04 Mai 2015
Em uma palestra inédita, em 2012, o futuro papa enfatizou que a devoção popular é a antítese da secularização generalizada.
A reportagem é de Andrea Gagliarducci, publicada no sítio Catholic News Agency / EWTN News, 28-04-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Em 2012, o Papa Francisco explicou o sentido interior da "teologia do povo", enfatizando que a devoção popular é a antítese da secularização generalizada.
A palestra foi agora publicada, pela primeira vez, na edição italiana de Introduzione alla Teologia del Popolo [Introdução à Teologia do Povo], do teólogo argentino Enrique Ciro Bianchi, aluno de Victor Manuel Fernandez - reitor da Universidade Católica da Argentina e um dos colaboradores mais próximos do Papa Francisco.
O livro foi concebido como um perfil teológico e espiritual do pensador argentino Rafael Tello, considerado um dos fundadores da "teologia do povo", que o Papa Francisco considera em alta estima.
A "teologia do povo" era popular na Argentina como uma alternativa à teologia da libertação mais radical. Enquanto os teólogos mais radicais da teologia da libertação olhavam para interpretações marxistas e imanentistas do Evangelho, a teologia do povo era baseada na cultura e na devoção das pessoas comuns, incluindo a sua espiritualidade e seu sentido de justiça.
Quando era arcebispo de Buenos Aires, o então cardeal Bergoglio escreveu o prefácio da edição original em espanhol do livro de Bianchi sobre a "teologia do povo" e fez uma palestra na sua apresentação oficial. Essa palestra teve como foco a "fé do nosso povo humilde" e foi usada como o prefácio da edição italiana; alguns trechos foram publicados no jornal Avvenire, jornal dos bispos italianos, no dia 27 de abril.
O cardeal Bergoglio escreveu que a América Latina era em grande parte caracterizada pela pobreza e pelo cristianismo e que esse último aspecto é expressado por várias e coloridas formas de devoção popular, como procissões, vigílias e orações públicas.
"Quando nos aproximamos do nosso povo com o olhar do Bom Pastor, quando não vamos para julgar, mas para amar, podemos descobrir que essa forma cultural de expressar a fé cristã ainda está presente entre nós, especialmente em nossos pobres", disse ele.
O cardeal Bergoglio explicou que essa noção foi submetida a uma evolução no decorrer dos anos: primeiramente, foi rotulada como "religião popular"; depois, o Beato Paulo VI a chamou de "devoção popular"; e, finalmente, o documento de Aparecida de 2007 denominou-a de "espiritualidade popular".
Aparecida foi o local da quinta Conferência Geral do Episcopado da América Latina, e seu documento final aborda as principais questões enfrentadas pela Igreja latino-americana, focando-se no trabalho missionário.
Segundo o cardeal Bergoglio, a "espiritualidade popular é a forma original através da qual o Espírito Santo conduz e continua a conduzir milhões de nossos irmãos", e isso foi claramente reconhecido em Aparecida.
O papa contou que, "quatro dias antes da votação final do projeto de documento, este tinha recebido 2.400 'modi' ou alterações, que tinham de ser resolvidos dentro desses dias"; mas o capítulo sobre espiritualidade popular "tinha recebido apenas duas ou três observações, que eram todas de tom estilístico, secundárias".
"Esse capítulo foi proposto exatamente do jeito que saiu da comissão, que disse a todos os bispos na conferência: 'Isso é um sinal'", escreveu o cardeal Bergoglio.
A memória do povo
O então arcebispo de Buenos Aires também identificou "a devoção popular como a divulgação da memória de um povo" e enfatizou o bom exemplo do Padre José Gabriel Brochero, um padre popular na Argentina que foi beatificado em setembro de 2013.
O cardeal Bergoglio contou ter sido, durante dois anos, confessor na casa dos jesuítas em Córdoba, Argentina, "no coração da cidade, ao lado da universidade", onde ouvia as confissões dos "estudantes universitários, dos professores e de pessoas dos subúrbios que preferem ir se confessar no centro da cidade, já que seus párocos não têm tempo para ouvir a confissão aos domingos, pois celebram uma missa após a outra".
Entre os penitentes, o cardeal Bergoglio observava que "havia pessoas que se confessavam bem: elas só diziam o que era necessário; nunca diziam algo além de seus pecados e não se gabavam; falavam com muita humildade".
Uma vez, ele perguntou a uma dessas pessoas de onde vinha, e ela disse: "De Traslasierra", o lugar onde o padre Brochero pregava. Assim, "havia a memória catequética do Padre Brochero em um povo, que expressava isso no sacramento da reconciliação".
O Papa Francisco acrescentou que "a devoção popular vem da memória do povo", e "assim como a Igreja Católica fez uma opção preferencial pelos pobres, isso deve levar-nos a conhecer e apreciar a sua forma cultural de viver o Evangelho".
"É bom e necessário que a teologia se preocupe com a devoção popular", uma vez que é "o precioso tesouro da Igreja Católica na América Latina, como Bento XVI afirmou ao inaugurar a Conferência de Aparecida".
O cardeal Bergoglio afirmou que, "quando nos aproximamos dos pobres para acompanhá-los, entendemos que eles vivem a vida em um sentido transcendental, além das enormes dificuldades diárias. Em alguns aspectos, o consumismo não os encapsulou".
Suas vidas "estendem-se para algo além dessa vida. A vida depende de Alguém, e essa vida deve ser salva. Isso é o que encontramos nas profundezas do nosso povo, mesmo que as pessoas não sejam capazes de expressar isso".
No fim, disse, "o sentido transcendente da vida vislumbrada no cristianismo popular é a antítese do secularismo que está se espalhando nas sociedades modernas".
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Papa Francisco e a ''Teologia do Povo'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU