30 Julho 2015
Junto com o padre Dall'Oglio e os dois bispos sequestrados na Síria, nós, com voz de povo, devemos pedir, rezar e trabalhar para que a paz retorne. Para que acabe a escandalosa impotência da comunidade internacional diante de uma infinita e atroz dança macabra.
A opinião é do historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado no jornal Avvenire, 28-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há dois anos, o padre Paolo Dall'Oglio desapareceu. Não o esquecemos. Esquecê-lo não seria coisa de amigos. Representaria uma cumplicidade com aqueles que o sequestraram. Esperamos que ele volte.
Eu também o conheço bem e estimo a sua audácia cristã. Recordá-lo é fazer memória de uma realidade vergonhosamente irresolvida: a Síria nas presas dos demônios de uma guerra (civil e internacional), sem piedade.
Dall'Oglio estava enfileirado contra o regime ditatorial de Assad, que ele conhecia de perto, tendo vivido muitos anos no país. Ele desapareceu em Raqqa, enquanto tentava fazer a paz entre curdos e jihadistas. Assim parece.
Paolo, homem de grande vitalidade e paixão, é muito corajoso, sem temor de enfrentar tarefas difíceis. Ele considera a Síria como sua casa e era aí muito respeitado. No entanto, quem o sequestrou não o considera alguém de casa. Talvez terroristas estrangeiros. Ou sírios, para os quais um cristão, que fala tão bem o árabe e conhece tanto o Islã, não pode ser senão um inimigo.
O rapto de Paolo mostra uma barbárie sem limites, violando a hospitalidade praticado até então. Poucos meses antes, em abril de 2013, entre Aleppo e a Turquia, haviam sido sequestrados dois bispos, o siríaco Mar Gregorios Ibrahim (foto ao lado) e o greco-ortodoxo Boulos Yazigi.
Mar Gregorios, como todos os bispos sírios e libaneses, considerava o governo de Assad uma garantia para os cristãos, depois da qual haveria um salto no escuro. Ele sabe o que significa sofrer. Os seus avós tinham deixado Tur Abdin (agora na Turquia), terra ancestral da sua Igreja, depois dos massacres anticristãos de 1915. Tinham encontrado refúgio na Síria francesa. Assim, a Igreja Siríaca, uma comunidade pobre com uma história totalmente sem poder e entre as perseguições, tinha se reconstruído.
Gregorios foi o ator dos contatos internacionais dos siríacos. O atual patriarca siríaco, eleito depois do sequestro de Gregorios, foi seu diácono. Gregorios é um grande amigo pessoal. Conheço-o desde 1986, desde a oração inter-religiosa de Assis, desejada por João Paulo II.
Pouco mais de dois anos atrás, parece que o bispo saiu de Aleppo para negociar a salvação de dois padres desaparecidos no mês fevereiro anterior, Michel Kayyal (armênio católico) e Maher Mahfouz (greco-ortodoxa). Nenhum pertencia à sua Igreja, mas Gregorios se consumiu por eles: é um homem generoso, que arrisca, busca a paz e crê muito no diálogo. E, depois, quem se atreveria a tocar no arcebispo siríaco de Aleppo, justamente nos arredores da cidade?
Porém, a região de Aleppo, onde Gregorios se movia com tanta paixão, foi madrasta para ele. Eu o tinha acompanhado anos antes pelo seu país: ele o amava e acreditava na presença dos cristãos ao lado dos muçulmanos.
Outros dizem que Gregorios tinha ido buscar o bispo greco-ortodoxo Boulos Yagizi (foto ao lado), homem manso e espiritual, que custava a voltar para Aleppo. Yazigi, cujo irmão, João, também foi eleito patriarca ortodoxo, não era nada contrário ao regime. A Igreja Greco-Ortodoxa é a comunidade cristã mais numerosa e a mais árabe do país. Por que os dois bispos, em viagem juntos, foram sequestrados?
Há um denso silêncio sobre eles há mais de dois anos. São dois sírios que acreditam na Síria, terra da convivência entre cristãos e muçulmanos. E talvez o seu mundo já tinha acabado na barbárie em uma guerra impiedosa. Mas não podiam aceitar isso.
Em muitas comunidades cristãs, e em todas as Comunidades de Santo Egídio do mundo, reza-se todos os dias pela libertação dos dois bispos e do padre Paolo Dall'Oglio. Esses três amigos poderiam ter tido um papel precioso na Síria nos últimos e duríssimos anos. Anos em que tudo mudou. Para pior.
Não há mais regime ou revolução. Mas existem bandos. Existe o Estado Islâmico. E existem diversas e conflitantes estratégias internacionais, que disputam impiedosamente, insensíveis à dor de um povo inteiro. Dois anos de detenção são muitos. Mas os anos de guerra já são demais para os sírios. Como nos tempos do primeiro conflito mundial, e até mais.
É tempo de reencontrar olhos e voz. E é preciso saber dá-los aos três sequestrados. E, através deles, ao povo que eles amam e servem. Eles pediriam acima de tudo paz para a Síria. E nós, com voz de povo, devemos pedir, rezar e trabalhar para que a paz retorne. Para que acabe a escandalosa impotência da comunidade internacional diante de uma infinita e atroz dança macabra.
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A voz do povo pela paz. Artigo de Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU