26 Mai 2015
Wanderlino Nogueira Neto é membro do Comitê dos Direitos da Criança do Escritório do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Entre outros postos de distinção, foi advogado geral do Governo da Bahia (Brasil) e diretor geral do Tribunal de Justiça do Estado de Bahia. Anteriormente, foi professor de Direito Internacional Público, na Universidade Federal da Bahia, e coordenador do Grupo de Supervisão da Aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança, na seção brasileira Defesa das Crianças Internacional (DNI), bem como membro do Centro para a Defesa das Crianças e Adolescentes do Rio de Janeiro (RJ-Cedeca). Reconhecido com o Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos e o Prêmio Direitos Humanos 2011, categoria XVII, da Presidência da República. Sua influente produção intelectual no âmbito dos Direitos Humanos vem avalizada por sua extensa lista de livros e artigos centrados, de forma majoritária, nos direitos das crianças e adolescentes.
A entrevista é de Cristiano Morsolin, publicada por Adital, 22-05-2015.
Juntamente com Sara Oviedo, vice-presidenta do Comitê dos Direitos da Criança pela região da América Latina e Caribe, conheci Wanderlino Nogueira, pela primeira vez, em junho de 2013, durante minha visita à sede da ONU [Organização das Nações Unidas], em Genebra, Palais Wilson, para apresentar a carta aberta à ONU de 74 especialistas de todo o mundo que assinalam: "Existe uma variedade de enfoques para intervir nas vidas de crianças e adolescentes que vivem e/ou trabalham na rua. Não existem barreiras teóricas ou conceituais para a construção de um marco flexível, capaz de incluir os diferentes enfoques na investigação e na intervenção. (..) A construção de um marco adequado e provável que requeira uma rede de especialistas (acadêmicos, ONGs e profissionais da ONU), que trabalhem juntos. No passado, este tipo de diálogo foi objeto do International Working Group for Child Labour IWGCL (sob a coordenação de Nandana Reddy – Índia – e María Cristina Salazar – Colômbia). Cremos que é vital que todos os enfoques e metodologias se reflitam neste processo”.
Essa carta aberta está alcançando importantes reconhecimentos internacionais (1).
Por exemplo, o senador Cristovam Buarque, ex ministro da Educação do primeiro governo do presidente Lula (Brasil), difundiu o documento em sua página institucional e vários artigos de minha autoria (2); no Brasil, se destaca a liderança de Verónica Muller, professora da Universidade de Maringá, e membro do Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e de rede mundial de educadores de rua Dynamo International.
Vernor Muñoz, relator especial da ONU sobre o Direito à Educação (2004-2010), professor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Nacional da Costa Rica ressalta: "respaldo a carta aberta promovida por Cristiano Morsolin e considero que a situação das crianças de rua mostra um dos impactos mais graves do abandono, a exclusão e discriminação em nossas sociedades. Faz-se necessário aprofundar as análises das causas e a busca de soluções, que conduzam a melhores intervenções governamentais, baseadas em políticas públicas culturalmente pertinentes e socialmente efetivas. Para esta finalidade, se requer que as ações realizadas pelas agências e organismos das Nações Unidas, ampliem suas margens de atuação, de modo a que se possam fortalecer a investigação e ação intercultural e intersetorial".
Entre os signatários da missiva se encontram: o reitor da Universidade Politécnica Salesiana (UPS) do Equador, P. Javier Herran; o professor Jaap E. Doek, ex presidente do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos Crianças (2001-2007); Nigel Cantwell, fundador da DNI [Defesa de Internacional de Crianças]; Manfred Liebel, coordenador da Rede Europeia de Mestrados ENMCR; também representantes de ONGs, como Rita Panicker, diretora da ONG Butterflies-Índia; Alberto Croce, diretor do SES-Buenos Aires e coordenador da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação; Ibon Oviedo, diretora da Escola Viajera-Bogotá; Nery Rodenas, diretor da ODHAG-Cidade da Guatemala; Gabriel Rojas, diretor da EDNICA-Cidade do México; pesquisadores como Antonella Invernizzi, Brian Milne, Cristiano Morsolin, Williams Myers, Emmanuel Soriano, coordenador da Revista Iberoamericana Rayuela-Cidade do México; acadêmicos destacados, como Osvaldo Torres Gutiérrez – Universidade Central do Chile; Zamudio Lucero – decana de Ciências Sociais da Universidade do Externado da Colômbia; Michael Bourdillon – Universidade do Zimbábue; Bernard Schlemmer – Universidade Ceped de Paris, Lucchini Riccardo – Universidade de Friburgo; Robin Cavagnoud – Ifea La Paz; Celeste Houdin – Universidade Nacional do Paraguai; Maria Piotti, Universidade Nacional de Córdoba (Argentina); Maria Dolores Muñozcano Skidmore, coordenadora do Centro de Estudos Sociológicos da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAM – Cidade do México; Luca Pandolfi, Universidade Urbaniana – Roma; Enzo Morgagni – Universidade de Bologna (Itália), entre outros. Desde 2012, várias universidades de toda a América Latina difundem a carta aberta em vários seminários acadêmicos e os signatários da carta aberta têm publicado múltiplas pesquisas e estudos comparativos sobre o tema.
Aprecio muito o compromisso ético e o trabalho profissional de alto nível de Sara Oviedo e Wanderlino Nogueira, que conseguiram aprovar o Terceiro Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas (ONU), que permite às crianças, aos adolescentes ou seus representantes denunciarem violações de seus direitos por parte do Estado e levarem uma comunicação ou queixa ante o Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU, sempre e quando o Estado tenha ratificado o tratado e se converta em direito internacional (3).
Me impacta muito a força ética e moral de Wanderlino Nogueira, fala pausadamente, comenta: "sou promotor e professor universitário aposentado, mas nunca me retirei do compromisso em favor da infância e adolescência”. Suas palabras sobre a situação da infancia na Colômbia sacodem o status quo: "a sociedade colombiana é muito marcada pela diferenciação social e política, tem classes desenvolvidas e outros setores, a maior parte, muito pobres, sem serviços básicos, sem visibilidade social e políticas. Esta desigualdade social e política da Colômbia se parece com o Bangladesh e a Índia, onde a população é dividida em castas, em párias… A população indígena, afrodescendente e rural na Colômbia está cristalizada em pária inferior. É necessário uma revolução completa para romper esta divisão de castas entre pobres e ricos. Não são valorizados os pontos de vista das culturas indígenas, que não têm sido incorporadas na cultura dominante.
Necessitamos da construção de uma paz que neutralize a cultura de militarização, que está prejudicando as políticas públicas sociais, de educação, de saúde, etc”.
Sara Oviedo confirma esta proposta ressaltando que "há uma má distribuição da riqueza. Existe uma divisão profunda entre a grande maioria dos trabalhadores e os donos dos meios de produção: aí são vulnerados os direitos. A cultura dominante ajuda a justificar a divisão entre ricos e pobres. O mundo político mantém esse sistema”.
Me impacta que os especialistas do Comitê da ONU Oviedo e Nogueira confirmam as tese sobre o apartheid da segregação e estratificação social que propus em meu recente livro "En la periferia de la Copa del Mundo. Propuestas para enfrentar el apartheid de la segregación urbana y defender el derecho a la ciudad en Latinoamérica. Ediciones Antropos, 2015” [Na periferia da Copa do Mundo. Propostas para enfrentar o apartheid da segregação urbana e defender o direito à cidade na América Latina. Edições Antropos, 2015], no qual Didier Lapeyronni – professor da Universidade Sorbone, de Paris, entre os máximos especialistas em nível mundial sobre periferias e gueto, evidencia que, "no mundo contemporáneo, a segregação urbana passou a substituir o conflito de classes. A distância espacial e a distribuição dos grupos sociais têm substituído o conflito como modo central de relacionamento entre as classes. Em uma sociedade neoliberal, o território urbano, de certo modo, substitui a fábrica. A segregação urbana já não é só produto da busca de uma barreira e da colocação da distancia a respeito das classes populares, mas que se inscreve mais profundamente na própria lógica dos comportamentos sociais e institucionais das classes dominantes”.
Ao mesmo tempo, Oviedo e Nogueira parecem que levam muito em consideração o livro "Separados y desiguales: educación y clases sociales en Colombia” [Separados e desiguais: educação e classes sociais na Colômbia], publicado pela organização Dejusticia, em 2014.
Seu diretor, Rodrigo Uprimny Yepes (hoje, assessor do Comitê DESC das Nações Unidas em Genebra) destaca que "o sistema educacional na Colômbia não só educa melhor as classes altas, mas as educa separadamente. Os ricos não só recebem uma educação de melhor qualidade, mas também uma educação exclusiva. Na Colômbia, cada classe social se educa, em termos gerais, de forma apartada. A oferta da educação pública é deficiente, e a classe alta busca, através da educação privada, melhores estandartes educacionais, que pode pagar para que isso seja possível. Nesse livro, é mostrado, através de uma pesquisa empírica baseada na análise dos resultados do exame de Estado, como a educação básica na Colômbia se parece com um sistema de segregação, um sistema de separados e desiguais, que viola o direito à não discriminação e à igualdade de oportunidades consagrada na Constituição” (4).
Eis a entrevista.
O senhor afirmou por ocasião do XXI Congresso Pan-Americano que, "agora, está se vivendo uma época de transição paradigmática: a emancipação social dos grupos sociais desfavorecidos, incluídos as crianças e adolescentes. Não podemos lutar apenas pela eficácia jurídica e deixar de lado o social” (5). O que se entende com isso?
As lutas pela prevalência dos direitos humanos (gerais e especiais geracionais), nas relações internas e internacionais dos nossos países, muito dependem de que essa nossa luta seja feita aliada a outra luta gêmea, como aquela pelo reconhecimento de que o mero desenvolvimento econômico é muito restrito e insatisfatório, quando se trata da busca por um mundo melhor, mais livre e fraterno; se fazendo necessário, então, que o desenvolvimento humano seja buscado de forma mais ampla, radical e autossustentável. Não há espaço para os direitos humanos se foram realizados em um modelo econômico-social de dominação, exclusão, exploração e subalternização de grandes parcelas da população.
Há uma forte necessidade de agregar nosso movimento pelos direitos humanos de crianças e adolescentes às lutas por um novo modelo de desenvolvimento, que abarca as lutas pela terra e pela moradia, pelo meio ambiente, pelos direitos do consumidor, pela diversidade cultural regional e local, pelo direito à livre re-territorialização (ou seja, a migração), pelo direito ao corpo e à diversidade de orientação sexual e de identidade ou expressão de gênero, livremente buscada.
Que apreciação tem sobre o fenômeno das crianças e adolescentes em situação de rua na Colômbia?
Creio que a situação da Colômbia é muito próxima da situação de outros países da América Latina, especialmente do Brasil. A questão das crianças que estão na rua, não digo que sejam propiamente crianças e adolescentes de rua, a ruanão tem filhos. São situações de exclusão social de crianças e de todas as suas famílias, é toda uma população de rua, uma população inteira, já temos os netos de rua, as antigas crianças que produziram seus netos-filhos, é uma forma de exclusão social muito dolorosa, porque é uma condenação, se considerarmos os párias da Índia, não há possibilidade de ascender socialmente e são discriminados em todos os sentidos. Falamos muito de discriminação étnica, discriminação de raça, cor, discriminação de gênero, todavía, esta discriminação, em especial, tem sido muito forte. São os sem teto, como se diz no Brasil, a pesar de que, no Brasil, não se fala muito de crianças de rua, caiu no esquecimento a expressão, se fala de crianças em comunidades faveladas, crianças que estão com suas familias sem teto, na rua, sem terra também.
A motivação do porquê está na rua é mais ampla do que no passado, é mais do que uma questão de não ter habitação, é uma questão maior, é uma condenação a serem párias, e por isso o nosso Comitê criou um grupo de trabalho que está elaborando, através de consultores, um documento final conclusivo chamado "Comentário geral sobre a situação de rua de crianças e adolescentes”.
A socióloga colombiana María Cristina Salazar – vice-presidenta do International Working Group on Child Labour IWGCL, catedrática da Universidade Nacional da Colômbia e esposa de Orlando Fals Borda, criticou, em meados dos anos 1990, que "muito poucos dos estudos sobre trabalho infantil usam técnicas participativas, nas quais sejam escutados os próprios menores, apesar de que esta é uma exigência mínima para alcançar a compreensão da sua realidade” (Salazar 1995, p. 79) (9). O International Working Group on Child Labour (que realiza pesquisas comparativas em 38 países de todo o mundo, conseguindo uma estratégica aliança entre mundo acadêmico, sociedade civil e Agências da ONU), perguntava tendo em vista a prática e as demandas de participação: "Perguntamos às crianças?” (IWGCL 1997) e ratificava como um dos seus "principais objetivos” "animar e facilitar a participação das crianças nos debates sobre o seu trabalho” (IWGCL 1998, resumen ejecutivo) (6). Como pode aportar a sociedade civil nesse processo?
Já elaboramos o primeiro esboço, foram contratados consultores que elaboraram rascunhos. Agora, na segunda semana de maio, estivemos reunidos como grupo de trabalho para definir o primeiro esboço. A partir deste, serão feitas consultas a organizadores. O consultor elaborará um esboço a partir de suas visitas e seus estudos: nós aprovamos ou não esses rascunhos. Será elaborado o segundo esboço e depois o documento final. Este documento será apresentado à plenária do Comitê da ONU. Nossas mãos são os quatros membros do Comitê da ONU, do grupo de trabalho e os consultores. Podem-se enviar documentos já, várias organizações e instituições da América Latina já enviaram. O primeiro esboço foi construído recebendo os informes de várias entidades, inclusive da América Latina.
Por essa razão, lhe entrego alguns materiais e livros dos 74 especialistas, é uma bibliografia especializada de especialistas, sobretudo, aqui na América Latina, para aportar, diretamente, neste processo porque "apreciamos a decisão do Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança de abrir um proceso global de dois anos para a elaboração de um Comentário Geral sobre o fenômeno das crianças em situação de rua; esta decisão é a resposta adequada do processo de mobilização internacional que temos ativado através da carta aberta dos 74 especialistas e através dos múltiplos livros e pesquisas que temos produzido em vários idiomas, analisando as boas práticas das organizações infantis, fortalecendo redes e alianças entre sociedade civil, mundo acadêmico e Estados”, como destaca Raffaele Salinari, presidenta da Federação Internacional Terre des Hommes (que coordena 1.000 projetos de cooperação internacional em 80 países do mundo, em uma carta que entreguei a Oviedo e Nogueira.
É importante que me envie os materiais por e-mail para entregá-los aos consultores contratados, que elaboraram o primeiro esboço. Eu recebi o primeiro esboço e ofereci reparos ao rascunho.
Depois da elaboração do primeiro draft, o grupo de trabalho do Comitê pode socializá-lo e difundi-lo.
O enfoque é o mesmo sobre crianças e adolescentes que trabalham e vivem na rua, como o estudo de Madame Pillay, ou crianças em situação de rua, em geral?
É a mesma coisa. Em situação de rua significa que vivem, sobrevivem, trabalham na rua. É a definição de rua, não queremos mais que se fale de "crianças de rua”. Não existem crianças de rua, o primeiro esboço já abandona esta definição antiga. Falamos de crianças em situación de rua, que habitam, que sobrevivem e trabalham e se drogam também na rua.
A situação de muitos países da América Latina e da África é de crianças e adolescentes que se drogam na rua. A droga é um fator novo para essa população específica.
Você conhece o Movimento Africano de Crianças e Jovens Trabalhadores (MAEJT) – que conta com 270.955 membros efetivos em nível de todo o continente africano (6), tem o status de observador permanente no Grupo de Especialistas Africanos da União Africana e conta com o respaldo também da Organização Internacional do Trabalho OIT (7). Que influência e papel têm as organizações de crianças em situação de rua?
Há pouca influência. Aquí, na América Latina, recebemos aportes de crianças e adolescentes organizados do Peru, que pedem que não se condenem os trabalhos das crianças e adolescentes.
É uma proposta muito diferente da concepção cultural do Brasil e do Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua?
É muito diferentes e é muito diferente da opinião própria do Comitê da ONU.
O Movimento Africano MAEJT tem outros matizes, há organizações de crianças e adolescentes trabalhadores no mundo que pensam diferente do Peru. O MAJET é, por exemplo, apoiado em alguns projetos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Assim é, a Ásia também tem outras posições. Para nós, no Comitê e especialmente no grupo de trabalho, há uma grande dificuldade de enfrentar e discutir com essas diversas visões, por exemplo, com os que consideram que são as crianças e adolescentes que devem definir a idade para trabalhar, definindo como inflexível a Organização das Nações Unidas, especialmente a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Sobre o debate com relação à Colômbia em Genebra, tem se falado de discriminação racial e de equiparação a criminosos das crianças em situação de rua. Qual é o seu ponto de vista?
Penso que, na Colômbia, a questão da segurança, da militarização da sociedade faz com que a discriminação de raça, cor, etnia, gênero, sejam colocadas em segundo plano. Não se preocupam tanto como se deveria, especialmente agora, desde janeiro, que o Comitê da ONU escutou outras discriminações condenáveis, como discriminação de identidade de gênero, de transexuais e de identidade de sexo. A questão da orientação sexual, lésbicas, gays e bissexuais é o ponto novo que não foi incluído no documento para a Colômbia. Na próxima análise do Comitê será incluído também.
Nos últimos dias 20 e 21 de janeiro de 2015, a Colômbia se submeteu ao escrutínio do Comitê de Direitos das Crianças, em uma revisão regular a qual estão submetidos todos os países das Nações Unidas (8). O que você pensa sobre como as crianças são utilizadas no conflito interno?
Penso que é uma situação diferente de boa parte de toda a América Latina. A situação da vinculação das crianças na Colômbia é mais próxima da situação de Angola, da Namíbia, na África.
O Comitê está preocupado com o contínuo recrutamento de crianças por grupos não estatais; e o fato de que algumas dessas crianças sejam perseguidas pela Colômbia como criminosas e não tratadas como vítimas. As meninas recrutadas são submetidas a violência sexual, de forma sistemática e repetida, incluídos violação, escravidão, gravidezes forçadas e abortos.
Ante esta situação, o Comitê pede à Colômbia que faça tudo o necessário para evitar essa situação, como mudanças legislativas e o estabelecimento dos recursos adequados, especialmente nas regiões mais afetadas pelo conflito, que se leve em conta que as crianças soldados são vítimas, pelo que têm direito a assistência psicossocial adequada, especialmente as meninas vítimas de violência sexual.
Uma última pergunta com relação ao seu país, o Brasil. No último dia 31 de março de 2015, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados do Brasil aprovou a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 171/93 por 42 votos favoráveis ante 17 contra. Esta Proposta de Emenda pretende que o debate sobre a necessidade de adotar medidas judiciais para reduzir os homicídios no Brasil se cristalize em uma reforma constitucional que reduza a maioridade penal de 18 para 16 anos.
Recentemente, foi realizado um grande evento na Universidade USP, de São Paulo. Em sua exposição, Paulo Sergio Pinheiro acusou os parlamentares que impulsionam a emenda constitucional de estarem "financiados pela indústria bélica e carecerem de moral para falarem de violência". "Esses parlamentares são eleitos graças a fundos sem controle das empresas de armamentos e de igrejas evangélicas fundamentalistas, que estão impondo uma agenda de direita no Congresso", alertou Pinheiro (9). Qual é a sua opinião sobre essa busca por reduzir a idade penal de 18 para 16 anos?
A ONU tem tratado, prioritariamente no capítulo sobre justiça juvenil, também outros temas mais prioritários expressos na Convenção: A) Proibição da pena de morte. B) Proibição da prisão perpétua. C) Eliminação das torturas, castigos físicos, cruéis e degradantes. D) Restrição penal em prejuizo de procedimentos e resultados restauradores. E) Manutenção de programas de construção de capacidades e de formação permanente, sistemática e contínua para a justiça juvenil. A ONU se pronuncia a respeito especificamente através do nosso Comitê de Genebra, através do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, através do Conselho Internacional para os Direitos Humanos, através do Conselho de Segurança, pela Assembleia Geral, pelos Tribunais Internacionais de Roma e Haia e por seus relatores especiais. Parece que o Sistema Internacional das Nações Unidas é quase desarmado frente às violações e as ameaças aos direitos humanos. Prevalece o princípio da soberania nacional. Mas temos que continuar nos comprometendo para garantir a democracia e os direitos humanos.
Conclusões
Nogueira ressaltou a iniciativa do México de criar um observatório, que se alimenta constantemente de informação e produz informes com frequência. Sobre este assunto conversei com Juan Martin Pérez, diretor da Rede Nacional pelos Direitos da Infância no México (Redim) e da Rede Latino-Americana (Rrelamyc), que confirma o respaldo de muitas organizações e ONGs de todo o continente para defender os direitos das crianças e adolescentes da Colômbia. Juan Martin Pérez comenta: "Wanderlino Nogueira se refere à "Infância Conta no México” (10), um sistema de informação sobre direitos da infância baseado em dados oficiais. Há uma década, vimos publicando, anualmente, esse material, com ensaios e análises políticas; mais de 80 indicadores públicos (11). Podes ver uma apresentação na Internet sobre a nossa última publicação, em seu décimo aniversário” (12).
O jornal nacional "El Tiempo” através do artigo "Colômbia continua em dívida com a proteção dos direitos das crianças” visibiliza a posição do Estado (13).
Vou concluir este artigo através das palavras de Sara Oviedo, que tive o prazer de entrevistar em março de 2015 (14): "A paz não é a finalidade da guerra simplesmente, é a possibilidade de pensar uma Colômbia nova, na qual se chegue a pactos, como estão fazendo em Cuba, mas en relação às crianças.
Há um problema de assunto cultural, a sociedade em seu conjunto não tem posicionado a infância e a adolescência como titulares de direitos, não tem posicionado a participação dos meninos e meninas em decisões que são tomadas para concretizar seus direitos. Não há posicionamento das crianças na sociedade. Esta é a ideia das crianças como propriedade dos adultos. Essa mudança cultural tem que começar na Colômbia, deve ser interiorizada, é preciso dar um salto cultural na cotidianidade dos comportamentos a partir de nós. As crianças não são prioridade do país. É preciso buscar novas propostas a 25 anos da revolución, ops… da Convenção, que é a Revolução Francesa dos direitos da criança. Necessitamos seguir com projetos e dar tempo ao tema cultural. É importante insistir no tema da participação das crianças e adolescentes, não tenhamos medo da participação política das crianças. A política é a essência do poder. Necessitamos da cultura dos direitos!
(2)SALAZAR, María Cristina (1995): «La significación del trabajo infantil y juvenil en América Latina y el Caribe», en: Trabajo Infantil. ¿Ser o no ser?. Lima, Rädda Barnen, pp. 63-88.
(3)IWGCL (1997): Have we asked the Children? Discussion Paper. Amsterdam: International Working Group on Child Labour.
(4)IWGCL (1998): Working Children: Reconsidering the Debates. Report of the International Working Group on Child Labour. Amsterdam, Defence for Children International.
(5)http://endatiersmonde.org/instit/index.php?option=com_content&view=article&id=188&Itemid=0&lang=es
(6)Vera Perdigao (OIT): Chers collègues du Enda et Maejt, un grand bravo pour ce résultat qui apportera sans doute une plus grande responsabilité à l'organisation mais que j'en suis sure, vous serez à la hauteur
(7)http://www.maejt.org/pdfs/Defi_des_EJT_13_version_francaise.pdf
(10)www.infanciacuenta.org
(11)http://infanciacuenta.org/icm/publicaciones
(12)https://prezi.com/jodgma4mioxk/copy-of-la-infancia-cuenta-en-mexico-2014/
(14)http://www.alainet.org/active/81397&lang=es
*AUTOR: Cristiano Morsolin, pesquisador e trabalhador social italiano, radicado na América Latina desde 2001, com experiências no Equador, Peru, Colômbia, Bolívia, Brasil. Fundador do Observatório sobre a América Latina SELVAS (Milán), autor de vários livros. Em nível acadêmico colabora com a Universidade do Externado da Colômbia e com a Universidade Politécnica Salesiana do Equador.
INFO: https://diversidadenmovimiento.wordpress.com/
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Crianças em situação de rua podem ser comparadas aos párias indianos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU