718, mais de 150 mil votos a menos que aqueles obtidos por Petro em 2011. Mais de 200 mil votos foram para outros candidatos. Pouco menos de cem mil eleitores de Bogotá votaram em branco em um ato de inconformidade, ao passo que 120 mil votaram em outros candidatos e houve 57 mil votos nulos.
Os resultados eleitorais em Bogotá incidem em dois fatos relevantes para o país: o processo de paz e o projeto Bogotá Humana desenvolvido no triênio do prefeito Petro como continuidade do sentido social da esquerda, que governou 12 anos na cidade de 8 milhões de habitantes.
5. Bogotá Humana chega à encruzilhada, ao menos em sua parte medular, devido à derrota nas urnas. Avanços democráticos na informação (Canal Capital), diminuição da pobreza através da geração de empregos, dignificação dos trabalhadores da limpeza, programas ecologistas, projeto de construção do metrô, “desprivatização” de serviços públicos, participação cidadã em diversas frentes, estarão sob ataque do projeto oligárquico-peñalosista: reprivatização de setores com interesses privados do novo prefeito, que tomará posse no dia 1º de janeiro de 2016, neoliberalização dos setores citadinos e onda de obras para entregar aos seus patrocinadores, empresários do setor imobiliário e empreiteiras.
Além do mais, não se pode esperar menos de um político nascido em Washington, a quem a mídia exalta como um “grande urbanista”. O sistema de transporte público Transmilenio, grande carta de apresentação de Peñalosa, embora tenha modernizado de modo temporário o transporte urbano, converteu-se em um grande negócio de particulares com infra-estrutura financiada pelo erário público, monopolizou o serviço, descartou o metrô para a megacidade e criou o caos atual na mobilidade, acusando as administrações de Garzón, Moreno e Petro por muitos males.
6. O processo de paz com a guerrilha das FARC, e aquele que se perfila com o ELN (Exército de Libertação Nacional), será afetado pelo péssimo sinal dado nestas eleições: a esquerda partícipe da legalidade (a insurgência aponta para essa meta em 2016) é submetida a um impiedoso bombardeio midiático, à truculência do poder para impor seus dirigentes e atacar qualquer tentativa democratizadora na política colombiana em todas as frentes: a informação, a aplicação incorreta de leis por parte da Procuradoria, as eleições manipuladas, corrompidas ou financiadas pelas grandes somas de dinheiro legal ou “quente”, e inclusive as ameaças de morte orquestradas nas cloacas do poder e que, sem dúvida, se originaram na direita recalcitrante amparada no paramilitarismo e em setores militares.
Finalmente, a paz na via legal parece ser, para a insurgência, um tema de vida ou morte política, ao passo que a classe dirigente goza de aparente boa saúde em matéria de manejo político-eleitoral e controla o espectro do Stablishment.
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Por que a esquerda perdeu em Bogotá? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU