25 Setembro 2015
A oportunidade de o Papa Francisco se dirigir a líderes mundiais reunidos em Nova York na manhã desta sexta-feira nas Nações Unidas só vai dar início a uma semana agitada para o órgão internacional em meio a seu 70º ano de existência.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada no sítio National Catholic Reporter, 24-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um dia depois de se dirigir ao Congresso, Francisco vai discursar à Assembleia Geral das Nações Unidas, naquela que se tornou uma espécie de tradição, quando os papas fazem o seu caminho pelos Estados Unidos. O seu discurso ocorre enquanto 193 Estados-membros da ONU se preparam para adotar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pós-2015 e menos de três meses antes de o órgão se reunir em Paris para um potencial acordo vinculante para enfrentar as mudanças climáticas.
É dentro desse contexto que Francisco irá se dirigir à comunidade global, além da crescente crise migratória de refugiados sírios e da contínua ameaça do Estado Islâmico.
"Eu acho que há muita esperança aqui em torno da sua visita", disse a Ir. Stacy Hanrahan, das Irmãs de Notre Dame, uma das inúmeras religiosas que trabalham na ONU através de organizações não governamentais. Hanrahan faz parte da UNANIMA International, uma coalizão de cerca de 20 congregações religiosas femininas que representam mais de 20.000 irmãs ao redor do globo.
A irmã dominicana Margaret Mayce, presidente do grupo de trabalho das ONGs de desenvolvimento social, disse que Francisco irá à ONU para não dizer aos povos o que fazer, mas para trazer "uma voz moral muito clara para os problemas", algo muitas vezes ausente do discurso do organismo.
"Isso faz parte daquilo que as ONGs tentam fazer. Nós tentamos levantar esse nível. Mas eu acho que ele vai falar isso em voz alta e clara", disse.
O discurso da ONU foi projetado para ser um dos compromissos da visita de seis dias de Francisco aos Estados Unidos, no qual ele pode falar sobre a questão das mudanças climáticas e da proteção do ambiente, um tema central da sua encíclica Laudato si' sobre o cuidado da casa comum.
Aqueles que querem saber o que o papa pode dizer a respeito receberam uma dica na quarta-feira, durante a sua cerimônia de boas-vindas na Casa Branca. Depois de dizer ao presidente Barack Obama que ele achava "encorajador que você está propondo uma iniciativa para reduzir a poluição atmosférica" – provavelmente uma referência ao plano de energia limpa da Agência de Proteção Ambiental dos EUA –, Francisco disse: "Parece claro para mim também que as mudanças climáticas são um problema que não pode mais ser deixado para uma geração futura".
"Quando se trata do cuidado da nossa 'casa comum', nós estamos vivendo em um momento crítico da história", disse o papa.
Além do discurso de Francisco, a agenda da Semana das Nações Unidas está repleta para o seu 70º ano. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são os primeiros em pauta, marcados para serem adotados depois do discurso do papa. E espera-se que as conversas climáticas continuarão até a conferência sobre mudanças climáticas da ONU em Paris, em dezembro. Acrescente-se a isso o primeiro discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas do presidente chinês, Xi Jinping, na segunda-feira.
Mas são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, também conhecidos como Agenda 2030, que, junto com o discurso de Francisco, vão atrair a atenção das religiosas.
Visando a estender e construir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que expiram este ano, a agenda apresenta 17 metas e 169 alvos apontados para acabar com a pobreza e a fome, promover a educação e a igualdade de gênero, garantir o acesso à água e à energia sustentável, e tomar medidas para enfrentar as mudanças climáticas e proteger a biodiversidade. Mais tarde, indicadores serão desenvolvidos para medir os progressos realizados pelos países individualmente.
Embora os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio não alcançaram o objetivo de eliminar a pobreza global, eles viram um progresso significativo: em 1990, a taxa de extrema pobreza era de 47%; em 2015, ela caiu para 14%.
Uma carta, organizada pela agência católica internacional de desenvolvimento CISDE e assinada por mais de 50 líderes da região, elogiou muitas das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mas também desafiou os líderes mundiais a preencherem as lacunas e as limitações. Em particular, a definirem limites para a extração de recursos naturais e a fazerem uma série de reformas financeiras.
O novo conjunto de metas nasceu de uma grande colaboração com a comunidade global. A irmã ursulina Michele Morek, coordenadora da coalizão UNANIMA, afirma: "Demos mais contribuições em todo esse processo do que antes, provavelmente, em termos de sermos convidados para o processo". Ela atribuiu o maior papel para a sociedade civil à liderança da ONU, em particular o secretário-geral, Ban Ki-moon, que buscou o envolvimento mundial no desenvolvimento do próximo capítulo do desenvolvimento sustentável global.
"Isso é o que é emocionante para mim sobre as metas, já que, até agora, é o esforço mais interconectado que eu já vi aqui", disse Hanrahan, que participa das comissões para o desenvolvimento social e o desarmamento. "As pessoas estão vendo que essas coisas estão muito conectadas. Tudo tende a ser muito separado na ONU."
A interconexão é algo que os povos indígenas enfatizaram, afirmaram as irmãs, assim como um ponto central que Francisco ressaltou na sua encíclica sobre o ambiente e a ecologia humana.
"Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos. (…) Tudo está interligado. Por isso, exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade", escreveu ele no número 91.
"A ONU adorou a Laudato si'", disse Morek. "Só se falou disso quando ela foi publicado [em meados de junho]."
Parte da razão disso foi que, embora grande parte do que ele disse não era necessariamente novas ideias – particularmente para os membros da comunidade da ONU –, ele teceu os conceitos, críticas e questões em um documento coeso e digerível, disse ela, e de certa forma colocou o seu "selo de aprovação" nele.
"Ele está dizendo o que temos dito, mas há um grande número de Estados-membros, algumas pessoas que realmente, como você pode imaginar, simplesmente não querem ouvi-lo, especialmente em termos da questão do clima", disse Mayce.
Alguns dos membros das ONGs viram o discurso de Francisco no sentido de assegurar a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis, com nações talvez relutantes em rejeitar uma agenda largamente defendida pelo papa; outros, porém, viram a sua passagem como uma formalidade depois que os Estados-membros assinaram os objetivos depois de intensas negociações em julho.
Questionadas sobre quais palavras ou frases que Francisco pode usar poderiam causar perplexidade entre a assembleia geral, as irmãs citaram: "Não deixar ninguém para trás", "senso integrado da criação", "participação", assim como o fato de levantar a questão das mulheres ou o seu já comum refrão crítica contra o capitalismo desenfreado. Falar desse último ponto, disse Morek, seria particularmente significativo, dado o crescente poder das corporações na ONU
"As ONGs estão preocupadas sobre quão íntima com as grandes corporações a ONU está se tornando e deve se tornar a fim de ser financiada", disse ela.
Francisco se tornará o quarto papa a discursar na ONU. O Papa Paulo VI foi o primeiro a fazê-lo em 1965, quando fez o seu famoso apelo: "Não mais a guerra, nunca mais a guerra". O Papa João Paulo II falou duas vezes à Assembleia Geral, em 1979 e novamente em 1995. O Papa Bento XVI ressaltou a importância do respeito pelos direitos humanos ao órgão global em 2008.
As irmãs concordam que cada papa falou em diferentes momentos no tempo, embora Mayce diga que Francisco chega em um momento em que o mundo está "em um estado muito mais precário". Publicando a sua encíclica antes do discurso – e estrategicamente antes das negociações climáticas de Paris, que Francisco disse esperar que o seu documento possa influenciar – dá a sua visita mais destaque, disse a Ir. Celia Martin, das Irmãs de Notre Dame, outra religiosa da UNANIMA.
"Estamos em um momento muito diferente agora, e Francisco parece entender isso. É a hora de um movimento ousado e a hora de ele fazer o que ele faz, e isso realmente se relaciona com as pessoas, as pessoas comuns", disse Hanrahan.
"Eu acho que vai ser diferente. Acho que ele vai ser muito mais direto. E eu espero que ele seja muito mais direto", disse Mayce.
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Esperança de uma postura moral: a expectativa do discurso do papa na ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU