Por: André | 26 Outubro 2015
Para entender o tempo que a Igreja está vivendo, não basta conhecer os mecanismos da política eclesiástica. O que está acontecendo não pode ser explicado com as frases feitas e habituais das pequenas polêmicas clericais, nem com os confrontos entre panelinhas em tânica ou intrigas entre cardeais. Neste tempo da Igreja existe tudo isso, como sempre, mas há algo mais determinante, algo que vem antes.
Fonte: http://bit.ly/1PLd9IG |
A reportagem é de Gianni Valente e publicada por Vatican Insider, 24-10-2015. A tradução é de André Langer.
Em certos comentários e operações de autoria de aparelhos clérico-midiáticas (interconectados e bem resistentes) reflete-se um ódio religioso contra o atual Sucessor de Pedro, que não tem nada a ver com as regulares objeções, críticas ou inclusive acusações que normalmente podem ser feitas a um Papa de que “não se gosta”. Em certas reações que se desencadearam frente ao caminho que o Papa Francisco sugere com seu magistério, a única analogia que dá razão ao tempo presente é essa da “revelação do coração” que aparece disseminada nas narrações evangélicas: quando as “almas belas e maduras” dos homens religiosos que apoiavam Jesus incluíam no próprio desprezo até a lei de Deus, para domesticar ou anular a vertiginosa promessa e a atração humana do Nazareno dirigida aos prediletos, isto é, aos pobres. “Por muitas razões”, disse o Papa há alguns dias na homilia da missa matutina de Santa Marta, “tentavam afastar a autoridade de Jesus do povo, inclusive com calúnias... ‘Ele expulsa os demônio através de Belzebu. É um endiabrado. Ele faz magias, é um feiticeiro’. E colocavam-no continuamente à prova, provocavam-no com armadilhas, para ver se caía”.
As “brigadas anti-Bergoglio”, permanentemente em serviço, já não parecem capazes de reconhecer a fé dos apóstolos que vibra nos gestos e nas palavras do atual Sucessor de Pedro. Vão para cima dele por reflexo condicionado, percebendo-o como um objeto estranho à sua armadura ideológica. Às vezes, tratando inclusive de instrumentalizar de maneira infame e até perversa a memória (sempre tão importante para o Povo de Deus) daqueles que foram Bispos de Roma antes do Papa Francisco.
Dessa forma, o ódio religioso que flui dos indivíduos e círculos midiático-clericais contra o Papa revela um aspecto reprimido, mas claro, inclusive do ponto de vista da história da Igreja: nos últimos anos, tem havido um afastamento radical da experiência cristã e das suas dinâmicas mais elementares, que se estendeu e triunfou no coração de amplos setores eclesiais, justamente disfarçando-se em ideologia religiosa, adornada com palavras e fórmulas cristãs. O que Rémi Brague definira como ideologia “cristianista”, atrofiou, em alguns setores do catolicismo que se autoproclamam como ultra-ortodoxos, o mais elementar e embrionário “sensus fidei”. Relegou a ternura e a misericórdia de Cristo para a sombra do “consumo privado de religiosidade”, porque em público seria preciso fazer guerras culturais. O sintoma mais claro desta desertificação é justamente a obstinada falta de reconhecimento da fonte evangélica do Pontificado do Papa Francisco. Uma secularização interna que é mais devastadora do que todas essas formas de secularização que se desenvolvem devido aos condicionamentos culturais de matriz mundana (incluindo o relativismo e o niilismo).
As características escatológicas da partida em andamento não podem ser comparáveis às patéticas brigas palacianas das fofocas vaticanas. Por isso, mesmo a teoria da conspiração – com as listas de “direitistas” e “esquerdistas” –, que explora nas interpretações dos eventos anômalos que surgiram à margem do Sínodo de outubro (desde a declaração pública da homossexualidade de um oficial do ex-Santo Ofício até a falsa notícia sobre o suposto tumor cerebral do Papa), corre o risco de ofuscar ainda mais a visão do povo, impedindo-o de estar ciente do que realmente está em jogo.
O caminho mais óbvio para tentar abafar o pulso evangélico que caracteriza este tempo da Igreja é tratar de tirar os velhos truques utilizados para o caso do Vatileaks ou difundir o conto de fadas sobre um corpo eclesial que funciona em base a um jogo de intrigas palacianas e relações de força entre posturas e blocos previamente definidos em uma base política. Aqueles que aplicam à situação atual o vocabulário polonês dos grandes enfrentamentos e intrigas de poder são, objetivamente, úteis para manter a representação. Isso inclui todos os conspiradores que, para agradar a grande mídia, não distinguem o ódio anti-evangélico e manipulador das críticas legítimas e das eventuais hostilidades suscitadas pelo Papa Francisco nos blocos do poder mundano.
A fonte evangélica que alimenta o Pontificado do Papa Francisco poderá irradiar com maior força quando outros pastores, cada qual com sua própria sensibilidade e sua história, contribuírem, parando de repetir como papagaios os “bergoglismos”, para que se perceba o alcance de uma Igreja sem espelhos, que não olha para si mesma, que não se inclina às intrigas, mas preocupada em seguir o Senhor. Desta forma, talvez, poderão deixar para trás todas essas atenções espasmódicas e as polarizações inexistentes que nascem supostamente em torno do atual Bispo de Roma (porque o excesso de atenção concentrada exclusivamente no Papa, visto como isolado da Igreja, no longo leva a distorções patológicas).
Assim, o Povo de Deus, o “povo santo de Deus” (pastores e fiéis), será capaz de caminhar mais rapidamente pelo caminho da “conversão pastoral” sugerido pelo atual Sucessor de Pedro, guiado por seu inefável “sensus fidei”. Foi este instinto de fé que fez com que o próprio povo de Deus reconhecesse imediatamente pelo cheiro o pastor “do fim do mundo”, porque é o próprio cheiro de Cristo.
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O cheiro de ovelha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU