30 Setembro 2015
No Encontro Mundial das Famílias da Igreja Católica, ativistas LGBT católicos e defensores da doutrina tradicional da Igreja sobre a sexualidade concordam em uma coisa – a Igreja nem sempre é um lugar fácil para se ter essas conversas.
A reportagem é de Elizabeth Eisenstadt Evans, publicada no sítio National Catholic Reporter, 25-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Para muitos, a Igreja Católica não é um lugar caloroso", disse Janet Smith, professora de teologia moral do Seminário Maior do Sagrado Coração de Detroit. Ela é coeditora da nova antologia Living the Truth in Love: Pastoral Approaches to Same-Sex Attraction [Vivendo a verdade no amor: abordagens pastorais à atração entre pessoas do mesmo sexo], que adere aos ensinamentos tradicionais da Igreja sobre sexualidade.
Nos últimos anos, os católicos viviam em bairros e paróquias étnicas, disse Smith, "e havia um senso de comunidade. Agora, as pessoas vivem longe de casa, vão para grandes paróquias e não se sentem acolhidos ou em casa".
A falta de comunidade pode ser sentida de forma particularmente aguda por aqueles que experimentam uma atração pelo mesmo sexo, afirmou ela. Alguns podem se sentir "condenados a uma vida de solidão. Nenhum cristão jamais deveria se sentir condenado – particularmente se está seguindo os ensinamentos da Igreja", o que significa que ele ou ela deve permanecer celibatário.
Os católicos LGBT que não respeitam estritamente os ensinamentos tradicionais experimentam ainda mais a separação da comunidade eclesial – inclusive no Encontro Mundial das Famílias, que foi realizado na Filadélfia, nos dias 22 a 27 de setembro.
Margie Winters perdeu seu emprego em uma escola particular católica da periferia da Filadélfia, a Waldron Mercy Academy, depois que dois pais de alunos se opuseram ao seu casamento lésbico. Winters falou na terça-feira, 22 de setembro, em uma coletiva de imprensa realizada pela Equally Blessed, uma coalizão de vários grupos de apoio aos católicos LGBT que não são celibatários.
A Equally Blessed realizou o seu encontro em uma igreja metodista nos arredores do Pennsylvania Convention Center, o principal local do Encontro Mundial das Famílias, porque, primeiro, o grupo tinha sido proibido de montar um estande próprio no interior do evento e, depois, barrado pelo arcebispo Charles Chaput, da Filadélfia, de usar uma paróquia católica nas proximidades.
Winters disse: "Pedimos que a Igreja reflita sobre a sua própria identidade, uma identidade agora associada ao tratamento discriminatório da comunidade LGBT. Somos seus irmãos e irmãs na fé".
A agenda de quatro dias do Encontro Mundial das Famílias, sempre lotada, teve uma única sessão dedicada às famílias e a homossexualidade. Programada para a quinta-feira, 24, à tarde no salão principal, capaz de abrigar ao menos 10.000 pessoas, ela foi transferida de última hora e sem explicação para outra sala capaz de abrigar apenas cerca de 1.000 pessoas. Centenas de outros participantes foram afastados, e as portas foram fechadas pelos responsáveis do centro de convenções, que citavam os regulamentos do código de incêndio.
Alguns membros da coalizão Equally Blessed participaram do Encontro Mundial das Famílias como indivíduos, e a organização ofereceu hospedagem aos participantes e realizou conversas paralelas.
Os mesmos tipos de lutas acontecem em casa, longe das grandes convenções.
O Pe. Jim Shaughnessy, que atende duas paróquias no Kansas, disse que se debateu com a definição do Catecismo sobre a homossexualidade como uma "desordem" – até perceber, ao ler uma das orações para a missa dominical, que todos os desejos humanos são descritos dessa forma.
Quando se trata a forma como esse ensino é vivido em termos práticos, disse Shaughnessy, "nós provavelmente não somos os melhores. Os fiéis são chamados a equilibrar a misericórdia com a clareza sobre a doutrina da Igreja sobre a expressão sexual apropriada, mas raramente abordam a atração pelo mesmo sexo em um contexto pastoral".
"Nós somos chamados a amar todas as pessoas, e isso não acontece", disse Shaughnessy.
Várias famílias, na sua experiência paroquial, se conhecem, mas não percebem que compartilham a experiência de ter filhos homossexuais, disse – e ele é obrigado, por confidencialidade pastoral, a não contar isso a elas.
Susanne Cassidy, mãe católica de dois filhos gays e antiga ativista da organização PFLAG [Pais, Famílias e Amigos de Lésbicas e Gays, na sigla em inglês], reuniu-se com Chaput no ano passado para discutir essas questões. Cassidy disse ao NCR que ela e seus companheiros foram "bastante explícitos com ele. Eu disse a ele que, se todos os padres diocesanos que são gays saíssem do armário – compartilhando a sua orientação, não o seu comportamento – o público teria uma visão muito diferente".
Embora Chaput tenha sido gentil, disse Cassidy, ele também foi inflexível, intimando, no fim da reunião, que se eles não subscrevessem os ensinamentos católicos sobre a homossexualidade, eles não deveriam se considerar católicos.
"Como pessoas que trabalharam e apoiaram a arquidiocese, foi muito doloroso ouvir isso", disse Cassidy, desejando que ela tivesse tido tempo no fim da reunião para responder ao prelado.
Hoje, Cassidy não frequenta a igreja regularmente, fazendo suas orações em casa, afirmou.
Embora o Papa Francisco esteja usando uma linguagem mais suave, disse ela, "quando você é machucado tantas vezes pela Igreja, é difícil ser otimista".
"Eu acho que as pessoas leram coisas demais na declaração do papa sobre não julgar", disse Smith. "Ele também disse que ele é filho da Igreja e não muda a doutrina. Mas ele também é um papa da misericórdia."
O Pe. Philip Bochanski, diretor associado do Courage, um ministério que fornece suporte para os católicos que experimentam a atração por pessoas do mesmo sexo, mas querem praticar a castidade, concorda que Francisco não visa a fazer mudanças no ensinamento da Igreja sobre sexualidade. Por outro lado, disse, os fiéis precisam defender aqueles que são intimidados ou ostracizados por causa da sua orientação.
Enquanto encontramos um equilíbrio entre uma ênfase excessivamente monocromática sobre a doutrina da Igreja e um desejo de não ofender por discorrer sobre a fé, disse Bochanski, "todos nós precisamos praticar a compaixão e ser irmãos e irmãs uns dos outros". (...)
A Ir. Jeannine Gramick, das Irmãs de Loretto, que passou mais de 40 anos trabalhando com a comunidade LGBT, disse ao NCR que ela não acha que o papa se preocupe muito com a doutrina. "Os bispos estão pregando a lei antiga, que é doutrina e ensino. É a lei antiga, que vincula as pessoas, enquanto o Papa Francisco está pregando o Evangelho do amor."
Em conversas com ativistas LGBT católicos sobre o papa, ela testemunhou um novo entusiasmo, até mesmo uma euforia, afirmou. "Alguns dizem que, embora ele diga coisas maravilhosas, não houve qualquer mudança na doutrina. Mas eu digo que ele não está interessado na doutrina. As mudanças na doutrina ocorrem a todo momento, e isso não é tão importante".
Todos concordam que, quando se trata das questões LGBT, há muito caminho ainda a se fazer.
"Eu acho que estamos crescendo, estamos aprendendo", disse Smith. "Nós temos que nos certificar de que cada cristão tenha um senso de família e de comunidade."
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LGBT: um debate nada fácil no Encontro Mundial das Famílias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU