19 Junho 2015
A Laudato si' não oferece uma orientação técnica sobre como distribuir os direitos de uso para a atmosfera. No entanto, o Papa Francisco enfatiza a dimensão ética do problema climático e propõe princípios fundamentais a serem aplicados às soluções: a opção preferencial pelos pobres, a justiça intergeracional e intrageracional, a responsabilidade comum, embora diferenciada, a orientação ao bem comum.
A opinião é do físico alemão John Schellnhuber, diretor do Instituto Potsdam para a Pesquisa do Impacto das Mudanças Climáticas (PIK), em artigo publicado no jornal L'Osservatore Romano, 19-05-2015. O texto foi apresentado pelo cientista na apresentação da encíclica, no dia de ontem, no Vaticano. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A atmosfera é um bem global, porque tem um espaço limitado para a eliminação das emissões de gases de efeito estufa. Atualmente, as classes média e alta em todo o mundo estão esgotando rapidamente esse recurso escasso, emitindo gases de efeito estufa em grandes quantidades. Em relação ao espaço limitado para eliminação na atmosfera, os combustíveis fósseis, especialmente o carvão, são abundantes.
Portanto, limitar o aumento da temperatura média global a 2°C exige a limitação do carvão que ainda deve ser lançado na atmosfera a mil gigatoneladas de dióxido de carbono (ou menos). Enquanto que limitar o uso da atmosfera como descarga de carvão é absolutamente necessário para evitar danos e sofrimentos intoleráveis para a maioria.
Isso tirará valor do patrimônio e dos títulos de propriedade dos atuais proprietários de carvão, petróleo e gás. Quase 80% do carvão deve permanecer no subsolo em um cenário de mitigação das mudanças climáticas em relação àquilo que acontece tipicamente.
Por isso, a política climática implica uma transferência dos direitos de propriedade para usar a atmosfera, dos proprietários dos combustíveis a um novo proprietário: a humanidade em geral.
É compreensível que haja demandas de compensação por causa da desvalorização dos bens no setor dos combustíveis fósseis. No entanto, a desvalorização de tais bens, de fato, não é a expropriação ilegal, pois serve para o bem comum, ou seja, para evitar riscos climáticos catastróficos.
A encíclica Laudato si' chama a atenção para o princípio da "obrigação social da propriedade privada". Isso remonta a São Tomás de Aquino e foi mais desenvolvido pela doutrina social da Igreja Católica, particularmente na encíclica Laudato si' do Papa Francisco.
Ela afirma que a propriedade privada em geral, e a dos recursos naturais em particular, é eticamente justificável apenas se servir ao bem comum. Além disso, a futura desvalorização dos recursos fósseis poderia ser vista como um ato de "destruição criativa", empurrando a uma nova revolução industrial integral que poderia envolver importantes oportunidades econômicas, talvez até mesmo para aqueles que ainda não participaram do progresso humano. A transformação do modo em que produzimos energia poderia levar a uma maior transformação da sociedade como um todo.
As negociações internacionais sobre os objetivos de redução das emissões nacionais, os preços nacionais do carvão ou mesmo um preço global atribuem de modo implícito ou explícito o direito ao uso do espaço para o carvão na atmosfera a nações, Estados, empresas e consumidores.
A Laudato si' não oferece uma orientação técnica sobre como distribuir os direitos de uso para a atmosfera. No entanto, o Papa Francisco enfatiza a dimensão ética do problema climático e propõe princípios fundamentais a serem aplicados às soluções: a opção preferencial pelos pobres, a justiça intergeracional e intrageracional, a responsabilidade comum, embora diferenciada, a orientação ao bem comum.
A encíclica defende uma estrutura de governo global para toda a gama dos bens comuns do planeta. Atribuir um preço para as emissões de dióxido de carbono – na forma de sistemas de cap and trade, como o europeu ou o que a China pretende instituir, ou através de impostos nacionais sobre o dióxido de carbono – é um instrumento eficaz para proteger o bem comum.
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De quem é a atmosfera? Artigo de John Schellnhuber - Instituto Humanitas Unisinos - IHU