Por: André | 30 Outubro 2015
“Para a esquerda colombiana, estas são as eleições mais desfavoráveis da história recente. É urgente uma mudança de estratégia, de programa e de métodos de trabalho, máxime quando o modelo a seguir nos últimos 15 anos, o dos governos progressistas latino-americanos, hoje parece seriamente ameaçado por crises variadas em alguns casos e por giros à direita em outros. Hoje, parafraseando Julio Cortázar, nossa verdade possível tem que ser invenção.”
Fonte: http://bit.ly/1MXGyJt |
A análise é de Alejandro Mantilla (foto) – integrante do Comitê Executivo do Poder e Unidade Popular, organização que faz parte do Polo Democrático Alternativo e do Congresso dos Povos – e publicada por Colombia Informa, 26-10-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Ao célebre lema do gatopardismo, “que tudo mude para que tudo fique como está”, pode-se propor uma variação: a renovação do velho afugenta o surgimento de uma genuína novidade.
Houve um tempo em que os dois partidos tradicionais se organizaram como a soma de múltiplas microempresas eleitorais controladas por barões regionais. A reforma política da década passada introduziu um teto para obrigar que essas pequenas coletividades se agrupassem em grandes partidos com maiores identidades ideológicas, ao menos na teoria. A recente eleição revela o fracasso deste propósito. Hoje, esses grandes partidos luzem como puras máquinas eleitorais, cujo principal ofício é operar como fábricas de avais em grande escala. Com a possível exceção do Polo e do Centro Democrático os partidos não têm ideologias definidas; seu único propósito é a vitória eleitoral.
Aqui cabe a pergunta do velho patriarca liberal – O poder para quê? Hoje, o controle do poder político está ligado à captura das rendas, sobretudo a obtenção dos recursos das regalias das atividades extrativistas e os contratos do setor público, especialmente em matéria de saúde, infraestrutura, saneamento básico e programas focalizados como a merenda escolar.
Assim, o Estado deixa de ser um espaço de administração dos negócios comuns dos ricos para converter-se em uma fonte direta de riqueza. Estas características podem ajudar a entender uma campanha eleitoral marca pela rivalidade, pelas reiteradas denúncias de fraude e o trastejamento de votos ou manipulação de pesquisas de opinião pública. Nesta campanha, os partidos foram apagados, desapareceram as ideologias e prevaleceu a mobilização da máquina sobre a mobilização de consciências.
Algumas alianças inesperadas permitem corroborar esta tese. Em Santander, Horacio Serpa apoiou o seu outrora inimigo Didier Tavera. Rodrigo Lara e Carlos Fernando Galán, filhos de dois líderes assassinados pelos cartéis do narcotráfico, apoiaram candidatos acusados de vínculos com o crime organizado. As alianças estiveram marcadas mais pela conveniência rentista do que pela concordância política.
A velha direita e o novo despojo
O indiscutível vencedor da jornada é Germán Vargas Lleras, que vai controlar boa parte do poder político local. O vice-presidente terá influência direta sobre nove governadores eleitos: Cundinamarca, Antioquia, Huila, Guajira, Cesar, Madgalena, Sucre, Vaupés e Amazonas, e sobre as prefeituras de Bogotá, Cali e Barranquilla. Além disso, é o senhor e dono do Cambio Radical, partido que terá a maior bancada no Conselho de Bogotá e que atualmente se perfila como a força política de maior crescimento em nível nacional.
A vitória de Vargas Lleras é um juízo unânime. No entanto, tende a se esquivar o modelo de acumulação de capital que promove. Ao ser o gestor dos grandes projetos de infraestrutura, o vice-presidente é o dono do talão de cheques público e o principal gerente do novo ordenamento territorial a favor dos grandes negócios. Por seu escritório passam as decisões chaves sobre estradas, represas, portos e outras megaobras. Para viabilizar estes projetos, Vargas Lleras conta com as ferramentas jurídicas emanadas do Plano de Desenvolvimento, em especial os PINES (Planos de Interesse Nacional e Estratégico), instrumento que permitirá acelerar a execução de obras declaradas de interesse público (embora, na prática, beneficiem o capital privado) e a expropriação administrativa (nome técnico para o despojo legal) de propriedades urbanas e rurais.
Hoje, Germán Lleras controla boa parte do poder político local, tem ingerência direta sobre uma porção importante dos recursos públicos e define as grandes megaobras impulsionadas pelo Estado colombiano. Além disso, é o vice-presidente da República e o favorito para ser o próximo presidente.
O milionário e gangster
Vale a pena, literalmente, indagar sobre uma característica comum dos novos mandatários das principais cidades do país. Peñalosa em Bogotá, Armitage em Cali, Hernández em Bucaramanga e Char em Barranquilla, ganharam as eleições apresentando-se ou como empresários ou como gerentes, mas não como políticos, embora todos eles façam parte da paisagem política habitual.
Armitage, Char e Hernández são três milionários que usaram sua imagem empresarial para aparecer como alternativa viável para a população, ao passo que Peñalosa se catapultou por sua imagem de gerente urbanista. Encontramos então um fenômeno muito curioso: os antipolíticos já não são personagens que se mostram antissistêmicos e depois se adaptam ao sistema (como Lucho, Mockus, Apolinar ou Fajardo); pelo contrário, são personagens abertamente representativos da economia e da política dominante. Hoje, na Colômbia, a alternativa aos políticos são milionários apoiados pelos políticos.
O outro modelo de político vitorioso é o gangster. Falo do personagem apontado como ter vínculos com o crime organizado, denunciado por colunistas e acompanhado de perto pelas ONGs, mas cuja ascensão ninguém pode deter. Onedia Pinto em Guajira, Nebio Echeverry em Guaviare, Didier Tavera em Santander, Rosa Cotes em Magdalena, Luis Pérez em Antioquia, Andrés Londoño em Cartagena e Cesar Rojas em Cúcuta, são bons exemplos, mas o mais representativo é o prefeito eleito de Yopal, conhecido como “John Calzones” que celebrou sua vitória na prisão modelo de Bogotá, acusado de construtor pirata e que enfrenta possíveis acusações por narcotráfico.
Na política colombiana realiza-se esse procedimento dialético do teatro de Brecht onde o empresário se confunde com o ladrão e vice-versa. Se em suas obras aparece “Mackie navalha”, na versão colombiana bem que poderia aparecer “John Calzones”.
A paz não apareceu na agenda
Supõe-se que as eleições definiriam para os gestores locais um eventual pós-acordo de paz, mas nos debates este assunto quase não apareceu, ofuscado por questões como a mobilidade, a segurança ou a corrupção. Quando apareceu, o tema surgiu em debates de televisão através de típicas perguntas de efeito carentes de profundidade, tais como: “Se você fosse prefeito, daria o cargo de secretário a Timochenko?” Assim, a solução política para o conflito esteve ausente da maioria dos debates, ou foi banalizada pelos jornalistas de plantão.
O outro aspecto é ainda mais inquietante. Embora se diga que o uribismo sai derrotado por seus maus resultados em Bogotá, Manizales, Medellín, Cundinamarca e Antioquia, algumas de suas vitórias ocorrem em lugares chaves para um eventual acordo de paz. O Centro Democrático ganhou as prefeituras de San Vicente del Caguán, Florencia, Leticia e Puerto Carreño, e fez o governador de Casanare. Estas administrações seriam chaves no pós-acordo, mas serão agenciadas por indivíduos abertamente hostis ao processo de paz. Soma-se a isso o consolidado poder de Vargas Lleras, cujo silêncio sobre a paz pode ser lida como um sinal de hostilidade dissimulada.
Nova crise da esquerda?
Se os setores da direita conseguiram aperfeiçoar suas práticas clientelistas habituais, ou apresentaram o velho embrulhado como novo, a esquerda foi vítima de sua própria paralisia. O Polo não conseguiu a prefeitura de Bogotá após 12 anos de governos de esquerda, não disputou a administração de nenhuma capital, nem o governo de Departamento.
Um indicador chave é a situação do Conselho de Bogotá. Os Verdes perderam figuras chaves como Mafe Rojas, Roberto Saenz e Yesid García, o que sugere – tomara que me equivoque! – uma certa direitização desse partido. O Polo consegue apenas conservar seus atuais vereadores somando a entrada de Manuel Sarmiento, que exercerá um papel chave na oposição a Peñalosa. A União Patriótica, apesar de sua corajosa e ativa campanha, não obteve os votos necessários para chegar ao Conselho, e os Progressistas conseguiram apenas a cadeira de Hollman Morris. As condições para a oposição parlamentar distam de ser as melhores.
No entanto, os setores alternativos conseguiram vitórias importantes em Putumayo, Boyacá, Nariño, Ibagué e Pasto. Também obtiveram vitórias em municípios em que apareceu força social mobilizadora, sobretudo camponesa, como El Tarra (Norte de Santander), San Pablo, San Lorenzo e Samaniego (Nariño), para citar alguns poucos exemplos. Estes governos têm o desafio de enfrentar uma política nacional abertamente hostil aos territórios e às entidades territoriais. Por isso, devem estar muito perto de movimento sociais para defender as regiões. Se a propósito do MAS boliviano, do Podemos, do Syriza e outros partidos falou-se de “partidos-movimento’, não é descabido falar de “governos locais-movimento”. Mas isso dependerá da audácia dos governantes.
Para a esquerda colombiana, estas são as eleições mais desfavoráveis da história recente. É urgente uma mudança de estratégia, de programa e de métodos de trabalho, máxime quando o modelo a seguir nos últimos 15 anos, o dos governos progressistas latino-americanos, hoje parece seriamente ameaçado por crises variadas em alguns casos e por giros à direita em outros.
Hoje, parafraseando Julio Cortázar, nossa verdade possível tem que ser invenção.
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Colômbia. Vitória da “nova” velha política e crise na esquerda? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU