25 Setembro 2015
O Papa Francisco pode não ser um esquerdista, como ele reafirmou no seu voo de Havana aos Estados Unidos na terça-feira, mas o seu discurso a uma sessão conjunta do Congresso nesta quinta-feira não vai acalmar os seus críticos conservadores.
A reportagem é de Michael O'Loughlin, publicada no sítio Crux, 24-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O papa reiterou vários temas-chave do seu papado diante de parlamentares norte-americanos, incluindo apelos a políticas mais humanas em relação aos imigrantes, a abolição da pena de morte, a que se deem passos para coibir os abusos ambientais, condenou a indústria de armas e convidou a um compromisso de combater a pobreza global. Ao mesmo tempo, ele também lamentou o que chamou de ameaças à família, incluindo a falta de oportunidade para os jovens.
Francisco usou as vidas de "vários grandes norte-americanos" para ilustrar cada um dos principais pontos da sua mensagem ao Congresso: o presidente dos EUA Abraham Lincoln, o líder dos direitos civis Martin Luther King Jr., a jornalista e ativista social Dorothy Day e Thomas Merton, um monge trapista, escritor e místico.
"Uma nação pode ser considerada grande quando defende a liberdade, como fez Lincoln, quando fomenta uma cultura que permite que as pessoas 'sonhem' com plenos direitos para todos os seus irmãos e irmãs, como Martin Luther King procurou fazer; quando se esforça pela justiça e pela causa dos oprimidos, como Dorothy Day fez com o seu incansável trabalho, fruto de uma fé que se torna diálogo e semeia a paz no estilo contemplativo de Thomas Merton", disse.
"Apesar das complexidades da história e a realidade das fraquezas humanas, esses homens e mulheres, por todas as suas muitas diferenças e limitações, foram capazes de um trabalho duro e de autossacrifício – alguns à custa de suas vidas – para construir um futuro melhor", afirmou.
Chamando a si mesmo de "um filho deste grande continente", Francisco disse aos legisladores que veio para entrar em diálogo com o povo norte-americano, continuando um tema que ele articulou ontem em um discurso aos bispos dos EUA.
Depois de uma breve reunião com o presidente da Câmara, John Boehner, Francisco fez um discurso – em inglês – que foi amplamente otimista no tom, elogiando o "espírito do povo norte-americano".
Mas o papa não deixou de destacar os muitos desafios que o mundo enfrenta – e chamou os legisladores norte-americanos à ação.
Ele disse que está preocupado com a "preocupante situação social e política do mundo hoje", que ele disse ser "cada vez mais um lugar de conflito violento, de ódio e de atrocidades brutais, cometidas até mesmo em nome de Deus e da religião".
Ele condenou o extremismo e o fundamentalismo, religioso ou "de qualquer outro tipo".
"Sabemos que, na tentativa de se libertar do inimigo de fora, podemos ser tentados a alimentar o inimigo de dentro", disse. "Imitar o ódio e a violência dos tiranos e dos assassinos é a melhor maneira de tomar o seu lugar."
Francisco usou o exemplo da presidência de Abraham Lincoln para pleitear a liberdade em todo o mundo, em particular a liberdade religiosa, e depois chamou os EUA a ajudarem outras nações nas suas lutas pela liberdade e contra as novas formas de escravidão.
Chamando Lincoln de "um guardião da liberdade", Francisco disse que "um futuro de liberdade requer amor pelo bem comum e cooperação, em um espírito de subsidiariedade e de solidariedade".
Ele disse aos legisladores que eles têm a responsabilidade de construir o bem comum e disse que a política "não pode ser escrava da economia e ads finanças".
Em uma parte sobre a pobreza global, Francisco tocou no seu tema de "avançar" que ele expôs durante a missa de canonização ontem.
"Os nossos esforços devem ter por objectivo restabelecer a esperança, corrigir erros, manter compromissos e, assim, promover o bem-estar dos indivíduos e dos povos", disse o papa. "Devemos avançar juntos, como um só, em um renovado espírito de fraternidade e de solidariedade, cooperando generosamente para o bem comum".
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Seu apelo em prol dos imigrantes foi enquadrado no contexto da marcha a Selma de Martin Luther King pela liberdade. Assim como aquele movimento dos direitos civis refletia o sonho dos afro-americanos por direitos civis e políticos plenos, assim também os imigrantes de hoje "sonham em construir um futuro em liberdade".
"Nós, os povos deste continente, não temos medo dos forasteiros, porque a maioria de nós fomos forasteiros uma vez", disse ele, sob aplausos. "Digo isso para vocês como filho de imigrantes, sabendo que muitos de vocês também são descendentes de imigrantes."
"Estou feliz que a América continue a ser, para muitos, uma terra de 'sonhos''", disse o papa. "Sonhos que levam à ação, à participação, ao compromisso. Sonhos que despertam o que há de mais profundo e de mais verdadeiro na vida de um povo."
Ontem, na Casa Branca, Francisco chamou a si mesmo de um filho de uma família de imigrantes e continuou a martelar no tema da imigração nesta quinta-feira.
Francisco condenou "os pecados e os erros do passado" – uma aparente referência à polêmica e às vezes brutal conversão dos povos nativos ao cristianismo. Isso surgiu um dia depois que Francisco canonizou Junípero Serra, missionário na Califórnia.
"Tragicamente, os direitos daqueles que estavam aqui muito antes de nós nem sempre foram respeitados", disse. "Esses primeiros contatos foram muitas vezes turbulentos e violentos, mas é difícil julgar o passado pelos critérios do presente."
Então, ele levantou a questão da imigração atual, convidando os norte-americanos hoje a acolher mais aqueles que são percebidos como estranhos.
"Devemos decidir agora a viver de forma tão nobre e tão justa quanto possível, enquanto educamos as novas gerações a não virarem as costas para os nossos 'vizinhos' e tudo ao nosso redor", continuou.
Ele observou que "milhares de pessoas são levadas a viajar para o Norte em busca de uma vida melhor para si mesmas e para os seus entes queridos" e exortou os legisladores a "não ficarem surpresos diante dos seus números, mas sim a vê-los como pessoas, vendo os seus rostos e ouvindo as suas histórias, tentando responder da melhor forma possível à sua situação".
Ele disse que os legisladores norte-americanos devem ser conduzidos pela "regra de ouro" quando se trata de política imigratória e "responder de uma forma que seja sempre humana, justa e fraterna".
Ele també maplicou a regra de ouro ao aborto, dizendo que isso "também nos lembra da nossa responsabilidade de proteger e defender a vida humana em todas as fases do seu desenvolvimento", e, depois, voltou-se para a sua oposição à pena de morte, elogiando os esforços dos bispos dos EUA a aboli-la e emprestar o seu apoio à causa.
"Estou convencido de que esse caminho é o melhor, já que toda vida é sagrada, toda pessoa humana é dotada de uma dignidade inalienável. e a sociedade só pode se beneficiar com a reabilitação daquelas pessoas condenadas por seus crimes", disse.
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Grande parte do discurso foi dedicada à justiça social, e o papa usou a jornalista e ativista Dorothy Day como um exemplo de uma vida dedicada a eliminar a fome e a pobreza.
"O seu ativismo social, a sua paixão pela justiça e pela causa dos oprimidos eram inspirados pelo Evangelho, pela fé e pelo exemplo dos santos", disse.
Apesar dos apelos de alguns conservadores de não repassar o debate contencioso sobre as mudanças climáticas, Francisco citou o aquecimento global como uma das principais causas da pobreza em todo o mundo.
Ele pediu uma economia "que busque ser moderna, inclusiva e sustentável", e, apesar da sua recente crítica ao capitalismo desenfreado, ele disse que o negócio empresarial "é uma vocação nobre, dirigida à produção de riqueza e a melhorar o mundo".
No entanto, as empresas devem ver a criação de empregos como sua responsabilidade pelo bem comum – um bem comum que inclua o cuidado ao ambiente.
Ele citou a Laudato si', a sua encíclica sobre o ambiente, extensivamente, afirmando: "Agora é o momento para ações e estratégias corajosas, destinadas a implementar uma 'cultura do cuidado'".
"Eu peço um esforço corajoso e responsável para 'redirecionar os nossos passos' e para evitar os efeitos mais graves da deterioração ambiental causada pela atividade humana", disse. "Estou confiante de que as excelentes instituições acadêmicas e de pesquisa da América podem dar uma contribuição vital nos próximos anos."
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O Papa Francisco usou o monge trapista Thomas Merton, "um homem de oração ... e promotor da paz", para fazer um apelo apaixonado pelo fim do comércio mundial de armas, assim como fez várias vezes durante o seu pontificado.
"Por que as armas mortais estão sendo vendidas para aqueles que pretendem infligir sofrimentos incalculáveis contra os indivíduos e a sociedade?", perguntou. "Infelizmente, a resposta, como todos sabemos, é simplesmente por dinheiro: dinheiro que está encharcado de sangue, muitas vezes de sangue inocente."
Ele disse aos legisladores: "Diante desse silêncio vergonhoso e culpado, é nosso dever enfrentar o problema e parar o comércio de armas".
Talvez em referência à recente reaproximação entre Estados Unidos e Cuba – que Francisco visitou no início desta semana –, o papa proclamou que é seu dever "construir pontes e ajudar a todos os homens e mulheres, de todas as formas possíveis, a fazer o mesmo".
"Quando os países que estiveram em desacordo retomam o caminho do diálogo – um diálogo que pode ter sido interrompido pelas mais legítimas das razões – novas oportunidades se abrem para todos", disse.
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Francisco concluiu o seu discurso com uma prévia daquilo que ele vai dizer na Filadélfia neste fim de semana, quando ele vai participar do Encontro Mundial das Famílias, com um chamado especial a garantir oportunidades para os jovens.
Não ficou claro se as suas considerações no fim do seu discurso sobre as ameaças à família e às "relações fundamentais" eram uma referência ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
"Eu não posso esconder a minha preocupação com a família, que está ameaçada, talvez como nunca antes, a partir de dentro e de fora", disse. "Relações fundamentais estão sendo postas em causa, como a própria base do matrimônio e da família."
Ele disse que uma preocupação particular para ele é a falta de oportunidade para os jovens.
Enquanto muitos, disse, olham para o futuro, "muitos outros parecem desorientados e sem rumo, presos em um labirinto sem esperança de violência, abuso e desespero".
"Os problemas deles são os nossos problemas. Não podemos evitá-los. Precisamos enfrentá-los juntos, falar sobre eles e buscar soluções eficazes, em vez de ficarmos atolados nas discussões", afirmou, observando que muitos jovens estão adiando o casamento e a família.
Essas questões deverão dominar o Sínodo do próximo mês sobre a família em Roma.
Francisco também prestou especial atenção aos idosos, outra preocupação perene do seu papado. Ele os chamou de "um armazém de sabedoria forjada pela experiência e que buscam, de muitas formas, especialmente por meio do trabalho voluntário, compartilhar as suas histórias e as suas intuições".
Francisco partiu de Washington para Nova York hoje à tarde.
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Em discurso ao Congresso dos EUA, papa lança apelo progressista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU